O verdadeiro Fla x Flu que se tornou o caso dos “traidores” do PSB e do PDT no Congresso Nacional, surgido após 19 deputados federais (11 socialistas e oito pedetistas) ignorarem as orientações das suas siglas e votarem favoravelmente à reforma da Previdência, ressuscitou o debate sobre a força, importância e o futuro dos partidos políticos no Brasil. Enquanto dirigentes das legendas abriram processos internos contra os infiéis e defendem a manutenção do status quo, novos quadros cobram abertura para o diálogo nas agremiações e denunciam o que consideram retaliações por suas ideias e posicionamentos.
No passado, choques de filiados com caciques desta ou daquela legenda tiveram grande repercussão e geraram rupturas importantes para o desenho político atual. O PSOL, por exemplo, nasceu da união de membros do PT que foram expulsos após votarem contra a proposta de reforma da Previdência apresentada ao Congresso pelo ex-presidente Lula (PT), em 2003. O próprio Ciro Gomes, cacique do PDT que hoje pede a expulsão dos dissidentes da agremiação, já passou por situação semelhante quando era filiado ao PPS. Em 2004, então ministro da Integração Nacional, Ciro recusou-se a deixar o cargo mesmo após a sigla desembarcar da base do governo Lula.
Tabata Amaral (SP), uma das deputadas pedetistas que disseram sim à reforma da Previdência, usou sua coluna no jornal Folha de S.Paulo para defender-se das críticas que vem recebendo de dirigentes do PDT. No texto, a jovem de 25 anos declarou que “a extrema esquerda não admite flexibilidade alguma de posicionamento” e que faz falta “mais democracia interna” nas siglas.
Os grupos de renovação política como o RenovaBR e o Livres, por exemplo, também foram alvo de Carlos Lupi, presidente do PDT, que declarou que não aceitaria mais nenhum candidato ligado a este tipo de movimento. O pernambucano Felipe Oriá, um dos fundadores do Acredito, do qual Tabata também faz parte, rechaçou os ataques e afirmou que, desde o início, os candidatos ligados ao movimento deixaram claro para as legendas que não seguiriam as orientações partidárias caso elas entrassem em choque com as suas convicções pessoais ou com as do grupo. “Na época da campanha, para nos resguardar, assinamos várias cartas-compromisso com partidos aos quais nossos membros se filiaram, então me surpreende, agora, na primeira contrariedade, ver uma pessoa como o Ciro Gomes nos classificar como ‘partidos clandestinos’”, revelou Oriá.
Professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, o cientista político Leon Victor de Queiroz diz que, devido ao peso da votação em que o imbróglio dos “traidores” aconteceu, a reação dos partidos não chega a surpreender. “É comum que em uma votação da magnitude de uma reforma previdenciária haja algum tipo de retaliação da sigla em caso de desobediência. Esse tipo de situação (dissidência) começa a dar sinais ainda na campanha, quando os candidatos vão às ruas pedir votos, quando montam suas plataformas de maneira individual, tentando se diferenciar dos colegas de chapa, o que os leva, em determinadas situações, a terem posições diferentes das da sua agremiação”, explicou o docente.
Sobre a possibilidade de expulsão dos parlamentares, o cientista político Elton Gomes pondera que, de fato, os deputados desobedientes não teriam sequer concorrido às eleições se não estivessem ligados a um partido político, mas lembra que, caso sejam escorraçados das legendas, eles estarão livres para emprestar sua força a outras siglas. “O custo-benefício vai ser levado em consideração, porque ao mesmo tempo em que ele (o partido) precisa mostrar controle, ele tem que ter representação no Congresso. Se o partido decide expulsar os quadros que estão se notabilizando, eles simplesmente vão entrar em outras legendas e emprestar força para outros partidos”, cravou.
Diferentemente de praticamente todos os socialistas pernambucanos – que mostraram-se favoráveis à permanência do deputado federal Felipe Carreras (PSB) no partido –, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, é um dos maiores entusiastas da saída dos parlamentares infiéis da agremiação. Demonstrando não temer a redução da sua bancada na Câmara, o dirigente relembrou o episódio quando os socialistas abriram processo de expulsão contra 13 deputados federais que, durante o governo Michel Temer (MDB), disseram sim à reforma trabalhista. “Dos que deixaram o partido naquela ocasião apenas dois se reelegeram: Fernando Coelho Filho (DEM) e Tereza Cristina (DEM, atualmente ministra da Agricultura do governo Bolsonaro).
Como essas pessoas queriam estar no PSB? Sempre se criticou, e com razão, os partidos pelas incoerências que praticam, cada um votando como quer. Isso não é um partido, é uma balbúrdia, por isso o sistema partidário enfraqueceu e chegamos a este ponto”, disparou Siqueira.
Em viagem de férias no exterior, Felipe Carreras não conversou com o JC para esta reportagem, mas publicou, na última terça-feira (9), um texto na sua página no Instagram em que afirmava não se considerar “um réu político” por votar de acordo com as suas convicções. O socialista disse, ainda, que não iria “devolver as agressões públicas deferidas pelo dirigente do meu partido”.
Em meio a esta polarização, dirigentes de outras legendas também comentaram a polêmica. O deputado Silvio Costa Filho, presidente do PRB-PE, disse estranhar a postura de socialistas e pedetistas nesta questão. “Muito me estranha o PSB e o PDT, que defendem a democracia, a liberdade de expressão, o estado de direito, internamente não exercerem a democracia. Eu acho que democracia significa respeito às posições. No PRB, por exemplo, nós fechamos questão a favor da reforma, dois deputados votaram contra, mas não sofreram nenhuma retaliação”, pontuou.
Ressaltando que “cada partido tem o seu DNA”, Raul Henry, deputado federal e presidente do MDB-PE, evitou falar especificamente sobre a questão envolvendo socialistas e pedetistas, mas afirmou que “o MDB tem uma cultura de convivência democrática com as divergências internas” e que não costumam punir filiados por tomarem decisões diferentes das que foram determinadas pela sigla.