Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

JC Negócios

Por Fernando Castilho
castilho@jc.com.br
Coluna JC Negócios

Com racionamento pelo preço, apagão de energia vira ameaça até o fim do ano

O fato novo na crise hídrica vivida pelo Brasil em 2021 é a negação da gravidade do evento pelo governo Jair Bolsonaro

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Fernando Castilho

Publicado em 26/09/2021 às 10:00 | Atualizado em 26/09/2021 às 12:28
Usina de Sobradinho BAHIA - DIVULGAÇÃO

Num debate na última quinta-feira (23), o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, afirmou que não vai haver um racionamento de energia elétrica em 2021. Ciocchi falava num momento em que a UTE, localizada em São João da Barra (RJ) e segunda maior térmica do País (com capacidade instalada de 1.344 MW), havia sido desligada depois de entrar em operação comercial uma semana antes de ter operado por apenas quatro dias.

O comportamento de Ciocchi tem sido quase um padrão de autoridades brasileiras depois que o quadro de produção de energia se agravou, no segundo semestre, e quando o Governo começou a admitir (tardiamente) a gravidade da situação do quadro de geração hidráulica no País - responsável por 58,56% da produção nacional.

Antes dele, o ministro das Minas e Energia também insistiu no discurso de que no País, que vive o quadro de maior dificuldade de acumulação de água para geração de energia em 90 anos, não será necessário fazer nenhum tipo de racionamento. E de se recusar a admitir a possibilidade de apagão.

Um apagão, dentro daquela ideia do que aconteceu em Roraima, onde o estado passou quatro dias sem energia, com cidades inteiras às escuras, de fato, parece não haver mesmo possibilidade.

O Sistema de Transmissão - ao qual Roraima não está integrado - é capaz de suprir o mercado com o deslocamento de energia para os estados. Mas a necessidade de uma atitude mais compulsória por parte do governo é urgente.

O fato novo na crise hídrica vivida pelo Brasil em 2021 é a negação da gravidade do evento pelo governo Jair Bolsonaro. 

FHC PAGOU CARO POR TRANSPARÊNCIA

Ele teme o custo político pago por Fernando Henrique Cardoso em 2001, quando assumiu a crise e o PSDB perdeu as eleições para Lula, que explorou a fragilidade do sistema de transmissão de energia. Em campanha para reeleição, o Governo Bolsonaro primeiro não entendeu a dimensão da crise, depois escondeu e, a seguir, passou a acreditar que ela seria contornada com geração térmica.

De fato, a crise está sendo gerenciada com a geração térmica. O problema foi o despacho das usinas quando as reservas hídricas estavam no limite e os custos explodiram. O custo do MWh na UTE, localizada em São João da Barra (RJ), por exemplo, é de R$ 604,34, quando uma usina que funciona dentro do sistema regulado como a Termopernambuco (Neoenergia) cobra R$ 138,86 o MWh

Na ponta, isso quer dizer que o consumidor pagar mais R$ R$ 9,492 por cada 100 quilowatt usado. E uma perspectiva de que isso deve durar até o ano que vem. E que o próximo aumento será maior que o normalmente aplicado.

Mas a crise se revelou muito maior do que o governo agora admite, sem reconhecer a gravidade. Somente a partir de outubro o Governo vai permitir que os grandes consumidores sejam recompensados pela energia que deixarem de utilizar, pagando por essa energia de modo que ela seja deslocada para outros centros.

Por cauda da busca pela energia limpa, em nome da sustentabilidade, as torres eólicas têm se tornado comuns no Nordeste brasileiro - Alexandre Gondim
 

RESTRIÇÃO JÁ DEVERIA TER COMEÇADO

Segundo consenso no setor elétrico, essa medida deveria ter sido tomada desde julho, de modo a exigir menos energia. Afinal, o setor industrial consome 40% de toda a energia gerada no Brasil e poderia contribuir para não usar mais energia hidráulica.

Mas o próprio ONS, que insiste em não haver necessidade de racionamento, também não teve o mesmo comportamento de 2001, quando em agosto tratou das condições de atendimento eletroenergético do Sistema Interligado Nacional (SIN) até novembro de 2021.

