No momento em que o voto decisivo para o prosseguimento do impeachment foi dado na Câmara dos Deputados, justamente por um deputado pernambucano, os ânimos nas manifestações no Recife foram a extremos: enquanto as pessoas contrárias ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff (PT) choravam e demonstravam indignação, no ato favorável ao processo a multidão festejava com euforia.
Ambos os manifestantes, pró e contra o impeachment, aguentaram a chuva e o vento que persistiram durante quase todo o tempo. Comemoraram – e vaiaram – voto a voto, elogiando ou xingando os deputados conforme suas preferências políticas. Era pouco mais de 23h quando o deputado Bruno Araújo (PSDB) subiu à tribuna para selar o destino do impeachment na Câmara: "Quanta honra o destino me reservou de poder, da minha voz, sair o grito de esperança de milhões de brasileiros”, iniciou, antes de dizer sim “para o futuro”, nas palavras finais do parlamentar.
A essa altura, a multidão presente no Marco Zero, zona central do Recife, onde foi feito o ato contra o afastamento de Dilma, já sentia, desanimada, o peso da derrota nesta etapa do processo. Um pouco antes, a professora aposentada Célia Costa, 67 anos, não abandonou a cola com os prováveis votos por partido até a reta final da votação. Em letras miúdas, riscava com pauzinhos o papel amassado e recalculava a realidade versus a expectativa, de olho na transmissão. “Espero que esse golpe não passe, que seja não ao impeachment”, disse, aflita.
Antes que os últimos votos fossem declarados a aposentada se afastou do telão. A maioria, porém ficou até o fim. O estudante universitário Lucas Barbosa, 21, se agarrou à bandeira do Brasil enquanto pôde. As lágrimas momentâneas deram lugar aos gritos de “vai ter luta” pouco depois do resultado. “Isso é um absurdo.Cadê a democracia? A votação é a que vale na urna, não é o cara chegar ali e dar a opinião dele e ficar defendendo a família dele, que ele está lá porque sempre foi privilegiado e a gente está se prejudicando. Mas o povo está reagindo e ele não vai tirar a Dilma”, disse.
O primeiro discurso da noite no Marco Zero foi do presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carlos Veras. “Esses deputados não representam o povo pernambucano. Já conversamos com os trabalhadores. Vamos voltar às ruas, acampar, ocupar todos os lugares. Não vai ter golpe”, exclamou, puxando um coro de “não vai ter golpe, vai ter luta”.
Nesta segunda-feira (18) a Frente Brasil Popular, organizadora do ato, vai fazer uma reunião para definir as atividades daqui para frente.
Comemoração
Enquanto isso na manifestação pró-impeachment que ocorria na orla marítima do bairro de Boa Viagem acontecia o discurso do líder do movimento Vem Pra Rua, Gustavo Gesteira, ao som de uma bateria de samba. “O próximo passo é acompanhar a votação pelo Senado Federal. Em primeiro lugar a gente convida todos que se engajaram nessa primeira fase do processo para usarem o mapa do impeachment e cobrar que eles votem a favor do afastamento”, disse.
A nova agenda de manifestações, segundo ele, ainda não está definida, assim como a possibilidade de lutar contra o impeachment do vice-presidente Michel Temer (PMDB). “Agora que a gente conseguiu esse passo tão importante, com uma vitória maiúscula, com uma ampla margem, a gente vai se preocupar com o Senado e, em seguida, nos preocupamos com os próximos passos”, disse.
Emanuelle Lima, 22, estudante de medicina, foi com toda a família – mãe, tio, avó, primos. “Muitas vezes o Nordeste está a favor do PT. Então estávamos muito aflitos. Quando entrou Pernambuco e foi nosso o voto decisivo ficamos muito felizes”, disse.
Emanuelle diz que não se sente representada por nenhuma liderança. “Penso num país novo. Não foi só esse partido. A maioria rouba. A gente quer uma renovação. A gente quer mais investimento em educação e saúde e que o dinheiro não seja desviado”.
O empresário do ramo hoteleiro Marcone Ferraz, 42, também diz que não vê nos políticos atuais alguém que reúna “conhecimento, preparo político, habilidade e que seja um bom administrador”. Ele acha que, com o avanço do processo do impeachment, algumas mudanças já podem ocorrer. “Agora a esperança que a gente tem é que se inicie um processo de depuração da política nacional. Os políticos a partir de agora vão ser mais cautelosos com o bem público”, disse.
Briga no Marco Zero
Durante o ato contra o impeachment do Marco Zero uma briga tumultuou momentaneamente o local. Um homem, que não quis se identificar e nem falar com a imprensa, trocou socos com outros manifestantes. A briga foi rápida; o próprio rapaz se afastou, até que foi abordado pela Guarda Municipal e depois pela Polícia Militar.
Enquanto era levado pelos militares para a viatura alguns manifestantes o acompanharam, o acusando de ser um policial infiltrado. Outras pessoas diziam que o homem havia agredido uma mulher. Um idoso chegou a ser imobilizado com violência pela PM quando tentava se aproximar do acusado.
A organização do ato disse não saber quem era a vítima de agressão que suscitou a briga. “Foi muito rápido. A gente encaminhou o agressor para as autoridades tomarem conta”, disse Carlos Veras, presidente estadual da CUT.
Iraquitan Reis, subinspetor da Guarda Municipal do Recife, disse que o caso só teria prosseguimento criminalmente se a vítima se apresentar. “Estávamos monitorando o movimento que assistia à votação e fomos informados que havia um tumulto. Chegando ao local tinha uma pessoa acusada de agredir uma mulher, mas ela não se apresentou”, disse. Até o momento em que a Agência Brasil se retirou da manifestação, por volta de 11h20, ninguém a vítima não havia se apresentado.
Governador
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), divulgou posicionamento a respeito do resultado do processo de impeachment da presidenta Dilma. A nota, em forma de discurso, foi enviada por volta de meia-noite. Nela o governador diz que, caso o Senado decida seguir o mesmo entendimento da Câmara dos Deputados, é essencial “não alimentarmos a ilusão de que a eventual substituição da presidente da República significará o fim da crise econômica, social, política e ética”.
De acordo com o texto, Câmara avalia que não há soluções simples ou de curto prazo, e argumenta que houve demora na reação à crise econômica. “Estamos enfrentando a maior recessão dos últimos 86 anos, com o desemprego em números alarmantes, milhões de famílias endividadas e o crescimento da miséria, que demoramos tanto tempo para começar a reverter”. O governador expõe, na nota, que acredita que a população pobre ficou de fora do “enfrentamento exacerbado” das manifestações e que é preciso reagir ao “radicalismo irresponsável”.
Paulo Câmara também diz que o processo de impeachment seguiu “dentro das normas constitucionais”, mas disse que não é um fato irrelevante que dois impeachments ocorram em um período curto. “Não é algo singelo e confortável o fato de num período de apenas 24 anos tenha existido a necessidade de afastar dois presidentes da República”.