A neutralidade “pero no mucho” do Brasil causou um incidente diplomático com o Reino Unido. O bombardeiro britânico Vulcan sofreu uma pane hidráulica em meio a uma missão de combate, não conseguiu realizar o reabastecimento em voo e acabou invadindo o espaço aéreo brasileiro, para não cair no mar. Escoltado por caças F-5E Tiger II, fez um pouso de emergência no aeroporto do Galeão, no Rio, em 3 de junho de 82. A aeronave acabou retida. O Brasil, então, passou a ser pressionado: os britânicos queriam o aparelho de volta e os argentinos afirmavam que liberar o avião seria favorecer o inimigo.
O documento número 011650 do Sistema Nacional de Informações (SNI), disponibilizado pelo Arquivo Nacional, revela o embaraço diplomático decorrente do episódio. “Se atendêssemos ao pedido argentino, o Reino Unido poderia exigir-nos a aplicação do estatuto da neutralidade também em relação à Argentina, o que seria incompatível com as diversas formas de apoio que temos dado ao nosso vizinho”, diz a correspondência, que evidencia o favorecimento – não oficial – ao país vizinho. “Nas circunstâncias, parece necessário procurar uma solução sui generis, de caráter prático, que atenda ao máximo à Argentina e que sirva de argumento ao Reino Unido para outras questões”, completa.
Receoso de prejudicar a Argentina, o regime militar não soube o que fazer com o Vulcan. A indefinição fez o Brasil correr risco de sofrer retaliação do Reino Unido. No mesmo documento do SNI, as palavras do então embaixador britânico em Brasília, George William Harding, mostram o tamanho da indignação do governo de Margaret Thatcher. “À luz das antigas e amistosas relações entre o Reino Unido e o Brasil, o governo de Sua Majestade acredita ter o direito de esperar tratamento equilibrado na atual situação de crise.
Nesse contexto, tem conhecimento de que aviões militares argentinos e outras aeronaves utilizaram e continuam utilizando aeroportos brasileiros ao transportarem equipamento militar para uso pela Argentina”, reclamou. “Já foi explicado ao embaixador britânico que o governo brasileiro não tem interesse em participar de operações triangulares para o fornecimento de armas”, respondeu o Brasil, que devolveu o bombardeiro aos britânicos sem os armamentos e em troca da garantia de que ele não seria usado na guerra. O Vulcan retornou à base na ilha britânica de Ascensão.