O trânsito cada dia mais frequente do Supremo Tribunal Federal (STF) por pautas que, em essência, seriam do Poder Legislativo e o chamado presidencialismo de coalizão, que estreita os laços entre o Parlamento e o Executivo, têm sido motivo de controvérsia nos bastidores da política brasileira. Se, na teoria, aprendemos que os Três Poderes são independentes, na prática, observamos que a realidade é bem diferente.
“A tripartição de Poderes, segundo a qual o Executivo administra, o Legislativo legisla e o Judiciário julga, hoje é só uma lenda”, dispara o jurista José Paulo Cavalcanti.
Em maio deste ano, por 7 votos a 4, o STF restringiu o alcance do foro privilegiado de deputados e senadores. Com a decisão, a prerrogativa de foro só deve ser aplicada se o parlamentar cometer crimes no exercício do cargo e se estes estiverem relacionados às respectivas funções. Por haver diversas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) relacionadas ao tema – travadas tanto na Câmara quanto no Senado por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro, que impede a tramitação deste tipo de proposição no Congresso –, a Corte foi questionada se seria sua competência decidir sobre esse assunto. E não é a primeira vez que isso ocorre.
“A função do Judiciário não é de retirar direitos, mas de garantir direitos, então na hora em que o Supremo toma decisões como, por exemplo, a união civil das pessoas do mesmo sexo, aí ele não está extrapolando (sua competência), ele está garantindo direitos em razão de uma inércia do Legislativo. Mas na hora em que o Judiciário atua num processo de desconstrução de direitos já garantidos pela Constituição, como o princípio da presunção da inocência, a meu ver, ele está em um processo que eu chamo de ‘desconstituinte’”, afirma o advogado e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Marcelo Labanca.
Ainda de acordo com o docente, há diversas razões que podem justificar a mudança de postura da Corte nos últimos anos, mas ele ressalta que a desconfiança geral da população em relação à classe política pode ter encorajado os ministros do STF a abraçarem temas que antes não recebiam essa atenção da Suprema Corte do País.
“Um vácuo de poder se criou em relação ao Legislativo devido à desconfiança geral da sociedade em relação à atuação do parlamentar. Então é como se o Judiciário estivesse tomando mais a frente nesse processo e, a partir daí, começasse a ditar as suas próprias regras, que não são as regras da Constituição”, conclui Labanca.
O modo como o Executivo negocia acordos com o Legislativo em prol do encaminhamento ou aprovação de proposições e processos de seu interesse também tem sido amplamente discutido no meio político. Um exemplo recente foi a mobilização empregada pelo presidente Michel Temer (MDB), em 2017, para barrar duas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR), em relação ao caso J&F, na Câmara dos Deputados. Bilhões em emendas parlamentares foram distribuídos e ambas as denúncias não foram aceitas pelos parlamentares.
“Nós temos hoje um parlamento muito fortalecido por partidos políticos que não têm nenhuma identidade que não seja os seus próprios interesses e condiciona enormemente a agenda do Poder Executivo. Basta ver que as principais agendas do Poder Executivo, nesse último ano e meio, foram, literalmente, postergadas, vetadas pelo Congresso ou o presidente Temer teve que retirar da pauta”, analisa o cientista político Eduardo Grin.