Não foi nada fácil para a estudante pernambucana Marcela Vitória Matias da Silva, 19 anos, concluir o ensino médio ano passado. Com a pandemia de covid-19, ela e milhares de crianças, adolescentes e jovens brasileiros tiveram que se adaptar ao ensino remoto pois as escolas fecharam para atividades presenciais. Sem computador e com o celular com a tela quebrada, deixou de fazer as atividades da escola até a metade do ano. Depois conseguiu um micro para assistir às aulas virtuais da Escola de Referência em Ensino Médio Sizenando Silveira, que fica em Santo Amaro, área central do Recife. Com muito esforço, estudou para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e ainda estimulou o irmão mais velho, Marcelo Matias da Silva Filho, 29, a fazer o mesmo. Valeu a pena: os dois foram aprovados para o curso de licenciatura em educação física da Universidade de Pernambuco (UPE). Marcela em primeiro lugar e o irmão em segundo, pelo sistema de cotas.
Pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que no penúltimo mês de 2020 mais de 5 milhões de meninas e meninos com idades entre 6 e 17 anos não tiveram acesso à educação no Brasil – número semelhante ao que o País tinha duas décadas antes, no início dos anos 2000. O estudo “Cenário da Exclusão Escolar no Brasil - um alerta sobre os impactos da pandemia da covid-19 na Educação” foi lançado nesta quinta-feira (29) pelo Unicef em parceria com o CENPEC Educação. Embora Marcela não esteja na faixa etária da pesquisa, sua história é parecida com de tantos outros alunos brasileiros que venceram os desafios para estudar em plena pandemia.
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"Em 2017, quando eu estava no 9º ano (do ensino fundamental), minha mãe morreu. Teve um aneurisma. Foi difícil continuar estudando, mas segui. Até para esquecer um pouco a ausência dela. Ano passado também foi complicado para me adaptar ao ensino à distância. A tela do meu celular estava trincada, não dava para assistir às aulas. Só no meio do ano um dos meus irmãos, Maurício, comprou um computador pois precisou juntar dinheiro antes", conta Marcela. "Houve momentos que pensei em desistir. Mas insisti pois só com estudo a gente consegue chegar a algum lugar. Tem que persistir", afirma a jovem.
Por ter participado de um projeto de esportes da UPE no bairro de Santo Amaro, onde fica a reitoria e um dos câmpus da universidade e onde também reside, Marcela se inscreveu, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para a graduação em educação física da instituição. "Meu sonho era fazer odontologia, mas como participei do projeto Santo Amaro, coloquei educação física como segunda opção. Meu irmão mais velho, Marcelo, não queria mais fazer o Enem pois tinha tentado outras vezes e não teve bom resultado. Eu o motivei, disse que não queria ir fazer as provas sozinhas. Ele topou", diz Marcela.
Quando abriram as inscrições no Sisu, Marcelo pegou covid-19. Diabético, precisou ser hospitalizado. Foi parar na UTI, mas sem necessidade de ser intubado. Como a irmã não sabia a senha dele, não conseguiu inscrevê-lo. A sorte é que o prazo inicial foi prorrogado pelo Ministério da Educação (MEC). "Marcelo teve alta e ainda deu tempo de se inscrever. Também colocou licenciatura em educação física pois sempre gostou de esportes. Eram seis vagas para quem estudou em escola pública. A primeira foi minha e a segunda, dele. Ela não trabalha. Marcelo, os outros dois irmão e o pai dela estão desempregados. "Espero melhorar nossa vida depois que me formar", planeja a futura educadora física.