A auto-estima na balança

Eventos e redes sociais buscam banir o preconceito que existe em torno de quem é mais pesado
Mariana Mesquita
Publicado em 01/03/2015 às 0:46
Foto: Divulgação


Fat pride, orgulho plus size. A busca pela aceitação do peso extra – cada vez mais comum dentro de nossa sociedade – ganha espaço nas redes sociais e cria um fenômeno que só faz crescer. 

Ao longo dos últimos anos, sites, eventos e concursos voltados para esse público vêm se destacando no Brasil, em especial no Rio de Janeiro e São Paulo, e chegando também, ainda de forma tímida, a Pernambuco. Mas isso é suficiente para reverter o preconceito existente em relação a quem não se adequa aos padrões estéticos vigentes? E, por outro lado, existem riscos nesse movimento de valorização do gordo? 

Com essas questões em mente, conversamos com a psicóloga e blogueira Sarah Cadosh, a farmacêutica Mariana Donato e a administradora de empresas Gisele Luz. As três têm menos de 30 anos, possuem relacionamentos estáveis e pesam mais de cem quilos. Todas enfrentam dificuldades para encontrar roupas no manequim acima do 46, embora o mercado esteja gradativamente descobrindo que este é um segmento rentável (sem muitas opções de oferta, os obesos nem sempre conseguem encontrar material bonito e adequado, e ainda assim acabam gastando até três vezes mais do que fariam para adquirir uma peça de roupa similar de tamanho “normal”). “Como minha família é do Ceará, muitas vezes deixo para procurar nas lojas de lá”, confessa Mariana, que ficou em segundo lugar no último concurso Miss Pernambuco Plus Size (etapa local do concurso nacional). 

Gisele, Mariana e Sarah também têm em comum o fato de terem sofrido pressão de todo o seu círculo de convivência, por conta de estarem acima do peso. “Quando eu era mais nova, fiz muitas dietas loucas justamente pela falta de um espelho. Eu não me sentia representada. Por isso acho essa tendência de valorizar o plus size interessante, por ajudar as pessoas a se entenderem melhor com seus próprios corpos”, avalia Sarah. 

A internet, neste sentido, tem sido um instrumento facilitador, permitindo que gente de todo o mundo interaja e perceba que os “seus” problemas, na verdade, são questões que interessam a muitos outros. No Brasil, além de artigos virtuais sobre aspectos diversos relacionados ao tema, muitos dos sites e páginas de redes sociais trazem movimentados espaços voltados para anúncios, salas de bate-papo e outras formas de proporcionar relacionamentos – e este é um dos aspectos que mais desagradam a quem tem preconceito contra os obesos. Muitos chegam a “atacar” os usuários com palavras chulas e depreciativas. 

Na verdade, basta ser gordo para se tornar um potencial alvo de agressão.“No meu blog, voltado para dicas de maquiagem, sempre tem gente entrando para me xingar. E olha que não é um espaço de ativismo plus size”, lamenta Sarah.

“Já vi internautas declarando que gordos são nojentos, que não deveriam fazer sexo. A gordofobia é tão socialmente aceita, que as pessoas não enxergam como crime. Acham que é normal humilhar o outro, ferir sua dignidade”, analisa por sua vez a redatora baiana Janaína Calaça, de 33 anos, que mora em São Paulo e colabora com o portal GordinhasLindas.Com

“Muitos acham que por estarmos acima do peso, não temos o direito de ser vaidosos, de estar bonitos, de nos relacionarmos. Nas cabeças dessas pessoas, ninguém se interessaria por alguém que está acima do peso dito normal. Por isso esses espaços são importantes. Eles quebram o paradigma que coloca o obeso como um indivíduo à margem, que vive uma sub vida”, destaca.

Segundo Janaína, a maior dificuldade é fazer o movimento plus size “extrapolar a hashtag”. “Tem muita gente fazendo ativismo na internet, mas a luta é completamente desorganizada. Não há foco. O próprio termo plus size serve para designar desde quem tem poucos quilos extras, até os portadores de obesidade mórbida. Há questões sérias por trás disso, relacionadas ao transporte público, à saúde, aos direitos sociais. E o imaginário ligado ao ser gordo, fora do padrão, tem que se refletir em outras questões para além da estética”, finaliza.

SAÚDE É ARGUMENTO QUE OCULTA PRECONCEITO

Professor do Departamento de Medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás e autor da tese de doutorado A obesidade nos corpos das mulheres e os olhares sobre os discursos medicalizantes, o sociólogo Rogério José de Almeida convive, há mais de dez anos, com pacientes obesas mórbidas que são candidatas à cirurgia bariátrica. 

Na opinião dele, “a mídia transformou a obesidade num estigma”, criando um enorme sofrimento psicológico para além dos efetivos problemas de saúde acarretados pelo fato de se estar acima do peso. “É preciso entender que os padrões não podem ser determinantes e excludentes. Cada caso é um caso. Os obesos têm que ser vistos como indivíduos”, alerta. 

Como a sociedade se firma na tríade beleza, saúde e juventude, grande parte dos gordos sofre preconceitos. Para piorar, diz ele, a preocupação com a saúde vem sendo utilizada como justificativa para exercer preconceitos variados – quando a obesidade, em si mesma, não é um sinônimo obrigatório de doença. 

