A presidente Dilma Rousseff chega à reta final da corrida pelo Palácio do Planalto rompendo, pela segunda vez, a tradição do PT de apresentar longos programas de governo, com detalhamento de futuras ações em áreas específicas. Até agora, a seis dias do 1.º turno, o comitê eleitoral apresentou apenas um texto genérico à Justiça Eleitoral, uma exigência legal de todo início de campanha. E os compromissos por escrito da petista, dizem seus auxiliares, não devem passar disso neste ano.
Na campanha de 2010, a então candidata também se esquivou de apresentar suas propostas detalhadas e só lançou um panfleto com 13 compromissos cinco dias antes do 2.º turno.
Ontem, questionada sobre o assunto em São Paulo, Dilma tentou se justificar. “Você sabe o que é modernidade? Modernidade não é um calhamaço feito de papel. São várias formas de comunicação. A mim interessa comunicar ao povo brasileiro, que é quem vai votar nessas eleições e quem vai decidir que caminho quer percorrer. Eu não vou inventar”, afirmou a presidente, segundo quem seu programa é “um composto do alicerce do governo, das diretrizes (entregues à Justiça Eleitoral) e de todas as novas propostas (ditas na TV)”.
Oficialmente, a campanha do PT alega que, por se tratar de uma candidatura à reeleição, não há necessidade de um programa detalhado, pois o eleitorado já conhece as propostas de Dilma. No entanto, em conversas reservadas, integrantes da cúpula petista admitem que houve uma mudança de direção no início de setembro, quando, diante da avalanche de críticas ao programa da adversária do PSB, Marina Silva, o comitê de Dilma decidiu arquivar as propostas formuladas para evitar que o plano de governo se transformasse em um tiro no pé.
O comitê da reeleição, porém, não se limitou a suspender o programa de Dilma temendo o revés sofrido pela candidata do PSB. Passou a usar as falhas do plano da adversária - que teve duas erratas - como arma política. Também explorou propostas, como a de autonomia do Banco Central, para associá-la aos ricos. Ex-petista e ex-ministra do governo Luiz Inácio Lula da Silva, Marina lançou seu programa com mais de 200 páginas em 29 de agosto. É a única entre os principais candidatos a fazer isso até agora. O tucano Aécio Neves promete seu plano de governo detalhado para hoje.
Inicialmente, a campanha de Dilma planejava lançar uma série de cadernos elaborados ao longo deste ano por 30 grupos temáticos, que fizeram centenas de reuniões por todo o Brasil coletando e sistematizando sugestões de especialistas, acadêmicos e militantes de diversos setores como saúde, educação e economia. Segundo o coordenador do trabalho, Alessandro Teixeira, algumas propostas foram apresentadas no programa de televisão e no site de campanha. Um exemplo é a proposta de transformar o caixa 2 em crime. O setorial de mulheres chegou a distribuir um texto, mas recolheu o documento por ordem do comando da campanha.
O comitê ainda não sabe o que fazer com o material produzido e os responsáveis pelas áreas temáticas não foram nem sequer informados sobre qual será o destino do trabalho. Vinte pessoas formaram um grupo coordenado pelo ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo Haroldo Lima, para elaboração de uma proposta de programa de governo para a área de energia. O resultado do trabalho foi entregue a Dilma há cerca de três meses. “Ela passou as vistas, já estava no clima de campanha, mas a notícia é que ela agradeceu e ficou muito satisfeita com a proposta”, disse.
De acordo com o sociólogo Francisco Oliveira, que colaborou na formulação de diversos programas do PT antes da chegada do partido ao poder - atualmente ele está rompido com os petistas - a elaboração de programas consistentes é uma tradição dos partidos de esquerda e a falta de propostas detalhadas de Dilma mostra o viés conservador do governo. “Quando você está na oposição, tenta subverter a ordem, e quando chega ao poder, tenta manter a ordem estabelecida. Os partidos de esquerda não conseguiram resolver bem essa contradição, e o PT, menos ainda”, afirmou.