Independente do bairro, da faixa de renda ou da idade, é a violência o maior fantasma dos recifenses atualmente. A tranquilidade de “jogar dominó na porta de casa” ou conversar com o vizinho no portão ficou na memória. Oficialmente, a segurança não estava no roteiro da pesquisa qualitativa feita pelo Instituto Uninassau, mas o assunto surgiu de forma espontânea quando os entrevistados foram questionados sobre o “principal problema da comunidade”. O levantamento descortina o sentimento desses moradores sobre a vulnerabilidade em que estão inseridos. Muitos afirmam que não confiam na polícia e não se sentem protegidos.
A ideia do levantamento é lançar luz sobre o pensamento dos eleitores das classes C e D da capital.
Os mais jovens relatam que um dos fatores que contribuem para o aumento da violência é a “rixa” entre os bairros, provocada muitas vezes por disputa do tráfico. “A comunidade é como se fosse uma grande família. A gente se ajuda. Já fui mais feliz aqui, mas hoje a violência é um grande problema. O povo rouba o celular na porta de casa”, contou uma jovem, que participou do grupo focal entre pessoas de 16 e 25 anos, cuja renda era entre 2 e 5 salários mínimos.
Quanto à polícia, a resposta predominante era a de “eles não estão nem aí. Passam, veem algo errado, olham e não dizem nada.” O coordenador da pesquisa, Adriano Oliveira, relata que os eleitores demostram costume com os atos de violência, porque ela é corriqueira. “A pesquisa conclui que eles não reconhecem a polícia como instrumento para combater a criminalidade. Eles mostram sentimento de desprezo, em razão ‘dela não fazer nada’ para enfrentar a criminalidade”, explica.
Para os moradores das classes C e D, a polícia vive em estado de inércia e é, muitas vezes, mais repressora do que protetora. Os entrevistados jovens aproveitam para dizer que já foram vítimas de discriminação policial em outros bairros. E que são abordados em alguns locais por não terem as “características” daquela área, muitas vezes localidades com moradores de maior poder aquisitivo.
Aos 17 anos, o estudante Lucas Rossini já sofreu na pele a discriminação policial. Segundo ele, semana passada, foi abordado perto de casa pela polícia, quando voltava da escola. “Ele perguntou exatamente: onde você mora rapaz? Eu disse no bairro da Madalena. Ele olhou assim e disse ‘está tranquilo’, contou. Se ele dissesse que era do Cardoso, o tratamento já seria outro, conta. Para Lucas, o maior problema do local em que mora hoje são os assaltos. “Foi mudando aos poucos. Não sei dizer ao certo quando. Com o passar dos anos foi aumentando a violência e reduzindo a confiança de sair de casa”, disse.
Apesar dos problemas ligados à falta de segurança, quase todos os entrevistados da pesquisa revelam ligação forte com as comunidades em que vivem. Um dos consensos foi o sentimento de pertencimento que os moradores da periferia demonstraram. Tanto os jovens, quanto os mais velhos afirmam que não tem intenção de morar em outro local.
“Eu encho a boca para dizer e não tenho vergonha: Eu moro no Córrego do Jenipapo.” É com entusiasmo e satisfação que a dona de casa Jaciane Mendes da Silva, 46 anos, fala da relação com o bairro que mora há 10 anos. Ela foi uma das entrevistadas e reflete bem este perfil.
No bairro em que vive, Jaciane trabalhou num mercadinho, conheceu o marido, adotou a cachorrinha Fiona, que encontrou na porta do trabalho, e criou os dois filhos. Os vizinhos, diz ela, tornaram-se parte da família. Ela mora numa casa ampla, de muro baixo e portões de ferro. No quintal, uma barreira imensa é a ameaça constante. Em 2007, no São João, enquanto ela tomava banho, ouviu o estrondo vindo do oitão. Era a encosta que tinha deslizado, mas ninguém se feriu. Hoje, quando chove, ela monitora o local. Mas nem isso enfraquece a relação dela com o local.
Ali ela encontra tudo: posto de saúde, supermercado, igreja e ainda vende doces e salgados para eventos na vizinhança. “Só é ruim, porque o povo do Uber não quer trazer até em casa”, conta.
Nem no campo do consumismo, apareceu algum desejo de mudança para um bairro com o metro quadrado mais valorizado. A ambição que rodeia o imaginário dos entrevistados mais velhos é construir uma casinha, fazer um primeiro andar, ter emprego e conforto. Os mais novos têm desejos mais imediatistas, como “um vestido novo para festa” ou um celular.
Segundo o coordenador da pesquisa, professor Adriano Oliveira, a sensação de pertencimento gera também sentimento de diferenças. “Os que moram em dado bairro são diferentes dos de outros bairros. A diferença proporciona discriminação. Os jovens não admitem que discriminam moradores de outros bairros. Eles reconhecem a discriminação no outro”, avalia.
Às vezes, a discriminação vem em tom de “brincadeira”. “O povo pergunta onde você mora e quando a pessoa diz, começam com o pei pei pei, numa referência que a área é perigosa”, contou uma das entrevistadas, que mora na Mustardinha.
A pesquisa revela que, para essas pessoas, o caminho para driblar o preconceito é o consumismo. “Os jovens relatam que em determinados bairros e locais, se você não estiver bem vestido, o outro lhe olhará com indiferença. Perguntamos se eles já foram discriminados e todos afirmaram que sim”, disse Adriano. A “ilha” da comunidade é o espaço de aceitação.
O levantamento também apontou um descrédito dos políticos pela população. Há uma impressão negativa que os governos não conseguem resolver as demandas existentes na área. Nesse vácuo, entram em campo políticos que fazem trabalhos assistencialistas. Alguns dos entrevistados citaram os vereadores como os mais próximos. São políticos que abrem clínicas populares ou resolvem pendências judiciais, como arranjar advogados.