"Ficou a pura desolação", disse Armando no picadeiro sem luzes nem fanfarras de seu circo, enquanto as estrelas do show, sete tigres de Bengala, aguardam em suas jaulas o incerto destino que lhes reserva uma nova lei no México que proíbe sua presença em espetáculos circenses.
A partir desta quarta-feira (8), as autoridades poderão confiscar os animais selvagens dos circos mexicanos, a menos que deixem de usá-los em seus espetáculos, provem sua aquisição legal e os mantenham em "ótimas condições", requisitos que muitos não conseguem cumprir.
"São cerca de 4 mil animais que estão em jogo", garante à AFP Armando Cedeño, enquanto brinca com um dos tigres de seu circo familiar, que fundou há 15 anos e abre suas portas em Chimalhuacán (centro).
Cedeño, que também é presidente da União Nacional de Empresários e Artistas de Circo Mexicanos ressaltou a "cruzada" que será enfrentada por seus colegas, forçados a comprar seus animais antes que sejam levados, no momento em que a queda de público levou 70 circos à falência e ao desaparecimento de mais de 2 mil postos de trabalho.
"Nunca pensei acabar assim, achei que fosse morrer comido por um tigre", afirma Junior, domador de tigres do circo dos irmãos Cedeño.
"Bigode", um dos felinos, permanece com o olhar perdido diante dos seis quilos de frango em sua jaula, enquanto o colega "Samurai", de olhos verdes e atitude indolente, lambe as patas.
"Os bichos vão sofrer um choque, porque estão acostumados com a gente, com a música e os aplausos", prevê Junior, que não tem "nem ideia" de como se empregará de agora em diante.
Um grande número dos animais que aparecem sob as tendas ambulantes vêm do mercado negro, afirma Leonora Esquivel, co-fundadora no México da ONG internacional AnimaNaturalis, enquanto os circos se queixam que o governo exige deles uma estrutura de zoológico que eles não podem arcar.
Com a entrada em vigor da reforma da Lei Geral de Vida Selvagem, "começarão as sanções" de mais de 250.000 dólares contra os circos que não cumprem as regras, afirma Guillermo Haro, procurador Federal de Proteção Ambiental.
Dos cerca de 200 circos com animais selvagens no México, poucos cumpriram a obrigação legal de declarar seus espécimes. Em 2014, eles somaram 1.091 animais declarados contra 511 no ano seguinte, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente.
O Partido Verde Ecologista (PVEM), um aliado-chave do governista Revolucionário Institucional, promoveu a reforma com uma campanha de mídia forte, fundamentada em casos escandalosos de abuso.
No ano passado, por exemplo, foi revelado que um circo em Yucatán (leste) possuía ilegalmente vários gatos e macacos, bem como um urso que teve a mandíbula removida, tornando impossível comer alimentos sólidos. Além disso, outros animais apresentavam mutilações nas garras e presas.
O PVEM estima que a nova lei "estabelece um precedente em termos de respeito e proteção animal", mas para muitos é uma regulamentação incompleta e tendenciosa.
Embora "feche a chave para o nascimento de animais em cativeiro e o tráfico ilegal de espécies", não penaliza a popular briga de galos, touradas e espetáculos com mamíferos marinhos, apontou Esquivel.
Assim, a organização de Cedeño deve entrar com um recurso para frear o que considera uma lei "discriminatória", baseada na "falsa propaganda". Resignado, ele volta para sua casa itinerante. "Não deixem de vir ao circo embora não tenhamos mais tigres. Não nos deixem morrer", pediu.