Em junho de 2010, quando o contrato do Estado com o Consórcio Odebrecht foi assinado para a construção da Arena e da Cidade da Copa - mais os serviços de exploração, operação e manutenção do estádio por 30 anos -, em São Lourenço da Mata, o atual vice-governador, Raul Henry (PMDB), estava na oposição ao governo do PSB, então ocupado por Eduardo Campos, que tinha como secretário de Administração o atual governador de Pernambuco, Paulo Câmara.
Desde 2012, com a eleição de Geraldo Julio (PSB) para prefeito do Recife, PMDB e PSB são aliados. Cinco anos depois da assinatura do contrato da PPP da Arena, Henry diz que o Estado foi levado pelo contexto de empolgação da época. Hoje, de forma fria, considera que "ninguém de bom senso" pode achar que foi um grande negócio para o País. Ressalva, entretanto, ao JC, que todo o processo de contratação da PPP da Arena foi respaldado pelo TCE e pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE):
JORNAL DO COMMERCIO - Por dificuldade de caixa, o governo sustou o pagamento de contrapartidas por frustração de receitas ao Consórcio Odebrecht, desde outubro de 2014, mas ainda paga a parte do investimento. Enquanto espera o estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre os custos e alternativas contratuais, como está a relação atual do governo com a concessionária?
RAUL HENRY - Todo o processo de contração da PPP foi validado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público. A partir de janeiro deste ano, quando governador Paulo Câmara me pediu para assumir e conduzir as PPPs no Estado, tomamos a decisão de conduzir em duas frentes: primeiro, tentar mudar o perfil da dívida no que diz respeito à parcela RIO (Ressarcimento de Investimento na Obra), que é 75% da obra; a outra frente, que é a contraprestação da operação da Arena, e que temos um entendimento que é um esforço muito grande para o Estado, contratamos a Fundação Getúlio Vargas para fazer um reexame do contrato, para analisar onde podemos reduzir os custos desse contratato e onde é que que podemos potencializar as receitas desse investimento. A FGV começou a trabalhar em junho e pediu um prazo de quatro a seis meses. Por enquanto, estamos pagando apenas a parcela ordinária (do investimento), que é um valor que não é questionado pelo TCE nem por nenhum órgão de controle. São aproximadamente R$ 470 mil por mês. Ao mesmo tempo, estamos tentando alongar o perfil da dívida que diz respeito à RIO, um valor sobre o qual não há controvérsia nem contestação.
JC - A decisão de fazer esse contrato, nos termos propostos pela concessionária, foi um equívoco do governo?
Henry - É preciso compreender a decisão de realizar a Copa do Mundo no contexto em que foi tomada, um momento que o Brasil vivia uma euforia, em que todos os Estados da federação queriam ser sede da Copa, porque havia a promessa de um legado. No Nordeste, a Bahia, o Rio Grande do Norte e o Ceará conquistaram o direito e seria impensável, naquelas circunsbtâncias, Pernambuco ficar fora da Copa. De fato, houve investimentos publicos em obras de mobilidade, cerca de R$ 2 bilhões. Obras como a Estrada da Batalha, a duplicação da BR-408, os Corredores Leste-Oeste e Norte-Sul, todos os viadutos da Panordestina em direção a Paulista, o Terminal Marítimo de Passageiros, ampliação do Aeroporto dos Guararapes, a aquisição de composições de Metro. Houve investimentos, mas perguntando-me, hoje, se foi um ganho para o Brasil realizar a Copa do Mundo, eu digo que não. Foi uma decisão equivocada do Brasil trazer a Copa do Mundo. Hoje há um conjunto de estudos que mostram que poucas experiências na realização de grandes eventos, no mundo, resultaram em resultados positivos para os países que as realizaram. A London School of Economics estuda o assunto, dentro do âmbito das PPPs, e concluiu que há raríssimas exceções em que o país ganhou mais que investiu. O esforço que o país faz é maior que o retorno que ele tem, pelo custo do evento.
JC - Numa análise, hoje, a conclusão do senhor é de que foi um erro ter assinado esse contrato com o Consórcio Odebrecht nas condições colocadas?
