SEUL – Se os brasileiros, em geral, sabem pouco sobre a Coreia, dois aspectos vêm logo à mente quando se fala na península: guerra e divisão. Entre 1950 e 1953, quase três milhões de pessoas morreram ou desapareceram no que os sul-coreanos (e o resto do mundo) chamam de Guerra da Coreia, e que a Coreia do Norte denominou de Guerra de Libertação da Pátria. O conflito começou com uma invasão norte-coreana ao sul, os dois lados tinha sido separados após o fim da Segunda Guerra e eram governados por blocos opostos da Guerra Fria. Um armistício foi declarado em 1953, mas até hoje nenhum tratado de paz foi assinado.
Ou seja, para todos os efeitos, a Coreia do Sul é um país em guerra. Obviamente o clima lá é completamente diferente do Iraque, da Síria e até mesmo de Israel/Palestina, mas ainda assim o governo toma suas precauções. Todos os quartos de hotel, por exemplo, possuem um kit com máscara de gás, lanternas e outras ferramentas necessárias para o caso de um eventual ataque. O mesmo acontece com as estações de metrô, que são sinalizadas como locais de abrigo e também possuem armários com suprimentos e acessórios para que os civis possam resistir no caso de uma invasão (Seul está a pouco mais de uma hora da fronteira). No ano passado, um homem foi morto tentando cruzar a fronteira do sul para o norte. Este ano o conflito ainda não teve vítimas.
A divisão, no entanto, rende atualmente mais do que notícias de confrontos esporádicos na fronteira e bizarrices vindas do ditador da vez no lado de lá (Kim Il-sung entre 1948 e 1994, Kim Jong-il até 2011 e seu filho Kim Jong-un no momento). Existe na Coreia do Sul uma indústria do turismo voltada para quem quer conhecer mais sobre a guerra, que inclui desde um museu dedicado em boa parte a conservar a memória deste momento até passeios turísticos à região desmilitarizada entre as duas Coreias.
O Memorial da Guerra da Coreia (War Memorial of Korea) fica em frente ao prédio do Ministério da Defesa e costumava ser o quartel-general do Exército sul-coreano. Embora seja majoritariamente dedicado ao confronto que separou o país em dois, também possui uma grande coleção que retrata o histórico bélico da península. Durante os mais de dois mil anos de história, a Coreia já foi composta por vários reinos rivais entre si e, da mesma forma, foi invadido por chineses, mongóis e japoneses. Canhões, espadas, arcos, flechas, armaduras e outros equipamentos muito antigos estão entre os itens expostos.
Mas quem visita o Memorial quer ver mesmo é Guerra da Coreia, e isso vai ter de monte.
O pátio externo do museu já é um prato cheio para quem curte militarismo e pode conferir de perto veículos dos dois lados do conflito, como um helicóptero americano AH-1 Cobra, um bombardeiro B-52 Stratofortress, os caças P-51 Mustang e F-86 Sabre, um tanque M4 Sherman e até uma réplica de um navio PKM-357. O espaço também conta com esculturas que fazem referência ao confronto, como uma estátua de bronze de dois irmãos soldados que se estavam em lados opostos, mas abraçados ao se reencontrarem. Por dentro, o museu conta com um acervo de 13 mil itens, entre armas, uniformes, documentos, fotos e todo tipo de memorabilia da época. Parte da exposição é dedicada aos países que fizeram parte da coalizão da ONU que defendeu a Coreia do Sul, com destaque – como não poderia deixar de ser – para os Estados Unidos.
Outro programa imperdível é visitar a chamada “última fronteira da Guerra Fria”, a zona desmilitarizada (DMZ, ou Demilitarized Zone) que separa os dois países. A área de 250 km de comprimento e 4 km de largura é controlada pelas Nações Unidas, e o seu acesso é restrito. Existem dois tipos de passeios turísticos para lá: o convencional, que dura uma manhã e inclui a Ponte da Liberdade (Bridge of Freedom), que cruza o rio Imjingak e foi destruída durante o conflito e reconstruída para receber os soldados que retornaram da guerra; a estação de trem de Dorasan, a última da Coreia do Sul, que possui uma linha pronta para seguir para o Norte – mas encontra-se impedida; e o ponto alto, o 3º túnel de infiltração, escavado pelos norte-coreanos para invadir o Sul, mas descoberto pelo governo na década de 1970.
O passeio completo, que dura o dia todo, tem a mesma programação do convencional, mas na parte da tarde leva os visitantes para Panmunjeom, o local onde os governos das duas Coreias costumam se reunir, que fica exatamente sobre a linha que os divide. A entrada nesse território, entretanto, é restrita a 250 pessoas por dia. Por isso, para se aventurar lá, é necessário entrar em contato com uma agência de turismo com pelo menos dois dias de antecedência e enviar uma cópia do seu passaporte para controle da ONU.