A mobilidade urbana não é mais vista como posse, mas como serviço. E tem que ser prático, acessível e de qualidade. Quem não acordar para isso ficará para trás. É o MaaS - Mobility as a Service
O conceito da mobilidade urbana como um serviço prático, acessível, que enxerga o passageiro como cliente, alguém para quem se deve oferecer uma opção de deslocamento de qualidade, com múltiplas e fáceis opções de pagamento, que informe a hora de chegada e possa até ser acionado por um smartphone, chegou ao transporte público brasileiro. O Maas (Mobility as a Service, que significa mobilidade como serviço) começa a ser concebido e adotado em alguns sistemas, por operadores e gestores públicos. A disruptura é lenta e enfrenta desconfiança de muitos do setor empresarial – tão resistente a investimentos e à tecnologia –, mas já é vista como um caminho sem volta. Quem não abrir a mente e o bolso – porque investimentos serão necessários e eles não sairão do setor público, já sem recursos para o básico – ficará para trás. Será engolido pela revolução digital que a mobilidade urbana vivencia diariamente. Pelos mais diferentes aplicativos de transporte privado de passageiros que se proliferam no Brasil e no mundo. Incluindo aí, até mesmo os de micromobilidade – tão eficientes para os deslocamentos curtos.
Tema central do Seminário Nacional de Transporte Público 2019, realizado na semana passada em Brasília, pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), a entrada da tecnologia no setor é algo indiscutível. O que pode fazer a diferença em muitos sistemas de transporte coletivo brasileiros, tão carentes de recursos tecnológicos. E que, quando têm, são utilizados internamente, sem alcançar, de forma prática, o passageiro. O da Região Metropolitana do Recife é um deles. Que há cinco anos luta, por exemplo, para implantar plenamente o sistema oficial de monitoramento em tempo real dos ônibus e, assim, passar a disponibilizar a informação para o passageiro. Sem desmerecer o eficiente CittaMobi, app que ocupou a lacuna do aplicativo oficial, mas que, por não ser reconhecido pelo gestor, não consegue sair dos smartphones e chegar aos terminais integrados e estações de BRT, por exemplo.
Acreditem, isso não é o futuro. O MaaS já é o presente. E o transporte público precisa aderir a ele. Vê-lo como um negócio, que é rentável. A economia da inovação gerou US$ 15 bilhões em 2013. E os números mostram que, em 2025, a economia compartilhada dividirá os lucros igualmente com a mobilidade convencional no mundo. No ano passado, a micromobilidade compartilhada (bicicletas e patinetes) gerou 84 milhões de viagens no mundo e, por isso, é importante vê-la como aliada”, Matheus Sousa Oliveira, do Programa de Engenharia de Transporte (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Foto: NTU
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Transporte público sob demanda, pelo app. É o Uber dos ônibus
Adotar o conceito MaaS virou a grande aposta daqueles que pensam um transporte público de qualidade. Não foi à toa que as discussões sobre as possibilidades e os exemplos que já estão funcionando no mercado atualmente predominaram no congresso. O transporte público precisa chegar na palma da mão do passageiro e estar integrado com outros modais de deslocamento. De forma fácil e prática. E logo. É uma revolução para ontem. O setor está atrasadíssimo. Caso contrário, o passageiro pegará um Uber ou um 99. Investimento em tecnologia é a principal reação do transporte público para tentar reverter as históricas perdas de passageiros – 12,5 milhões em um ano (de abril de 2018 a abril de 2019) e uma média de 3,5 milhões por dia.
“Estamos falando da revolução digital do transporte. Passar a vê-lo como um serviço, não um produto. O Google, por exemplo, não vende produtos, vende serviços. E o MaaS chegou para reforçar essa lógica. Para proporcionar um transporte público integrado. No qual o cliente (passageiro) pague a tarifa digitalmente, tenha pacotes diferenciados e possa dispor da integração com outros modais, como a bicicleta e o patinete, por exemplo. Acreditem, isso não é o futuro. O MaaS já é o presente. E o transporte público precisa aderir a ele. Vê-lo como um negócio, que é rentável. A economia da inovação gerou US$ 15 bilhões em 2013. E os números mostram que, em 2025, a economia compartilhada dividirá os lucros igualmente com a mobilidade convencional no mundo. No ano passado, a micromobilidade compartilhada (bicicletas e patinetes) gerou 84 milhões de viagens no mundo e, por isso, é importante vê-la como aliada”, ensina o professor Matheus Sousa Oliveira, do Programa de Engenharia de Transporte (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ou seja, é preciso inovar e se reinventar. E logo.
AS REAÇÕES COMEÇARAM
Ônibus sob demanda e pelo aplicativo. Conheça o CityBus 2.0
A reação mais real e concreta do setor de transporte em relação à urgência da inovação tecnológica está em Goiânia (GO). Desde fevereiro de 2019 entrou em operação o CityBus 2.0, um sistema de transporte público regular que utiliza miniônibus e pode ser acionado pelo aplicativo. Ou seja, que permite ao passageiro embarcar e desembarcar onde e no horário que desejar. Que tem rotas flexíveis e pontos de embarque e desembarque virtuais. Tudo muito semelhante aos aplicativos de transporte privado de passageiros, como Uber e 99. Mas com uma grande diferença – é um sistema regulado pelo poder público, que cumpre regras e têm ingerência a qualquer momento no caso de problemas e/ou reclamações dos passageiros. Talvez, por isso, a denominação uberização do ônibus não seja ideal porque o CityBus 2.0, pelo menos nesse início de operação, porque o serviço oferece mais qualidade do que os apps de transporte privado, que em muitas situações têm carros velhos, sujos e motoristas pouco hábeis.
