A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental, defendeu nesta segunda-feira (29) apuração de crime de responsabilidade de Jair Bolsonaro pela declaração sobre o desaparecimento do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, durante o regime de exceção, em fevereiro de 1974.
"A infeliz declaração do presidente da República banaliza o desaparecimento forçado e desrespeita a dor pungente de brasileiras e brasileiros que esperam e procuram por seus entes desaparecidos, registrando-se que grande parte dos desaparecimentos decorrem da ação das próprias forças de segurança do Estado, o que configura grave violação aos Direitos Humanos garantidos na Constituição Federal de 1988 e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948", diz a entidade de magistrados, em nota.
Segundo AJD, "mais que isso, o presidente vilipendia o senso de moral e ética, violando não o patrimônio material do Estado Brasileiro, mas o princípio máximo desta República: a dignidade da pessoa humana".
A Associação Juízes para a Democracia declarou solidariedade com a família Santa Cruz "que, como tantas outras, vive até hoje o drama da busca de informações sobre as circunstâncias do desaparecimento de Fernando após sua prisão em 24 de fevereiro de 1974".
"AJD exige a apuração e responsabilização do presidente da República pelo cometimento do crime de responsabilidade por atentar contra a Constituição Federal, nos termos do artigo 85, inciso V."
A AJD se solidariza à família Santa Cruz e exige apuração e responsabilização do presidente da República por crime de responsabilidade por atentar à Constituição Federal
A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, vem a público manifestar seu repúdio ao pronunciamento do Presidente da República acerca do desaparecido político Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, pai de Felipe Santa Cruz, atual Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
A prisão clandestina, tortura e ocultação de cadáver dos opositores da ditadura civil-militar instaurada no Brasil a partir de 1964 foram utilizadas sistematicamente como terrorismo praticado pelo Estado, quando não bastava eliminá-los fisicamente, mas apagá-los da memória e da história, prolongando a tortura sobre os familiares com a incerteza sobre o paradeiro de seu ente querido, a impossibilidade de prantear e sepultar seus mortos e de conhecer em que circunstâncias morreram.
A condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em 24 de novembro de 2010 (caso Gomes Lund e outros vs. Brasil) reconheceu que o desaparecimento de pessoas praticado como política de Estado viola tanto os direitos fundamentais da vítima desaparecida quanto dos seus familiares, por afronta à preservação da dignidade do corpo do finado e obstáculo à construção da memória deste pelos seus entes vivos.
O Presidente da República, seja nesta condição ou no exercício dos diversos mandatos na condição de parlamentar, coleciona uma longa lista de declarações que indicam o menosprezo pela vida humana, pelos direitos humanos e reiteradas formas de apologia à tortura, além de sistematicamente negar fatos já reconhecidos e comprovados no âmbito da Comissão da Verdade, relacionados à prática de terrorismo de Estado no Brasil.
À já longa lista de declarações vergonhosas e que demonstram profundo desconhecimento/indiferença perante a realidade brasileira, soma-se a proferida nesta data e dirigida ao Presidente da Ordem dos advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Em uma fala que já se delineava demasiadamente indecorosa à instituição representativa da profissão de advogado, essencial à realização da Justiça nos termos da Constituição Federal, o Presidente da República fez referência desrespeitosa ao desaparecimento de Fernando Santa Cruz, caso ainda investigado pela Comissão da Verdade.
A declaração do Presidente da República não somente escancara mais uma vez a sua total carência de valores e princípios éticos e inabilidade para o exercício do mais alto cargo do Poder Executivo, mas, concretamente, configura crime de responsabilidade nos termos do artigo 85, V da Constituição Federal.
A probidade no âmbito da administração pública excede o conceito da estrita legalidade e avança para a impor que todos os servidores, no cumprimento da função pública, em especial o presidente da república, atuem em atenção ao padrão de moralidade - regras que a sociedade tem como essenciais para o bom convívio e garantia do bem comum.
A infeliz declaração do Presidente da República banaliza o desaparecimento forçado e desrespeita a dor pungente de brasileiras e brasileiros que esperam e procuram por seus entes desaparecidos, registrando-se que grande parte dos desaparecimentos decorrem da ação das próprias forças de segurança do Estado, o que configura grave violação aos Direitos Humanos garantidos na Constituição Federal de 1988 e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.
Mais que isso, o Presidente Jair Bolsonaro vilipendia o senso de moral e ética, violando não o patrimônio material do Estado Brasileiro, mas o princípio máximo desta República: a dignidade da pessoa humana.
Por estas razões, a AJD, ao mesmo tempo em que se solidariza com a família Santa Cruz que, como tantas outras, vive até hoje o drama da busca de informações sobre as circunstâncias do desaparecimento de Fernando após sua prisão em 24/02/1974, EXIGE a apuração e responsabilização do Presidente da República pelo cometimento do crime de responsabilidade por atentar contra a Constituição Federal, nos termos do artigo 85, inciso V.
São Paulo, 29 de julho de 2019