Essa deve ser uma semana decisiva para o projeto de reforma política, o qual os deputados federais que fazem parte da Comissão Especial estão elaborando desde fevereiro deste ano. O debate vai ser polêmico e, de acordo com o divulgado pelo presidente da Câmara dos Deputados, a votação será feita de forma fatiada. Pelos movimentos sociais, a Projeto de Emenda Constitucional número 182/07, que trata do assunto, vem sendo taxada de “contra-reforma” por fazer emergir conceitos tidos conservadores, como o “distritão”, sistema eleitoral rejeitado pelas grades democracias pelo mundo, e a institucionalização do financimento privado de campanha.
O professor da Universidade Católica de Pernambuco, o cientista politico Juliano Domingues, ressalva de que é difícil prever as consequências dessas alterações no sistema politico e eleitoral, caso seja aprovada a PEC. “A simples mudança de regras não necessariamente modifica comportamentos, hábitos, cultura”, pondera. Contudo, para Domingues, o “ditritão” carrega uma perda de representatividade ainda maior que atual sistema politico. “Suas regras tendem a enfraquecer o poder da minorias. Os partidos políticos já consolidados na arena e com maior capilaridade tendem a se beneficiar”, avalia.
O “distritão” (no qual os mais votados são eleitos), apenas adotado em paises com inclinações autoritarias como o Afeganistão e o Paquistão, pegou de surpresa vários parlamentares que integram a Comissão Especial na Câmara Federal. A proposta ganhou aderência a partir da pressão do PMDB, maior bancada e que detém a presidência das suas casas legislativas. Partidos como o PSB e o PT, na tentativa de barrar o “distritão”, estão defendendo a manutenção do atual sistema proporcional, só que com algumas alterações.
Esse sistema é veementemente condenado pelo movimento Coalizão pela Reforma Politica, liderado pela CNBB e OAB, que reúnem quase 200 outros grupos sociais. Advogado e representante da CNBB na Coalizão, Marcelo Machado, argumenta que o “distritão” representará um atraso para o Brasil. “O majoritário não é mais usado. Enfraquece os partidos e caiu de paraquedas agora na reforma politica. Não foi sequer discutido internamente e está sendo empurrado como uma camisa de forças”, critica. Ele ainda condena a postura de Eduardo Cunha. “Ele disse que vai votar tudo, doa a quem doer. Esses três meses de trabalho da Comissão não se discutiu uma série de pontos importantes. uma reforma política nao se constroi em 90 dias”, falou.
Juliano Domingues analisa que essa postura do presidente da Câmara tem por objetivo ganhar a simpatia do eleitorado. “A ideia de reforma politica, da maneira como parece disseminada no imaginário coletivo, como um remédio infalível para todos os problemas, possui apelo popular. Alguns parlamentares perceberam isso. Mas o debate é complexo e mudanças de regras, por si só, não mudam hábitos”, coloca.
Outro ponto extremamente criticado na proposta de reforma apresentada pelos congressistas é a institucionalização da doação de empresas a campanhas. “Isso é colocar a corrupção na constituição. Todos sabem que se trata de um investimento, que depois será cobrado o retorno, e não de uma generosidade. Estamos vendo isso no escândalo da Petrobras”, critica Marcelo Machado. Carmem Silva, da ONG SOS Corpo, que integra a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Politico, também está bastante temerária de que a PEC passe no plenário com tais mudanças: o distritão e o financimento privado. “Será um tiro no pé. O sistema misto de financimento faz o Estado financiar as campanhas e libera para iniciativa privada, mantendo o mesmo problema atual. Só seria possível se o financiamento privado fosse regulado como um financiamento individual, não de empresas, e com um valor reduzido, que de fato configurasse um apoio político pessoal”, argumenta.
Esses dois movimentos têm trabalhado em duas frentes. A Coalizão apresentou no final de 2013 um Projeto de Lei ao congresso com quatro pontos principais: financiamento público, cota para mulheres, sistema proporcional para o legislativo em dois turnos e flexiblização das regras para participação popular. Marcelo Machado, da CNBB, explica que 800 mil assinaturas já foram coletadas, mas ainda é preciso de 1,5 milhão para que o projeto possa tramitar na Câmara Federal. O outro grupo, do qual faz parte a SOS Corpo e outras instituições como a Central Unica de Trabalhadores (CUT), tem se mobilizado para emplacar a tese de uma Assembleia Constituinte para a reforma do sistema politico-eleitoral, algo já descartado pelo Congresso. Ano passado, foi feito um plebiscito popular não oficial que alcançou 8 milhões de assinaturas.
Como ocorrerá a votação da PEC da Reforma Politica:
Após a votação do relatório final, amanhã (25) pela comissão especial, às 14h, o documento segue para a votação no plenário da Câmara dos Deputados na terça-feira (26). No plenário, de a apreciação será feita de forma fatiada, com oito temas em separado na seguinte ordem: sistema eleitoral; financiamento de campanhas; proibição ou não da reeleição; duração dos mandatos de cargos eletivos; coincidência de mandatos; cota de 30% para as mulheres; fim da coligação proporcional; e, por fim, cláusula de barreira. Por se tratar de um PEC, o total de votos precisa ser 2/3 dos votos possíveis, uma votação considerada difícil. Caso consiga, segue para apreciação do Senado. Para valer já para as eleiçôes municipais de 2016, será preciso que a PEC seja sancionada até dia 30 de setembro.