“Essa tendência chegou ao ponto de dificultar o acesso dos obesos ao mercado de trabalho”, afirma Rogério. “Se todo mundo acima do peso fosse declarado incapaz de trabalhar, metade dos brasileiros seria enquadrado”, ironiza.

Para enfrentar a noção falsa e generalizada de que o gordo é desleixado, sem força de vontade, feio, assexuado e outros adjetivos depreciativos, ele considera extremamente válida a proposta de haver uma maior organização dessa “minoria”, a exemplo de outros grupos que não se encaixam no patamar estético vigente. “A única questão que me preocupa, na hipótese de surgir um amplo e efetivo movimento de orgulho plus size, é se isso levaria mais pessoas a engordarem, causando impacto sobre a saúde pública”, especula. 

A revisora Janaína Calaça, que está de dieta para eliminar parte de seus 120kg justamente para evitar problemas de saúde, discorda de Rogério. “Acho arriscado pensar que o fato de estarmos organizados levaria à apologia da obesidade. Não há nada de errado em buscar um espaço num mundo que vive o tempo todo tentando nos dizer que temos que nos adequar, nas menores coisas do dia-a-dia. Não dá para convencer ninguém a ser obeso, até porque ninguém é assim por escolha. O movimento plus size está aí para humanizar as relações, para mostrar que temos vida e que temos direito a usufruir dela, como todo mundo”, diz ela. 

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Modelos que desfilam no Fashion Weekend Plus Size geralmente vestem manequim por volta do 46 - Divulgação
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Mariana Donato, Babi Luz e Gisele Luz foram as três escolhidas na etapa local do Miss Plus Size - Alexsandro Tavares/ Divulgação
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Marido de Gisele Luz, terceira colocada no Miss Pernambuco Plus Size, teve ciúmes ao vê-la desfilar - Alexsandro Tavares/ Divulgação
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Maga Moura organiza concursos virtuais de beleza que atraem candidatas de todo o Brasil - Madonna Macedo / Divulgação
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Mariana Donato tem dificuldades de encontrar roupas adequadas no comércio do Recife - Acervo pessoal
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Sarah Cadosh chegou a sofrer xingamentos em seu blog, pelo simples fato de estar acima do peso - Acervo pessoal

MODA COMEÇA A ABRIR ESPAÇO

Eventos e concursos de moda têm procurado resgatar a auto-estima plus size e, paralelamente, fortalecer um nicho de mercado que já cresceu muito, mas ainda não consegue responder adequadamente às necessidades da população GG – seja em oferta, em preço ou em qualidade.

Um dos que mais se destacam é o Fashion Weekend Plus Size, voltado para lojistas de todo o País. Organizado por Roberto Vaz e sua filha, Renata Poskus Vaz (que após uma desilusão amorosa criou o blog Mulherão, um dos primeiros e mais influentes voltados para este público, no Brasil), o evento começou em 2010, agregando cerca de cinco fabricantes. Hoje, atrai mais de dez mil lojistas para expor, comprar e participar de suas duas edições anuais, onde são lançadas tendências de verão e de inverno.

“Vem gente do Brasil todo, e o auge é no dia dos desfiles”, conta Roberto, lamentando apenas que a maioria das modelos vista manequim 44 ou 46. “É uma exigência das grifes, que consideram que elas vão fotografar melhor. Ainda assim, sempre tentamos incluir no casting modelos de tamanhos maiores, até o manequim 60”, explica. As mulheres que desfilam, em sua maioria, não são modelos profissionais em tempo integral e, para além do cachê, encaram a experiência na passarela como uma injeção na auto-estima. 

Para Alberto Conde, organizador do concurso Miss Brasil Plus Size, esse tipo de evento tem caráter social e traz um enorme impacto sobre a vida das participantes. Também criado em 2010, em moldes semelhantes aos dos tradicionais concursos de misses, o evento atualmente realiza etapas locais nos 26 estados e no Distrito Federal. “Não há limite de idade, só é preciso ter um peso mínimo e não estar grávida, entre outros critérios. Buscamos 30 candidatas por Estado. Além das 27 melhores colocadas, fazemos também uma votação de uma candidata extra, através da internet. A final de 2015 será em maio”, esclarece.

Segundo ele, cerca de 3 mil gordinhas participaram do processo, ao longo destes cinco anos. As primas Babi e Gisele Luz, por exemplo, participaram da última seleção em Pernambuco, em novembro passado. Babi foi a primeira colocada e Gisele, a terceira. Feliz com o resultado, Gisele confessa que o marido teve ciúmes ao saber que ela iria desfilar de maiô. Ela já se prepara para entrar com tudo na disputa do ano que vem. “Tive pouco tempo desta vez”, alega.

Existem também outras iniciativas de concursos de menor porte, como o Gatas GG e outros promovidos pela empresária pernambucana Magali Moura (mais conhecida como Maga). Em sua maioria virtuais e com baixo custo de inscrição, eles permitem que mulheres de todo o País tenham sua beleza valorizada. “A votação é pela internet e ao final a vencedora ganha uma faixa, entre outros brindes”, descreve Maga.

 

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