O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta sexta-feira (17) ter uma visão crítica sobre o foro privilegiado e disse que a Corte deve debater o alcance da prerrogativa, conforme proposto pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Mas a principal questão é saber se pode, o Supremo, mudar a interpretação sobre a Constituição ou se uma alteração teria de ser feita pelo Poder Legislativo. A Constituição Federal, no artigo 102, alínea B, diz que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, o procurador-geral da República e os próprios ministros do STF.
Barroso defendeu que o STF limite o foro privilegiado a casos relacionados a acusações por crimes cometidos durante e em razão do exercício do cargo. Afirmando que "o sistema é feito para não funcionar" e que o foro por prerrogativa de função "se tornou uma perversão da Justiça", ele decidiu levar a discussão para o plenário a fim de que seja fixado um entendimento.
Fachin comentou que o Supremo vai discutir a questão. "Eu, já de há muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano, que é o programa normativo que está na base da Constituição brasileira", disse à imprensa, após mediar uma palestra do ministro da Corte Suprema de Justiça da Argentina, Ricardo Lorenzetti, no STF.
"A questão, todavia, que se coloca é saber se essa alteração pode ser feita por uma mudança de interpretação constitucional ou se ela demanda uma alteração própria do Poder Legislativo", disse Fachin. "Esse é o debate que o Supremo vai enfrentar para saber se há espaço para interpretação, como, por exemplo, na proposta feita no sentido de que o foro compreenderia apenas os eventuais ilícitos praticados no exercício da função e não abrangeria os ilícitos praticados anteriormente", disse Fachin, citando uma tese que é defendida pelo ministro Barroso e já foi pregada pelo ministro Celso de Mello no passado.
Sobre a posição que terá dentro desse debate específico, Edson Fachin despistou. "Na Corte, de um modo geral, tenho me inclinado por uma posição de maior contenção do tribunal", disse Fachin - a contenção, neste caso, seria deixar que o Congresso fizesse alterações na lei, e não o Supremo. "Mas nós vamos examinar a proposta e, no momento certo, vamos debater", disse.
Um dos temas abordados na palestra de Ricardo Lorenzetti - que abordou um conjunto de casos apreciados pela Suprema Corte da Argentina - foi a discussão sobre o ativismo judicial. Após o evento, comentando o assunto, Fachin disse que tanto na Argentina como no Brasil "as pessoas individual ou coletivamente têm procurado o Poder Judiciário buscando a concretização de políticas públicas que não são realizadas por deficiência ou inércia do gestor público".
O ministro do STF defendeu que, de maneira geral, o Judiciário pode sancionar, aplicar sanções, ou mesmo fazer recomendações. "A questão que se coloca é saber se o Poder Judiciário pode, ao lado de sancionar essa ausência de política pública, ele mesmo converter-se ainda que de uma maneira atípica em um gestor público. Eu tenho entendido de maneira geral que o Judiciário pode sancionar, aplicar sanções, ou mesmo fazer recomendações", disse Fachin.
"O Supremo está debatendo, por exemplo, este tema na questão das drogas. Em meu voto, cheguei a propor um observatório para acompanhar nos próximos 5 anos as consequências da decisão que viermos a tomar, seja ela qual for. Portanto, entendo que o Poder Judiciário pode efetivamente sancionar, indicar, exortar ao legislador, mas também tenho entendido que, em deferência ao legislador, não deve o juiz converter-se em um gestor público. Esse é um limite entre constitucionalização de direitos e ativismo. O juiz hoje é um juiz constitucional, mas deve ter como limite a deferência ao Legislativo e ao Executivo", disse Fachin.