A face mais íntima de Miguel Arraes

Livro revela ativismo intelectual na juventude e o protagonismo histórico da ex-primeira-dama do Estado, Magdalena Arraes
Ayrton Maciel
Publicado em 13/06/2015 às 16:00
Livro revela ativismo intelectual na juventude e o protagonismo histórico da ex-primeira-dama do Estado, Magdalena Arraes Foto: Fernando da Hora/JC Imagem


“Autorizo a portadora do presente, Sra Madalena Arraes, a ingressar no Palácio das Princesas, no dia dois do corrente mês, podendo ser acompanhada das pessoas que desejar. Recife, 1º/Abr/64. Hugo Caetano Coelho de Almeida, major-subcmt. do I/7º RO-105”. A autorização do oficial do Exército é à moradora do Palácio, que acabara de ter o marido deposto do cargo de maior autoridade do Estado, o governador Miguel Arraes, e que estava naqueles instantes dramáticos sendo despejada da residência oficial. 

O salvo-conduto, num pedaço de papel, escrito em máquina de escrever, foi dado à inquilina, até aquele dia, Maria Magdalena Fiúza Arraes de Alencar, para que retirasse os pertences da família, enquanto o marido já estava preso no Quartel de Socorro. Antes de ser apresentada ao major Caetano, a ex-primeira-dama tinha sido barrada por um soldado no portão do Palácio, em tom intimidador: “O que faz aqui?”. A voz inabalada e a resposta serena não seriam capazes de reverter o destino político: “Eu moro aqui”.

O dia 31 de março havia sido tenso, na expectativa do desfecho do golpe contra o presidente da República, João Goulart. Os filhos de Arraes foram logo para a casa da avó materna. A residência não-oficial, na Rua Sabino Pinho, na Madalena, foi pela primeira vez ocupada pela primeira-dama. No amanhecer do dia 1º de abril, o Palácio do Campo das Princesas está cercado pelas tropas sublevadas. Intimado a apoiar os militares ou renunciar, Arraes nega-se a aceitar um e outro, em nome do mandato popular e dos filhos que no futuro precisariam saber como o pai se portou naquela hora. 

No começo da noite, Arraes deposto havia saído sob ordem de prisão emitida pelo comandante do IV Exército, general Justino Alves Bastos. “O golpe foi uma coisa mais ou menos esperada, nós sentíamos um clima que não era bom”, relembra Magdalena Arraes, a discreta ex-primeira-dama, 51 anos depois, em um testemunho inédito sobre os “tempos de Arraes”, por quem foi parceira de um período político intenso.

Com lançamento no dia 18 deste mês, no Museu do Estado, o livro Magdalena Arraes - A Dama da História, do jornalista Laílson de Holanda e da historiadora Valda Colares, reúne depoimentos de Magdalena sobre a vida com Arraes – o pai, o esposo e o político –, uma pesquisa sobre as circunstâncias históricas de seus três governos e sobre sua infância e juventude en Fortaleza e no Rio de Janeiro.

O protagonismo de Magdalena Arraes, 86 anos, desfaz a imagem de apenas companheira presente, mãe e atuante presidente da Cruzada de Ação Social. Magdalena foi um personagem político presente, a quem Arraes confidenciava episódios, consultava em momentos de incerteza e antecipava decisões. O livro situa as vidas de Magdalena e Arraes antes e depois do casamento, no contexto histórico do século 20, num mundo conturbado por duas Grandes Guerras e uma polarização ideológica entre comunismo e capitalismo, um antagonismo que gerou a Guerra Fria e influiu profundamente no Brasil e para os acontecimentos pré e pós 1964. “Miguel era um grande companheiro, estava sempre presente, sempre acompanhando tudo e me fazendo acompanhar também. Tudo o que ele fazia, ele dividia, ele comentava”, homenageia o companheiro Dona Magdalena Arraes.


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