Laços familiares e partidários uniram Miguel Arraes e Eduardo Campos. O avô e o neto presidiram o PSB, governaram Pernambuco, tornaram-se referências como lideranças políticas e, com um intervalo de nove anos, morreram no dia 13 de agosto. Há outros pontos coincidentes na trajetória de ambos, mas eles conservaram estilos de comando diferentes em decorrência do temperamento e dos contextos político e econômico que os fizeram emergir como homens públicos.
“Arraes e Eduardo diziam que eram muitos diferentes e tinham que ser mesmo. Arraes nasceu na segunda década do século 20 no Sertão do Ceará. Eduardo nasceu em 1965 no Recife. São origens e referências muito diferentes. Em comum, tinham compromissos essenciais com os mais pobres”, aponta o jornalista Evaldo Costa, que acompanhou de perto as gestões arraesista e eduardista na condição de assessor de comunicação.
A trajetória de Arraes foi marcada por rompimentos e embates políticos, reflexo natural de quem enfrentou a ditadura militar. Afinal, não baixar a guarda é o que se pode esperar de quem se recusou a renunciar ao cargo de governador na década de 1960 e pagou com prisão e o exílio. Eduardo também teve rixas políticas, mas, formado politicamente sob circunstâncias mais amenas, preferiu vender a imagem de articulador. “Arraes era combativo. Eduardo não. Era de conquistar o oponente”, afirma o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
De acordo com o presidente estadual do PSB, Sileno Guedes, a disposição de Arraes para o confronto é compreensível. “Ele não conseguiu quebrar a radicalização da política em Pernambuco até porque sofreu muitos preconceitos ao longo dos anos. Eduardo envolveu as pessoas dentro do governo independente da cor partidária e construiu um processo de paz política no Estado. Eduardo teve uma oportunidade que Arraes talvez não tenha tido”, opina.
Um dos maiores rivais de Eduardo foi o hoje deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB). O peemedebista venceu Arraes nas urnas, mas depois levou o troco do neto em uma campanha repleta de farpas. “Não foram poucas as vezes que nos encontramos antes de sua morte. Nossas conversas eram cheias de histórias de campanhas eleitorais passadas, algumas comuns aos dois e outras em que militamos em lados opostos. Eduardo foi um dos políticos mais brilhantes de sua geração”, declara Jarbas.
PRAGMATISMO - O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, que conviveu com Eduardo Campos e Miguel Arraes na época em que eles presidiram a legenda, reforça a diferença no temperamento dos dois. “Arraes era mais cauteloso, enfrentou algum grau de contestação e pontuava mais as divergências. Eduardo se movimentava com agilidade e conseguiu a unanimidade do partido”, relembra.
Na visão do cientista político Vanunccio Pimentel, que escreveu uma tese sobre o papel da família na política nordestina, o pragmatismo político também separava o avô e o neto. “Quando governador, Arraes passou por dificuldades com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele poderia ter conseguido financiamento externo e oxigenar o Estado, mas não fez isso. Eduardo financiou o Estado com empréstimo em dólar. O avô perdeu o governo porque não queria tomar algumas opções. Eduardo não comprometeria o governo e a eleição por razões ideológicas”, avalia.
As eleições que levaram Eduardo ao posto de governador ocorreram um ano após a morte de Arraes. Ele era apresentado como o neto do “mito” nas campanhas pelo Estado, mas uma vez eleito fez uso da imagem do avô da maneira que lhe foi mais conveniente. “Ele se referenciava ao avô quando se voltava para o pernambucano”, afirma Vanunccio Pimentel.
Segundo o estudioso, quando se projetava nacionalmente, Eduardo deixava a ligação com Arraes e jogava mais luz sobre si mesmo, principalmente em relação à marca de que era um adepto da nova política e que tinha uma visão mais moderna do mundo.
O ex-governador João Lyra (PSB) sucedeu Eduardo quando ele deixou o governo estadual para se candidatar a presidente da República e também conviveu com Miguel Arraes. Ele acredita que cada um dos dois ex-correligionários soube desempenhar bem o papel em seu tempo. “Arraes deixou marcas importantíssimas que tiveram repercussão nacional e internacional. Uma delas, pelo seu ineditismo, foi o Acordo do Campo. Através de um inédito diálogo entre trabalhadores e patrões, ele acabou a exploração nos chamados ‘barracões dos engenhos’. Como governador, Eduardo promoveu uma revolução desenvolvimentista no Estado e conseguiu, através das metas permanentemente monitoradas, resultados incontestes de melhorias na educação, segurança e saúde”, aponta.
HOMENAGENS - As homenagens a Eduardo continuam nesta terça-feira (11). O prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), assinará às 9h um projeto de lei que nomeia o Compaz Alto Santa Terezinha de “Governador Eduardo Campos”. À noite, a partir das 18h, na Assembleia Legislativa, haverá uma reunião solene em homenagem póstuma ao ex-governador. O ato contará com a presença do gestor municipal, do governador Paulo Câmara (PSB) e dos familiares de Eduardo, a exemplo da mãe, da viúva e dos filhos do pernambucano.