Quando os políticos perdem a narrativa tentando esticar a lógica em proveito próprio

Confira a coluna Cena Política deste sábado (08)
Igor Maciel
Publicado em 07/07/2023 às 20:00
Bolsonaro com Tarcísio no ano passado, ainda durante campanha eleitoral Foto: REPRODUÇÃO/TWITTER


Foi no dia primeiro de julho de 1994 que o Congresso começou a discutir uma medida provisória que mudaria a economia do Brasil pelas décadas seguintes. A MP em questão, cheia de polêmica, contou com negociação pesada e muito interesse do governo. Ela trocava a moeda brasileira. Na época, saía o Cruzeiro, corroído pela inflação, e entrava em cena o Real.

A oposição, liderada pelo PT, entendia que se o Plano Real entrasse em vigor e desse certo, ajudaria Itamar Franco, então presidente, a eleger Fernando Henrique Cardoso (PSDB), seu ministro da Fazenda, condutor do plano no governo e já pré-candidato ao Planalto. FHC era o principal empecilho para a eleição de Lula (PT).

Essa oposição fez campanha contra o Real e com muito empenho tentou evitar a aprovação do plano. Foram muitas as declarações contrárias dos membros do PT. “Existem alternativas mais eficientes de combate à inflação. É fácil perceber por que essa estratégia neoliberal de controle da inflação, além de ser burra e ineficiente, é socialmente perversa”, dizia um tal de Guido Mantega (PT), na época.

“Esse plano de estabilização não tem nenhuma novidade em relação aos anteriores. Suas medidas refletem as orientações do FMI. O fato é que os trabalhadores terão perdas salariais de no mínimo 30%. Ainda não há clima, hoje, para uma greve geral, mas, quando os trabalhadores perceberem que estão perdendo com o plano, aí sim haverá condições”, declarava um Lula (PT), em janeiro de 1994, esperançoso de que o fracasso do Real “abriria os olhos dos eleitores”.

O real já tem quase três décadas.

Qualquer semelhança com Jair Bolsonaro (PL) defendendo que o seu partido votasse em peso contra a Reforma Tributária não é mera coincidência. Em nome de interesses eleitorais próprios, políticos costumam esquecer a lógica e perdem a narrativa para a realidade.

Adivinhem quem alertou o ex-presidente sobre o cuidado para não perder a narrativa, esta semana. O governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), que por não concordar com Bolsonaro acabou sendo ridicularizado em público pelo ex-chefe numa reunião partidária, às vésperas da votação.

O Plano Real deu certo e Lula perdeu a narrativa em 1994. Perdeu também em 1998 quando ainda insistia na esperança de que as coisas dessem errado e garantissem a eleição dele. Quando foi eleito, em 2022, manteve o plano Real e nunca mais tocou no assunto.

Bolsonaro, esta semana, não quis ouvir Tarcisio e perdeu a narrativa contra a reforma Tributária que foi aprovada com grande margem na quinta-feira (6).

A aposta dele contra o projeto, aliás, representou uma grande derrota dentro do próprio partido também. A liderança de Bolsonaro enfraqueceu consideravelmente. Ele viu 20 deputados aliados ajudarem na aprovação, mesmo depois de dizer que o PL votaria fechado contra o texto.

Mas Bolsonaro é reincidente em perder a narrativa da realidade para atender a interesses próprios. Ele também votou contra o Plano Real em 1994, porque dizia que as mudanças podiam mexer no rendimento dos militares. Ele, como se sabe, é militar.

Como assim?

No meio da votação dos destaques da reforma Tributária, o deputado pernambucano Fernando Monteiro (PP) conseguiu o privilégio de ter o voto decisivo em um assunto que interessava muito a Pernambuco. E, exatamente por causa de seu voto, o texto foi reprovado e o estado pode acabar sendo prejudicado.

Eram necessários 308 votos para ampliar os incentivos do IPI para montadoras de veículos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2032. Mas só se chegou a 307. E ele votou contra.

O assunto interessa muito aos pernambucanos, entre outras coisas por causa da fábrica da Jeep em Goiana, cujos incentivos para instalação por aqui vencem em 2025.

Se não fosse o voto do deputado pernambucano, o texto seria aprovado e os incentivos estariam liberados por mais uma década.

Ninguém entendeu. Não foi uma articulação de partido (o PP no Nordeste votou a favor), não foi uma articulação de bancada (todos os outros pernambucanos votaram a favor).

Houve quem brincasse nos bastidores que o deputado “pode ter esquecido que é de Pernambuco” e resolveu se juntar aos parlamentares do Sudeste, contra os incentivos para o Nordeste.

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