A presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, declarou nesta sexta-feira (15) que o ex-presidente Evo Morales pode voltar ao país de seu exílio no México mas, caso retorne, deverá "responder à Justiça" por irregularidades nas eleições de outubro e por "denúncias de corrupção".
"(Morales) Foi sozinho" e, se voltar, "sabe que tem que responder à Justiça", declarou Áñez. "Há um crime eleitoral, há muitas denúncias de corrupção em seu governo", disse Áñez, em sua primeira reunião com a imprensa estrangeira no Palácio Quemado de La Paz, três dias depois de se proclamar presidente interina.
"Que crime eleitoral eu poderia cometer? Nunca pedi a nenhum órgão do Estado: me ajude", aformou Morales, no México, em resposta às acusações da presidente interina.
Morales, que governou o país por quase 14 anos, disse quarta-feira no México que está disposto a voltar para "pacificar" a Bolívia. Afirmou ainda que, com sua renúncia, buscou deter a violência no país. "Se meu povo pedir, estamos dispostos a retornar (...) Voltaremos cedo ou tarde (...) melhor que seja o mais rápido possível para pacificar a Bolívia", declarou o ex-presidente em sua primeira entrevista à imprensa no exílio.
"Este é um governo de transição", garantiu Áñez. "Prometo liderar as eleições transparentes", acrescentou, embora não tenha deixado claro se elas podem ser realizadas antes de 22 de janeiro, quando terminaria o terceiro mandato de Morales.
A presidente interina não respondeu por quanto tempo ficará no cargo, mas prometeu "não avançar para o autoritarismo". "Este é um estado de direito", disse.
Acompanhada de comandantes militares, ela também denunciou o aparecimento no país de "grupos subversivos armados" de estrangeiros e bolivianos e anunciou que adotará as medidas previstas na lei para neutralizá-los.
"Identificamos grupos subversivos armados, formados por estrangeiros e compatriotas em conflito", disse Áñez.
Uma das principais ações do grupo - afirmou - é bloquear a distribuição de gás liquefeito de petróleo em botijões e o fornecimento de gasolina mediante cortes na planta de Senkata, em El Alto, cidade vizinha a La Paz.
Segundo a mandatária, estes grupos estariam dispostos a incluso usar "explosivos para destruir totalmente plantas estratégicas de hidrocarbonetos, como a de Senkata" e que a mesma tática estaria sendo registrada em outras cidades do país.
"Não vamos permitir que estrangeiros armados transgridam" a lei, disse a presidente interina, afirmando que as autoridades vão "recorrer a mecanismos" legais.
Os protestos que sacodem no país desde o dia seguinte às eleições já deixaram dez mortos e mais de 400 feridos, segundo dados oficiais.
Em Cochabamba (centro do país), cinco cocaleiros leais a Morales morreram em violentos confrontos com a Polícia e militares, comprovou a AFP em um hospital da cidade.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou em um comunicado o "uso desproporcional da força policial e militar", enquanto confirmou os cinco mortos e destacou que havia um número indeterminado de feridos.
"Realmente é um massacre, porque já é um genocídio (...) lamento muito tantos mortos", declarou Morales ao canal CNN.
Nas três primeiras semanas de protestos, as manifestações eram organizadas por opositores de Morales. Desde domingo, porém, após a renúncia, são os simpatizantes do ex-presidente que saem às ruas e enfrentam a polícia, reforçada pelos militares.
Nesta sexta, um grupo de simpatizantes de Morales veio de El Alto (cidade próxima) para La Paz para uma manifestação perto da sede do governo), como nos dois dias anteriores.
Embora o dia tenha começado calmo, a tensão aumentou. Com gritos e fogos de artifício, os manifestantes denunciaram um "golpe de estado" contra Morales e declaravam como ilegítimo o governo de Áñez, perto Palácio Quemado, sede do Executivo, protegido por barricadas e militares.
A União Europeia (UE) pediu nesta sexta às "autoridades de transição" na Bolívia para "garantir paz e segurança" no país e realizar uma "eleição rápida" após a renúncia de Morales.
