Quando a Polícia Federal estourou, no dia 12 de maio de 1978, a sede do Partido Comunista Revolucionário (PCR), liderado por Edvaldo Nunes da Silva, o Cajá, fazia parte do material apreendido uma pequena biblioteca de livros cujo carimbo exibia um curioso registro de tombamento: Expropriado da Livro 7 no dia...
O PCR sempre negou veemente a acusação da Polícia Federal. Mas não era um fato isolado. Roubar livros de cunho socialista da Livro 7 virou uma espécie de divertimento da esquerda nordestina que via na megaloja da Rua Sete de Setembro que Gilberto Freyre denominou de “Panlivraria”, o seu parque de diversão.
Seu fundador, Tarcísio Pereira, morto em 26 de janeiro de 2021, tinha uma lista de clientes importantes que ia de Marco Maciel a Pedro Simon. De José Sarney a Fernando Collor. E, literalmente, todos os escritores brasileiros além de alguns internacionais.
Ah, Dom Helder Câmara chamava a livraria de um dos seus lugares preferidos, embora todas as vezes que tivesse na loja, era obrigado a assinar dezenas de livros para admiradores, mesmo sem ser um lançamento. Afinal quem não queria ter um livro do "Dom da Paz" assinado pelo autor?
Tarcísio Pereira foi, certamente, o empresário que mais ajudou na formação de centenas de advogados, juízes, desembargares e ministros do STJ e do STF que não apenas compravam seus livro na Livro 7 como também roubavam exemplares. Muitos deles donos de conta corrente no empreendimento. E por isso o pessoal da segurança não os constrangia na saída, mas debitava o livro na sua conta.
Pereira costumava dizer que nunca um cliente contestou a inclusão de um livro roubado quando ele era debitado na conta. De certa forma virou um coisa muito séria a ponto de quase 20% da Livro 7 cuidar apenas da segurança.
Esquerda e direita
Mas se a esquerda roubava livros de temática socialista, a direita era seu melhor cliente. Comprava muito, inclusive os de temáticas da esquerda, o que fazia Seu Tarcísio ser fornecedor regular de todos os escritórios de advocacia do Nordeste, até porque ele tinha um bom serviço de delivery. Inclusive, era fornecedor de vários órgãos da Justiça.
O que diferenciava Tarcísio Pereira dos demais livreiros era que ele tinha a capacidade de saber o que iria vender regularmente e não apenas nos lançamentos. Tinha capacidade de argumentação de mercado editorial brasileiro. Não era livreiro só por paixão aos livros.
Na década de 70, todo mundo lia Marx, Hegel e todo estudante de qualquer curso na UFPE, Unicap e UFRPE, além a FARIFE, tinha um exemplar de “Dez dias que abalaram o mundo”, de John Reed, certamente o texto de iniciação de qualquer simpatizante da esquerda. Ou Esquerdismo. Doença infantil do comunismo de Vladmir Lenin e isso se comprava aos milhares na Livro 7.
Da mesma forma que a direita comparava Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, e os clássicos do liberalismo de Adam Smith e John Locke. De Thomas Malthus a David Ricardo, sem falar em Voltaire e Montesquieu. Tudo isso tinha nas prateleiras. Custava caro, mas a Livro 7 fazia fiado.
Pracinha da Livro 7
Era divertido ver como dezenas de estudantes liam livros inteiros na pracinha dentro da livraria. E ao menos um advogado, hoje líder de um grande escritório, se queixou de Tarcísio Pereira por ter vendido o único exemplar de um compêndio de Direito Empresarial que pacientemente ele estava lendo na Livro 7 como tarefa de uma cadeira na Faculdade de Direito, da UFPE.
Mas, expropriações à parte, é importante lembrar que Tarcísio Pereira foi um dos pioneiros no Brasil nas técnicas de vendas a distância, delivery, crediário em até quatro vezes e consignação para textos mais caros.
A Livro 7 foi a mais importante livraria do Nordeste até o final da década de 90 porque tinha sortimento - chegou a ter 70 mil títulos - de todas as editoras. Para se ter uma ideia do que isso representava, todos os anos o presidente da Nacional Seguros, do Banco Nacional, fazia questão de vir ao Recife assinar, pessoalmente, a apólice de seguros contra incêndios da Livro 7. Na verdade, a seguradora fazia questão de ter essa apólice.
Podemos dizer que da Livro 7 saíram milhares de livros que embasaram centenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado no Nordeste.
Marketing
A Livro 7 também foi pioneira numa série de pequenas ações de marketing que ia da oferta de caipirinha da Cachaça Pitu nos lançamentos e palestras a divulgação de exposições. A Livro 7 enviava regularmente para seus mais de 50 mil clientes do Cartão 7 informes sobre os lançamentos de temas que os interessava.
Isso quer dizer que Pereira foi processor da técnica de fidelização e indução de vendas hoje comum em todas as empresas. E ele fazia isso sem ajuda de algoritmos.
Pereira, entretanto, teve dificuldades de perceber as mudanças do varejo de livro que acabaram por decretar o fechamento de centenas de empresas. Ele não conseguiu manter suas filiais em Natal, João Pessoa e Maceió.
Também não apostou no mercado de shopping, que acabou virando um ponto de distribuição de livros, focando principalmente nos de títulos mais vendidos. A crise pegou a Livro 7 com hiperinflação, desorganização das moedas e concorrência feroz.
Ficou a contribuição a formação de muitos professores, advogados, líderes empresariais e parlamentares. E pensar que a Livro 7 começou numa lojinha térrea nos fundos do Edifício B onde se entrassem quatro clientes um teria que sair porque não cabiam seis pessoas.
Por isso é que Tarcísio Pereira deve ser lembrado não apenas como um empresário livreiro, mas um grande animador cultural do varejo nordestino.
A icônica Livro 7, se estivesse funcionando, teria completado 50 anos de atividade em 2020.