O estudo do Google sobre um experimento de "supremacia quântica" realizado com um processador capaz de calcular em três minutos o que a princípio levaria 10.000 anos, e que vazou em setembro por engano, foi publicado na revista "Nature" nesta quarta-feira (23). Brevemente divulgado (e depois retirado) no portal da Nasa (a agência espacial americana), o estudo foi revelado pelo jornal "Financial Times" em 21 de setembro.
Nele, uma equipe de pesquisadores do Google descreve como conseguiu criar um processador, chamado Sycamore, capaz de realizar um cálculo em 200 segundos, enquanto uma super calculadora "clássica" teria precisado, para a mesma tarefa, segundo suas referências, de "cerca de 10.000 anos". "Esta aceleração fenomenal, comparada com todos os algoritmos clássicos conhecidos, é uma experimentação da supremacia quântica", explicam os pesquisadores na Nature.
Específico para este teste, o cálculo é - segundo eles - uma "etapa no caminho" do computador quântico universal. O equipamento é muito esperado no mundo da informática. A expectativa é que venha a ter um impacto considerável na capacidade da sociedade de processar as informações.
Já existem aplicações concretas que usam sistemas híbridos de informática clássica e quântica. Uma delas pode, por exemplo, resolver rapidamente "o problema do viajante comercial" que deve otimizar seu trajeto para ir a 100 cidades diferentes.
O Sycamore conseguiu fazer funcionar um programa com 53 qubits (bits quânticos), a unidade mínima da informática quântica. Ao contrário do que acontece com os bits dos computadores clássicos, que podem ficar em apenas dois estados, 0 ou 1, os qubits podem se encontrar em vários estados ao mesmo tempo.
A pesquisa em Informática quântica, que apareceu nos anos 1980, se apoia em um dos princípios da Física Quântica, o da superposição. Segundo esta mecânica, um objeto pode ter dois estados ao mesmo tempo, ou seja, uma moeda é, simultaneamente, cara e coroa. No mundo "clássico", a moeda poderia ser apenas uma coisa, ou outra. Nunca as duas ao mesmo tempo.
Esta superposição de estados cria um "paralelismo" que permite fazer vários cálculos de uma vez, explica o pesquisador em Informática Jean-Paul Delahaye.
Deste modo, chega-se "a algoritmos sem equivalente no mundo clássico, que até nos custa representar", diz o físico Daniel Hannequin, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS, na sigla em francês).
Qualquer objeto é quântico, "mesmo você e eu", diz este pesquisador do renomado instituto francês. "Mas estas propriedades quânticas são perdidas muito rapidamente e, quanto maior o objeto, mais rápida é a perda", completa.
É um mecanismo contra-intuitivo que "mesmo os cientistas mais imaginativos têm dificuldade para entender, já que não acontece no nível sensível", explica à AFP Audrey Loridan-Buadrier, da Fundação Mines-Télécom, que forma futuros engenheiros nesta tecnologia.
A manipulação dos qubits é delicada, pois é difícil estabilizar seu estado quântico - seja pela falta de átomos simples, frios, seja porque estão totalmente isolados do mundo exterior. "Ao superar esta etapa importante, demonstramos que a aceleração quântica é realizável no mundo real, e não está limitada a leis físicas escondidas", destacam os pesquisadores da Google.
Em um post em seu blog nesta quarta, o CEO da Google, Sundar Pichai, cita a frase do Prêmio Nobel de Física Richard Feynman, que resume a dificuldade da matéria: "Se você acha que entendeu a mecânica quântica, você não entendeu a mecânica quântica".
Depois do vazamento do estudo, vários especialistas pediram cautela, afirmando que este cálculo específico "não serve para nada" e que a chegada de um computador quântico universal não é algo para já.
A informação da Google coincidiu com um anúncio da IBM, outro peso pesado na corrida quântica. A empresa afirma que colocará on-line uma máquina quântica de 53 qubits (potência equivalente à máquina da Google), à qual pesquisadores e desenvolvedores poderão ter acesso.
Apresentado como o Santo Graal, este equipamento seria capaz, graças a algoritmos muito potentes, de romper os sistemas criptográficos chamados "RSA", usados atualmente na informática mundial.
O algoritmo quântico mais promissor é o Shor, capaz de fatorizar tão rápido quanto multiplicar, enquanto em um cálculo clássico há uma diferença no tempo de resolução entre as duas operações. "Se eu pergunto de quais números o 437 é produto (uma fatoração), vai levar tempo para averiguar. Em contrapartida, se eu peço que multiplique 19 x 23, chegará muito mais rapidamente a 437", explica Hannequin.
Até agora, a quântica conseguiu fatorizar apenas números de 7 ou 8 algarismos, enquanto o computador clássico é muito mais potente, ressalta Delehaye. Quando um computador quântico universal conseguir executar o algoritmo de Shor em grande escala, com números de 100 algarismos, será possível falar em "supremacia quântica".
Essa mudança colocará em xeque toda criptografia que rege nossos códigos de segurança (nos cartões de crédito, por exemplo) e que está fundada no comprimento de fatoração (o algoritmo RSA). Para compensar esta ameaça, a pesquisa em criptografia resistente tenta se antecipar. "É até mais avançada do que o computador quântico", garante Hannequin.