A América Latina vive um período de instabilidade política e econômica que atinge praticamente todos os países da região. Em um cenário tão desfavorável, contar com um parceiro que numa estimativa conservadora vai crescer praticamente o triplo da média da região ajuda muito na hora de reequilibrar as contas e a popularidade perdida junto aos eleitores. A China, segundo os próprios chineses, deve ter um crescimento de 7% no seu Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, em relação a 2014. E o país vem explorando bem este quadro.
Essa aproximação com a América Latina não é nova, mas a forma como está sendo conduzida revela a estratégia chinesa. Nas últimas duas décadas, particularmente na primeira década dos anos 2000, essa relação esteve centrada no intercâmbio comercial. A compra de commodities, como o cobre do Chile e o petróleo da Venezuela, impulsionou a economia latino-americana e foi um dos combustíveis para que a China fosse chamada de “locomotiva do mundo”. Mas os tempos são outros, o preço do ouro negro despencou e as commodities perderam parte do seu valor. O motivo principal foi o desaquecimento da economia após a crise de 2008.
Agora, os chineses se apresentam como os fiadores do soerguimento infraestrutural da região. Com isto, buscam conquistar poder e influência no “quintal” dos Estados Unidos. De 2004 a 2014, instituições financeiras da China emprestaram US$ 119 bilhões para países como o Brasil, Chile, México e Costa Rica. De acordo com a Chinese Finance in Latin America, o país que lidera a lista dos que mais receberam é a Venezuela. O bolivarianismo de Nicolás Maduro pegou emprestado sozinho US$ 56,3 bilhões. Em todos os contratos existe uma constante. Os projetos em infraestrutura receberam quase a metade do valor total de seus orçamentos.
Durante viagem pelos países da região em maio deste ano, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, assinou outra série de acordos para o investimento de US$ 250 bilhões (cerca de R$ 780 bilhões) nos próximos 10 anos. O doutor em relações internacionais Luís Cunha, autor do livro A Hora do Dragão – Política Externa da China, pontua que neste momento de crise os chineses querem que os demais países façam parte de uma rede dependente dos recursos de Pequim. “Não existe almoço grátis. Quando as economias dependem da outra, o espaço de manobra para o distanciamento político e a visão estratégica crítica é mínima”, alerta.
Esse seria um bom momento para que os governantes latino-americanos também tirassem benefícios estruturadores desta relação. No entanto, o coordenador do Instituto de Estudos da Ásia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcos Costa, ressalta o que contrasta na atuação dos chineses com a dos países da nossa região: a falta de planejamento estratégico. “A China caminha para ser a maior potência mundial com base em uma visão a longo prazo, planejamento e profissionalismo”, ressalta o pós-doutor em Economia Política.
COMO FICA O MERCOSUL?
A fragilidade do bloco se mostra ainda mais grave no momento em que os países que o integram (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) não se unem para fechar os contratos, critica a economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Lia Valls. Uma das organizadoras do livro Armadilha da renda média: visões do Brasil e da China Vol.1, Lia mostra que falta clareza na regulamentação do Mercosul. “O artigo que trata desse tema no Mercosul se refere às negociações de concessões tarifárias. É discutível se impede os países de fazerem negociações em separado”, explica.
No ano passado, o governo argentino da presidente Cristina Kirchner aprovou um conjunto de acordos bilaterais com a China, que, para os especialistas, enfraqueceram ainda mais as relações comerciais entre os Estados membros do Mercosul. Dentre vários pontos, os dois países acertaram que as empresas chinesas terão vantagens que já são adotadas por sócios do bloco sul-americano para investimentos no país, ou até maiores, se forem formalizadas isenções tarifárias.