"O objetivo imediato das autoridades de transição deve ser garantir a paz e a segurança no país e levá-lo a eleições rápidas", disse a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.
Em sua declaração, em nome dos 28 países da UE, Mogherini afirma que esse novo pleito deve permitir que o povo "se expresse livremente" e convida a todos os partidos a trabalhar "pela reconciliação".
Um enviado pessoal do secretário-geral da ONU, António Guterres, se somará á negociação entre o governo provisório bolivariano e apoiadores do ex-presidente Evo Morales para a pacificação do país.
Jean Arnault, que tinha previsto desembarcar nesta sexta em La Paz, "vai se incorporar" às gestões "nas próximas horas", disse a jornalistas o representante local da UE, o espanhol León de la Torre.
Também nesta sexta, o governo de Cuba denunciou a detenção de seis membros de sua brigada médica na Bolívia, inclusive da coordenadora do grupo, Yoandra Muro.
Segundo a chancelaria cubana, quatro membros da Brigada Médica de El Alto foram presos na quarta-feira sob a "presunção caluniosa" de que incentivaram e financiaram os protestos na Bolívia, e anunciou que irá repatriar 725 funcionários que estão em território boliviano desde o primeiro governo do ex-presidente Evo Morales, que renunciou no domingo.
Muro foi detida em sua casa, em La Paz, junto com o funcionário logístico Jacinto Alfonso Pérez. À noite, o ministério da Saúde cubano informou a libertação de Muro, sem revelar o destino dos outros cinco membros da missão detidos.
A chancelaria explicou que os quatro cubanos, sendo dois médicos, detidos na quarta, foram abordados quando voltavam para casa "com o dinheiro sacado de um banco para pagar serviços básicos e aluguel dos 107 membros da Brigada Médica" que Cuba mantém em El Alto, cidade vizinha de La Paz.
Segundo a polícia de El Alto, os quatro cidadãos cubanos estavam com uma mochila na qual transportaram 90.000 bolivianos (cerca de US$ 13.000) destinados, segundo as autoridades, a financiar movimentos de protesto contra o novo governo provisório do país sul-americano.
O Ministério das Relações Exteriores rejeitou as "acusações falsas de que esses companheiros incentivam ou financiam protestos, que são baseadas em mentiras deliberadas sem qualquer fundamento".
Também confirmou que "nas circunstâncias descritas", o governo cubano "decidiu o retorno imediato à pátria dos colaboradores cubanos".
A chanceler boliviana, Karen Longaric, informou que a Bolívia expulsará todos os funcionários da embaixada da Venezuela em La Paz, devido à "violação de normas diplomáticas", por supostamente se intrometer nos assuntos internos do Estado.
"Todo o pessoal diplomático da embaixada da Venezuela na Bolívia, que representa o governo de Nicolás) Maduro, receberá um prazo para deixar o país por envolvimento nos assuntos internos do Estado", disse a chefe da diplomacia boliviana.
Ela anunciou também a saída do país da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), um grupo de cooperação internacional entre os países da América Latina e do Caribe, acrescentando que analisa a desvinculação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
O governo de Jeanine Áñez reconheceu na quinta-feira o líder da oposição Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, em oposição à política de Morales, aliado de Maduro.
No domingo, Morales renunciou à Presidência que ocupava desde 2006, depois de perder o apoio das forças armadas e da polícia, num movimento que denunciou como "golpe de Estado", uma opinião compartilhada por seus aliados na Venezuela e Cuba.
A renúncia de Morales ocorreu após semanas de tensão pela polêmica reeleição em 20 de outubro em primeiro turno, um resultado questionado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que apontou várias irregularidades na apuração dos votos.
O vácuo de poder deixado pela saída do líder cocaleiro foi resolvido na terça-feira com a proclamação da senadora Jeanine Áñez como presidente interina. A legisladora de direita assumiu o cargo prometendo convocar as eleições "o mais rápido possível".
Sem citar Áñez, Federica Mogherini enfatizou que apoia a solução institucional "provisória" para preparar novas eleições e evitar um vácuo de poder que pode ter consequências terríveis".