Henry - Numa avaliação a posteriore, creio que ninguém de bom senso, no Brasil, acha que a Copa do Mundo foi um grande negócio para o País. Mas naquele momento em que o Brasil vivia, a população como um todo ou a sua grande maioria aprovou a conquista do evento. Houve festa nas ruas quando foi anunciado a escolha do Brasil. E um governante de Estado, quando todos os Estados lutavam por isso, deixar o seu Estado de fora seria uma atitude inconcebível. Eu compreendo a decisão do governador Eduardo Campos de tentar trazer a Copa para cá. Eu teria a mesma atitude se tivesse a visão que todos tiveram naquele contexto.
JC - Então, o emocional sobrepôs-se ao racional, a ansiedade dominou aquele momento ao aceitarem esses termos contratuais do consórcio para a Arena?
Henry - A Arena Pernambuco repetiu o que foi feito no Brasil inteiro. Havia uma perspectiva muito otimista de receita e de realização de eventos. O Brasil estava crescendo a 6,%, 7%, 8% ao ano, a revista The Economist (Inglaterra) fez o Cristo Redenter em forma de um foguete subindo. O ambiente do Brasil era esse. O tempo e a realidade mostraram que eram expectativas que não se realizaram. O pagamento foi sustado em razão da necessidade do Estado de reavaliar e fazer uma revisão do contrato.
JC - Uma auditoria do núcleo de engenharia do TCE, concluída em de 23 de julho de 2014, pediu uma medida cautelar urgente para sustar os pagamentos e sugeriu a extinção contratual. A auditoria não foi levada a julgamento do conselho do Tribunal. A extinção pode ser uma saída para a Arena?
Henry - Pode, pode ser. O estudo da FGV vai, certamente, apresentar duas alternativas: a revisão do contrato e os termos em que deve ser feita ou a rescisão e qual o custo dessa rescisão. Ou seja, o que seria devido pelo Estado à parceira privada que construiu a Arena para que ele seja rescindido, naturalmente respeitando as cláusulas contratuais e o tamanho do investimento feito.
JC - O TCE hoje condena. Então, o próprio TCE falhou na fiscalização do empreendimento, falhou no acompanhamento, na medida em que as obras eram executadas?
Henry - Não. Muito pelo contrário. Tive a oportunidade de realizar uma vistoria, na Arena, junto com o conselheiro Dirceu Rodolfo (de Melo Júnior, relator do processo de auditoria), da sua equipe técnica, do pessoal de engenharia do TCE, e não há o que questionar quanto à qualidade da obra. É de alta qualidade, não deixa a desejar a nenhum estádio do mundo. O grande problema desse contrato é a expectativa de receita na operação da Arena, o que não se confirmou. Foi realizada dentro do prazo, envolve tecnologia de ponta, o que era uma exigência da FIFA. Quanto a isso não há questionamento do Tribunal de Contas. O questionamento é sobre o contrato que criuou expectativas de receita que não se confirmaram.
JC - A auditoria da engenharia do TCE cálculou que, em 30 anos, tempo de projeção do contrato, o Estado deverá pagar - como compensação por frustração de receitas, na situação atual – mais de R4 1,8 bilhão. Este é um cálculo realista e justo ou não se sustenta, segundo o governo?
Henry - Não fizemos aqui (no governo) essa conta, mas eu não tenho nenhum motivo para acreditar que não seja um cálculo correto. Ele deve ser um cálculo correto. Exatamente em função desse contrato, que mantém receitas que não se confirmam - e o cálculo fala em frustração de receitas -, nós reconhecemos que esse é um problema da Arena, por isso queremos fazer a revisão do contrato.
JC - O conselheiro Dirceu Rodolfo não seguiu a recomendação da auditoria, não concedeu a medida cautelar nem levou o parecer a julgamento da 2ª câmara do conselho. Optou por um alerta, enviando uma cópia da auditoria ao entaõ secretário de Planejamento do Estado, Fred Amãncio (atual secretário de Educação), com recomendação de providências. Quais as providências que o Estado adotou?
