José Luiz Mota Menezes, o arquiteto do tempo

Autor de projetos de restauração de marcos históricos,ele defende uma cidade onde se viva em harmonia
Cleide Alves
Publicado em 27/04/2014 às 8:04
Autor de projetos de restauração de marcos históricos,ele defende uma cidade onde se viva em harmonia Foto: Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem


Quando passei a fazer reportagens nas áreas de patrimônio e urbanismo para o Jornal do Commercio  – e isso já faz um bom tempo – toda vez que procurava um órgão público em busca de informações sobre um prédio antigo ou a evolução urbana do Recife, sempre ouvia a mesma resposta: fale com professor José Luiz. Referência para quem queria entender a história da cidade, ele acabava transformando as entrevistas em aulas, como continua fazendo até hoje.

Pequeno, magrinho e dono de uma memória invejável, José Luiz Mota Menezes é arquiteto de formação e historiador por necessidade. “Estudei história como autodidata, para entender a construção dos edifícios. É preciso compreender a mentalidade de quem projetou o imóvel, saber como se pensava na época, para fazer uma obra de restauração”, diz o professor, que completou 78 anos em 19 de março deste ano.

O homem que esmiuçou a evolução urbana do Recife é alagoano. “Nasci numa cidade pequena e fabril, hoje chamada Manguaba. Mas, para mim, continua sendo Pilar”, conta. Aos 9 anos de idade, mudou-se para a capital pernambucana com o pai – o restante da família ficou em Maceió – e morou numa pensão, durante um ano. “Com pena por me deixar sozinho a semana toda, meu pai me levava para passear pelo Recife”, recorda o arquiteto.

Foi nas andanças pelas ruas que ele descobriu a cidade. Diplomado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Recife, em 1961, veio a vontade de tentar melhorar as condições de vida das pessoas. “Tenho buscado isso a todo momento, desde uma época em que não havia palavras bonitas como planejamento e mobilidade. Fico amargurado de ver o bairro de São José nessa situação, largado”, declara.

Dedicado à restauração do patrimônio histórico desde o início da carreira, quando foi estagiário do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual Iphan), sem remuneração, José Luiz não condena a verticalização da cidade. “O problema não é a verticalização, mas a mobilidade urbana, ou seja o deslocamento na cidade com qualidade de vida”, afirma.

Errado, diz ele, é a construção de prédios de 30 andares em ruas com oito metros de largura em bairros como Torre e Madalena. José Luiz mora e trabalha numa casa, no bairro do Cordeiro, Zona Oeste do Recife, cheia de plantas no jardim. “Valorizo muito a paisagem, botei a janela de vidro na parede para ver o sabiá comendo pinha, enquanto trabalho”, comenta o arquiteto, ao levar as repórteres do para seu escritório, onde concedeu a entrevista.

Boêmio na juventude – frequentava o bar Savoy na Avenida Guararapes, jogava bilhar, gostava de dançar e de ir aos cinemas do Centro, acompanhado de um dos irmãos, o companheiro de farra – ele é um leitor por excelência. Na biblioteca que mantém em casa, há 11.800 livros de arte, arquitetura, história, patrimônio, cartografia, literatura, religião e dicionários e outros gêneros.

“Não li tudo, mas conheço todos”, declara José Luiz. Certa vez, abriu mão de uma viagem programada ao exterior porque usou o dinheiro para comprar um livro raro. Frequentador das redes sociais, ele é também um entusiasta da linguagem impressa, que considera universal. “Não houve a morte do livro e do jornal. TV, rádio e e-book são transitórios. O jornal é permanente”, avalia o arquiteto.

Ele foi amigo do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) e de José Antônio Gonsalves de Melo (1916-2002), um dos maiores historiadores do Brasil, com quem conviveu no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, localizado na Rua do Hospício. Nos eventos festivos da entidade centenária, que preside pela segunda vez, se diverte conversando com amigos (ele adora uma boa conversa), tomando vinho do Porto e comendo pão de ló.

Projetos

São assinados por ele os projetos de restauração da Catedral da Sé, Igreja de Nossa Senhora da Graça, antigo Palácio do Bispo (Sítio Histórico de Olinda), Casa da Cultura, Palácio da Justiça, antiga Estação do Brum, antiga Sinagoga da Rua do Bom Jesus, sede da Associação Comercial de Pernambuco e Palacete dos Amorins, na Avenida Rui Barbosa (Recife). Também projetou o Santuário da Mãe Rainha Três Vezes Admirável (Olinda) e a Igreja Matriz do Largo Paz (Recife), entre outros.

“Vivo intensamente todos os dias”, revela o homem que defende um modelo de cidade onde as pessoas possam viver em harmonia, independentemente de classe social. “A cidade é de todos, é uma construção coletiva, deve ter espaço para quem quer passear pelas ruas de Hyundai e para quem bate à porta da sua casa pedindo para cortar a grama e ganhar um trocado para comprar o pão.”

Esse é o José Luiz Mota Menezes indicado para entrevistas por técnicos municipais, professor da Universidade Federal de Pernambuco, consultor técnico e um dos responsáveis pela conquista do título de Patrimônio Cultural da Humanidade de Olinda, concedido pela Unesco em 1982.

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