E mesmo que tenha pedido a utilização de parte dos recursos alocados para reserva de potência operativa, não exigiu uma redução compulsória de energia. No relatório, porém, está a necessidade de viabilizar a operacionalização da UTE GNA I numa das medidas recomendadas.

Não é o ONS quem decide como a Aneel vai atuar. Ele é o operador. Mas parece claro que a crise e a posição do Governo em negar a dimensão do quadro interferiu na ação dos atores. Enquanto isso, a demanda por energia crescia.

Em julho, ela teve crescimento de 3,5%, em comparação com o mesmo período de 2020. A carga chegou a 65.519 MW médio.

Em 12 meses, apresentou uma variação positiva de 5,5%. Ou seja: era como se a crise não existisse. O problema da crise de energia que o Brasil começa, efetivamente, a viver a partir desta semana - quando começa o período crítico entre outubro e dezembro - é que o Governo Bolsonaro parece acreditar mais em São Pedro do que no que diz a pesquisa das séries históricas.

Na última quinta-feira, o que o Brasil tinha de energia armazenada em água nos reservatórios era 25,3%.

Na principal região produtora e consumidora formada pelos sistemas Sudeste e Centro-Oeste havia apenas 17,5%. Sem chuvas, o sistema brasileiro perde todo dia 0,1% de água capaz de gerar energia.

O Brasil paga hoje a conta de não cuidar dos reservatórios que, em 10 anos, tiveram cinco de seca. E de não apostar na geração de energia firme a partir de térmicas a gás natural para supervalorizar as energias eólica e solar.

O discurso verde é legal. Mas ele passa a imagem de que poderiam transformar o País com matriz totalmente renovável sem dizer para a sociedade que à noite e quando não tem vento, alguém tem que fornecer energia para o comércio, as indústrias e as residências das 17h às 22h.

DILMA DESORGANIZOU SETOR ELÉTRICO

Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil - ROBERTO STUCKERT FILHO/PR

Dilma Rousseff tomou posse em 2011 e em 11 de setembro de 2012 derrubou as torres de sustentação do sistema elétrico brasileiro, numa infeliz coincidência aos atentados no mesmo dia, em 2001, no Estados Unidos.

A MP-579 mudava o regime de concessões das geradoras com o argumento que a sociedade já tinha pagado por elas e deveria pagar apenas a transmissão ao renovar as concessões.

A estupidez da tese “rudimentar” de Dilma mexeu na produção de 29.345 MW da capacidade total de geração da Eletrobras. Ela não conseguiu obrigar as nove empresas inicialmente previstas para aderirem à sua ideia, e a equação descompensou.

Furnas não aderiu, mas ela manteve a nova legislação com o discurso de reduzir a conta de energia em 25%. No final, R$ 62,2 bilhões acabaram sendo repassados para as contas de energia de consumidores nos oito anos seguintes.

O efeito da decisão foi primeiro suspender e depois retardar os investimentos em projetos de hidrelétricas e de novas térmicas movidas a gás natural, que fornecem a chamada energia firme - para o consumo nos horários de pico.

Mas como produzir energia é um negócio muito bom em todo o mundo, o mercado foi para as usinas eólicas, solar e solar distribuída, que a cada dia atrai mais consumidores residenciais. Entretanto, o estrago ficou.

Um estudo da Aneel mostra que a renovação das concessões das usinas hidroelétricas provocou um aumento de despesas de R$ 198,4 bilhões no setor, com a tarifa subindo 20% acima da inflação. Entretanto, o maior prejuízo foi a perda de confiança dos investidores.

O efeito das secas nos reservatórios cuidou de consolidar o quadro de crise.

GERAÇÃO DISTRIBUÍDA Usinas solares da Vivo, como esta em São Paulo, permite à empresa reduzir imensamente os gastos com energia - DIVULGAÇÃO

GERAÇÃO TÉRMICA FOI DEMONIZADA

Visto aos olhos do mundo, o Brasil sempre foi apresentado como o País da geração de energia limpa, ancorado na hidráulica, que já chegou a 80% de sua produção. Ele ainda tem 41% de toda sua energia produzida de outras fontes (incluído o petróleo) e 64,1% de toda a energia elétrica que consome vem de barragens.