Henry - A providência efetiva tomada foi a de pagar a parte ordinária sobre a qual não há contestação. É o que acontece hoje. Os outros pagamentos que fazem parte do bojo do contrato não estão sendo realizados. Estamos renegociando a dívida da RIO (75% da obra) e estamos pagando a COA ordinária, a Contraprestação da Operação da Arena sobre a qual também não há contestação. Quanto aos outros pagamentos, estamos aguardando o estudo da FGV para fazer a revisão do contrato. Com absoluta certeza nós faremos a revisão do contrato ou a rescisão se for a atitude mais vantajosa para o Estado.
JC - O conselheiro Dirceu Rodolfolo entende que houve um envolvimento emocional dos Poderes. Revela que, em 2011, houve uma auditoria com um relatório do conselheiro Valdecir Pascoal que já fazia ressalvas ao custo do empreendimento e pedia a atenção do Estado. Porém, o próprio TCE decidiu não parar a obra, por considerar que geraria um custo maior com a interrupção e outro custo à imagem do Estado. O poder público não deveria ser uma função mais fria, isenta de envolvimento emocional? A própria Assembleia Legislativa aprovou todos os projetos da Arena encaminhados pelo governo.
Henry - Eu posso afirmar que os planos de negócio de todas essas arenas, no Brasil, passaram pelo crivo da equipe técnica de ecomomia do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Então, a avaliação se o plano de negócio era realista ou não era realista, pode ter um caráter de subjetividade. Um órgão de excelência como o BNDES aprovou os planos. Não tenho conhecimento do teor do documento (auditoria do TCE), qual a crítica que fazia ao plano de negócio, mas por tudo que eu li da Arena (Pernambuco) não há questionamento à qualidade e o preço da obra. Os questionamentos são sobre o plano de negócio e a sustentabilidade econômica desse plano, que é o que faz menção essa auditoria. Mas, esse plano passou pelo pelo Banco do Nordeste (BNB) e o BNDES. Não é um fato isolado de Pernambuco a frustração desse plano de negócio. Está acontecendo com a Fonte Nova (BA), Arena das Dunas (RN), Castelão, (CE), Pantanal (MT), do Amazonas e de Brasília. Foi um equívoco que o Brasil inteiro cometeu em função das projeções econômicas que se fazia naquele momento.
JC - No caso de rescisão, o Estado assumiria, como um patrimônio público, a manutenção e operação da Arena, que é uma obra público-privada. Há o alto custo de manutenção de uma obra rica e cara. Esse é a melhor a saída?
Henry - O questionamento é pertinente, mas a gente só pode respondê-lo de posso do estudo da FGV, que vai calcular os custos da revisão e os custos da rescisão do contrato, e vai dizer que alternativas teremos na possibilidade de rescisão do contrato. Por exemplo, nós fazermos um edital de concessão a alguma empresa privada que tenha interesse da exploração do estádio. Só teremos informações para responder a essa pergunta com o estudo da FGV.
JC - O conselheiro-relator do processo da Arena no TCE, Dirceu Rodolfo, afirma que a qualquer momento pode levar a auditoria da engenharia a julgamento na 2ª câmara do Tribunal. O Estado teme esse julgamento?
Henry - Não. Nós temos uma relação de respeito com o TCE, que tem um papel importantísssimo para sociedade de contralar as contas públicas e, no caso da Arena, nós temos interesses convergentes de tratar o assunto com absoluta transparência e muita responsabilidade. Precisamos encontrar a melhor equação para que esse equipamento, que é público. O Estado é o proprietário e concedente (da Arena), mas é um equipamento público, a titularidade é do Estado de Pernambuco. É um equipamento que está lá, construído. Queremos dar o melhor uso pelo menor custo.
JC - O conselheiro-relator Dirceu Rodolfo também afirma que está solicitando uma análise contábil-financeira das contas do Consórcio Odebrecht. Como se trata de instituição privada, o TCE não tem poder sobre a empresa, então estaria solicitando ao governo essas contas. Chegou ao governo essa reivindicação?
