Procuradores envolvidos na força-tarefa da operação Lava Jato tentaram acessar dados sigilosos da Receita Federal de maneira informal diversas vezes nos últimos anos, segundo mensagens divulgadas neste domingo (18), pelo jornal Folha de S Paulo e pelo site The Intercept Brasil.
De acordo com os veículos, os procuradores contavam com a contribuição do auditor fiscal Roberto Leonel, à época chefe da área de inteligência da Receita em Curitiba (PR) e hoje presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). As mensagens examinadas fazem parte do pacote obtido pelo Intercept.
Os diálogos analisados indicam proximidade entre os procuradores da Lava Jato e Leonel. Em diversas ocasiões, integrantes da força-tarefa solicitaram informações ao auditor sem apresentar requisições formais ou autorização da Justiça para quebrar o sigilo fiscal dos investigados.
A Folha de S.Paulo divulgou ainda que membros da Lava-Jato recorreram a Leonel mais de uma vez sem provas que justificassem o acesso aos dados.
Em agosto de 2015, por exemplo, o procurador Roberson Pozzobon teria pensado em falar com Leonel para obter dados que o ajudariam em uma investigação envolvendo negócios do sobrinho de Lula em Angola. "Quero pedir via Leonel para nao dar muito na cara, tipo pescador de pesque e pague rsrsrs", escreveu Pozzobon numa mensagem a Deltan.
O vínculo entre a força-tarefa e o auditor teria sido frequente no início de 2016, quando se desenrolava a investigação sobre as reformas no sítio de Atibaia frequentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O caso levou Lula à segunda condenação na Justiça.
Na época, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, teria pedido que Leonel levantasse informações sobre o caseiro do sítio, sobre uma nora de Lula, sobre o patrimônio dos antigos donos do imóvel e sobre compras que a mulher do ex-presidente, Marisa Letícia, havia feito. Em uma das mensagens examinadas pela Folha, o procurador sugeriu que colegas pedissem para que Leonel desse uma "olhada informal" no imposto de renda do caseiro Elcio Pereira Vieira, conhecido como Maradona.
"Vcs checaram o IR de Maradona? Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público (comissionado) Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal", escreveu Dallagnol, segundo as mensagens publicadas pela Folha e pelo Intercept.
Em 2016, de acordo com as mensagens obtidas, o procurador Athayde Ribeiro Costa pediu que Leonel averiguasse se os seguranças de Lula haviam comprado uma geladeira e um fogão para mobiliar o tríplex em 2014. De acordo com a Folha, não há mensagens que comprovem que o favor foi feito, mas a investigação concluiu que os eletrodomésticos do ex-presidente foram pagos pela OAS.
Ainda de acordo com informações da Folha, em ao menos um caso Leonel teria repassado informações de pessoas que não eram investigadas em Curitiba. Em 2017, o segundo mensagens, auditor informou Deltan que havia feito uma representação contra os pais do deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR) e preparava outra contra a ex-mulher do parlamentar. Loures era investigado pela PGR, não pela força-tarefa da Lava Jato.
Em troca de mensagens com Deltan, Leonel afirmou ter sido questionado por seu superior, chefe da Coordenadoria de Pesquisa e Informação (COPEI), Gerson Schaan.
"Ele quis saber pq fiz etc e se tinha passado esta inf a vcs 24 de maio. Disse q NUNCA passei pois nao tem origem ilicita suspeita !!! por favor delete este assunto por enquanto", enviou para Dallagnol no dia 24 de maio.
Tanto a força-tarefa da Lava Jato quanto a Receita Federal afirmaram que a troca de informações entre elas é permitida pela legislação e não ameaça o sigilo fiscal dos contribuintes. De acordo com a Folha, nenhuma delas quis se manifestar sobre o caráter informal dos pedidos de informação feitos via mensagem.
"É perfeitamente legal - comum e salutar no combate ao crime organizado - o intercâmbio de informações entre o Ministério Público Federal e a Receita no exercício das funções públicas de apuração de fatos ilícitos de atribuição dos órgãos", declarou a força-tarefa por meio de sua assessoria de imprensa. Os procuradores afirmaram à Folha, ainda, que a cooperação com a Receita Federal é "autorizada e incentivada" pela lei das organizações criminosas e pela lei orgânica do Ministério Público da União.
A força-tarefa também reforçou não reconhecer as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil. "O material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade."
A Receita Federal disse que o Ministério Público Federal tem poder de requisitar informações protegidas por sigilo fiscal. De acordo com a Folha, Roberto Leonel não quis se manifestar.