Mas na última década, o discurso da energia limpa, a partir de eólicas, associado às dificuldades de construção de novas barragens, acabou demonizando a produção de energia por térmicas - abrindo o caminho para o quadro de hoje.

O problema é que na última década (entre 2010/2019), foram produzidos 33.609 milhões de megawatts, enquanto a geração eólica saiu de 187 milhões, em 2010, para 4.815, em 2019. A solar, de 1 MW, em 2014, para 572, em 2019.

O discurso verde impediu um maior investimento na geração térmica. Ela até dobrou de oferta. De 22.771 MMW, em 2010, para 44.398 MMW, em 2019. Mas sem interesse dos investidores.

O problema da onda de energia limpa, que virou estratégia do marketing da sustentabilidade, com as empresas fazendo publicidade da contratação de energia eólica e solar, é não informar que, na hora de pico, essas empresas usam energia produzida por hidrelétricas e térmicas.

Na outra ponta, o custo da hidráulica fez o governo gastar mais água numa década em que a afluência de energia armazenada diminuiu.

Criou-se a falsa ilusão de usar apenas energia limpa (vinda das barragens, eólica e mais recentemente solar) quando não se guardava água, usando energia térmica. A crise de 2021 está dando “uma real” na produção.

Na última quinta-feira, quando o diretor do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, insistia negando racionamento, as térmicas responderam por 28,64% da energia gerada no Brasil. O ONS também solicitava ações para viabilizar o 3º navio regaseificador em Pecém (CE) para usinas termelétricas.

E abriu processo de propostas de geração de usinas sem contrato de comercialização, produzidas por usinas montadas em contêineres. Essa é a realidade que o Brasil terá de conviver.

BRASIL COMPRA QUALQUER TIPO DE ENERGIA

 

Termelétrica (UTE) Palmeiras de Goiás - TERMELÉTRICA (UTE) PALMEIRAS DE GOIÁS

O desligamento da usina térmica UTE GNA I, considerada fundamental para a estratégia do governo de aumentar a oferta de energia ao sistema em um momento crítico das hidrelétricas do Sudeste e Centro Oeste, mostra a dramaticidade que a Aneel e o ONS precisam enfrentar.

Afinal, não existe 1.433 MW por aí disponíveis. Esta semana, a Aneel autorizou testes da Usina Termelétrica Bracell, em Lençóis Paulista (SP), com capacidade de 409,307 megawatts (MW). A UTE Bracell será a maior usina movida a biomassa no País.

Seu objetivo é tornar sua controladora autossuficiente para a produção de celulose. Mas o ONS quer transferir para o Sistema Interligado Nacional – SIN nos meses de outubro e novembro.

Ela também autorizou o início dos testes da central fotovoltaica Juazeiro Solar V, em Juazeiro (BA), das centrais fotovoltaicas Terra do Sol VII e Sol do Sertão XII, em Oliveira dos Brejinhos (BA). E das Eólicas Cumarú IV, Serra do Mato I, Terra Santa I e Ventos de Santa Martina 11 e 12, nos Municípios de São Miguel do Gostoso – RN, Tairi – CE, Caiçara do Norte – RN e Riachuelo – RN.

Juntas, elas podem injetar mais 196,4 MW no sistema de geração.

O governo está antecipando a operação de linhas de transmissão que são fundamentais para manter o equilíbrio do sistema. Na semana passada, conseguiu inaugurar em Janaúba (MG) uma nova linha de transmissão que irá reforçar o transporte de energia do Nordeste para o Sudeste e Centro-Oeste do País.

O problema é que tudo isso custa caro. Pouca gente sabe, mas a Aneel já aprovou, em caráter excepcional em razão do período de escassez hídrica, a compra de energia da Termelétrica (UTE) Palmeiras de Goiás, movida a óleo diesel, ao custo de R$ 1.475,51 por mega watt-hora (R$/MWh).

Com atualização dos valores, o preço da energia gerada pelas usinas leiloadas será 70,36% superior ao da eletricidade produzida pelas demais hidrelétricas - Foto: Divulgação/Usina Hidrelétrica de Mauá

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