Henry - Até agora não chegou. Na hora que chegar, nós daremos o encaminhamento que garanta a transparência desse empreendimento.
JC - Há uma informação de que, no começo deste ano, o Estado pensou em extinguir o contrato, antecipando-se à especulação de que o consórcio pretendia entregar a obra – pelos atrasos das contrapartidas por frustração de receita – e depois poderia recorrer à Justiça. O Estado, então, pensou em denunciar a quebra de contrato pelo consórcio, por não cumprir a cláusula que exigia empresa especializada gerenciando a Arena. Existiu isso?
Henry - O que houve foi o episódio em que a Odebrecht pediu um reequilíbrio do contrato, no valor de R$ 264 milhões, e o governo do Estado contratou a consultoria Projetec que reconheceu R$ 23 milhões a mais de itens adicionais exigidos pela FIFA e mais R$ 7 milhões de impostos recolhidos indevidamente. Então, R$ 30 milhões. Esse assunto, conforme previsto no contrato, foi entregue a uma câmara de arbitragem. Em relação à rescisão, estamos tendo uma conversa muito franca com a Odebrecht. Só tomaremos qualquer atitude, em relação ao contrato, depois de concluído o estudo da FGV. A conclusão do estudo será entregue à Procuradoria do Estado, que é quem tem a competência para fazer a revisão ou a rescisão do contrato.
JC - A auditoria da engenharia do TCE está pronta há um ano (desde 23 de julho de 2014). Gerou-se a impressão de que o TCE engavetou. A posição do Tribunal, agora, é de aguardar o estudo da FGV. Houve pressão ou pedido do governo para que o TCE não julgasse ou aguradasse o estudo da FGV?
Henry - Da minha parte, jamais. E não acredito que tenha acontecido isso.
JC - O projeto original é muito maior do que só a Arena Pernambuco. Estava prevista a Cidade da Copa, um bairro com infraestrutura completa e empreendimentos comerciais, universidades, edifícios. Para o governo de Pernambuco, está enterrada a Cidade da Copa ou ainda há expectativa ou interesse que se viabilize esse projeto?
Henry - O terreno (aprovado pela Assembleia) não foi doado ainda. Pertence ao governo de Pernambuco. O estudo da FGV deve apresentar, também, uma avaliação econômica sobre a possibilidade de um empreendimento imobiliário ali. A minha intuição diz que, no momento que vivemos, não há ambiente no mercado da construção civil e mercado imobiliário para a construção dessa Cidade da Copa. Depois de um momento de muita euforia, o mercado vive uma fase de declínio. Agora, não há crise que dure para sempre. O Brasil vai sair dessa crise, vai recuperar a condição de voltar a crescer, mas neste momento eu não acredito que o mercado esteja apostando num grande emprreendimento imobiliário naquela região.
JC - O obstáculo da mobilidade e do acesso à Arena é colocada pelo Odebrecht como um dos fatores que prejudicam a operacionalização de eventos na Arena. O Estado tem como concluir de imediato as obras que estão inacabadas?
Henry - O primeiro gargalo é a saída da BR-232. A BR entrou no programa de concessões do governo federal, porque temos uma delegação (Pernambuco) por mais 12 anos, mas a propriedade é da União. Acreditamos que um item essencial na concessão da BR-232 é a triplicação da saída, porque ali engarrafa até em dias em que não tem jogo na Arena. Há um grande fluxo de veículos de três rodovias, as BRs 101, 408 e 232. Quanto à obra de acesso pela radial da Copa e a do corredor exclusivo Leste-Oeste, tivemos um outro problema que foi a quebra da empresa Mendes Júnior antes da conclusão das obras. Hoje, temos um terceiro problema, que é a suspensão total de todo o programa de investimentos do governo federal. O governo não conseguiu cortar no custeio para realizar o superavit a que se comprometeu, então ele cortou todo o programa de investimentos. São obras do governo federal. Agora, isso é uma circunstância que acreditamos que vai passar. Para a viabilização definitiva da Arena nós temos que resolver o problema da mobilidade e do acesso.