O Blog MoveCidade conheceu o sistema, que atualmente opera com 28 veículos, todos refrigerados, com três câmeras de monitoramento, tomadas e entradas USB. Atende 28 bairros de Goiânia, já teve 50 mil cadastros realizados, cresce 13% por semana e 177% nos seis primeiros meses de operação. Com um tempo médio de espera de 9,5 minutos, é de fácil uso. Após baixar o app CityBus 2.0, realizar o cadastro e escolher uma forma de pagamento (cartão de crédito ou dinheiro), é só escolher a viagem, definindo os pontos de embarque e desembarque, e a quantidade de passageiros. Após essas etapas, o aplicativo localiza o veículo mais próximo, indica o tempo de espera e a placa do miniônibus que prestará o serviço. Os embarques e desembarques não acontecem porta à porta, mas na esquina próxima à localização do passageiro. Os veículos têm capacidade para 14 pessoas, são refrigerados, têm três câmeras, tomadas e entradas de USB. Foi criado para as corridas de pequenas distâncias, exatamente para tentar resgatar o passageiro que foi para os apps de transporte privado. As viagens têm, em média, 10 km. E a tarifa individual oscila entre R$ 6,50 e R$ 7 – lembrando que a passagem do sistema de ônibus convencional é R$ 4,30.
O CityBus 2.0 foi criado pela HP Transportes, empresa do sistema de ônibus convencional que opera 136 linhas no Arco Sul da Região Metropolitana de Goiânia. A concepção do novo serviço começou em 2016 e, depois de criado, representou um investimento de R$ 5 milhões – considerando a criação do aplicativo e a compra dos primeiros 15 miniônibus. Foi criado como um serviço complementar e porque o contrato de concessão, assinado após licitação realizada em 2008, permite a criação de serviços complementares.
“Com o avanço dos aplicativos de transporte privado (em Goiânia funciona o UberPool) e a ausência de investimentos em infraestrutura que priorizem o transporte por ônibus, percebemos que precisávamos reagir. Em 2016 começamos a trabalhar ouvindo o que nossos clientes mais queriam. Foi quando chegamos ao CityBus 2.0. É um sistema que ainda não se equilibra financeiramente, mas que representa uma reação do setor para oferecer um serviço de qualidade ao nosso cliente. O CityBus 2.0 é um conceito. Não é a solução para os problemas do transporte público, mas é um começo. Estamos arriscando, testando. O que buscamos com ele é a transformação do transporte público. Espero que muitas empresas se inspirem no que estamos fazendo e criem sistemas parecidos. Precisamos reagir e não podemos esperar pelo poder público. Por enquanto, só vemos o serviço crescer na utilização e, o que mais importa, na aprovação da população, que já o reconhece como um transporte moderno e com as vantagens da regulação pública”, afirma diretora-executiva da HP Transportes, Indiara Ferreira.
Área de Goiânia atendida pela sistema. Verde - bairros iniciais do projeto. Azul - expansão recente
Os números apresentados comprovam o que ela diz: pesquisa interna realizada com os clientes do serviço indicou que 80% migraram de modos individuais de transporte, sendo que 62% saídos dos aplicativos de transporte individual e táxis, e 18% do carro. Outro dado interessante é que 15% dos passageiros do CityBus 2.0 vieram do sistema convencional de ônibus – sinal de que a inovação é o caminho para o setor. Além disso, mostrou que o índice de viagens agregadas – com mais de um passageiro – representam 75% da operação, o que reforça a proposta inicial do serviço, que é a de incentivar as pessoas que fazem o uso do transporte individual a aderirem ao modo coletivo. Números de passageiros transportados e de viagens realizadas por dia ou mês pelo CityBus 2.0, entretanto, não foram divulgados pela HP Transportes. Pelo menos por enquanto, seguem guardados a sete chaves. “A criação de um serviço como o CityBus 2.0 precisa ser de cima para baixo. Envolve muito risco e, por isso, tem que ser da direção da empresa, e regulada pelo poder público. E é preciso oferecer segurança jurídica que só os contratos de concessão oferecem. As permissões não”, ensina Indiara Ferreira.
Tarifa paga com QRCode. Conheça a OnMobilty, vencedora do primeiro programa de inovação do setor, o Coletivo
O Coletivo, programa de inovação em mobilidade urbana da NTU, é um exemplo da tentativa de reação do transporte público. E a startup que venceu o primeiro desafio do programa é prova de que a inovação é o caminho para atrair passageiros e qualificar o serviço. A paulistana OnBoard Mobility, plataforma que digitaliza o cartão de transporte, permitindo o embarque através de QRCode, foi pensada para solucionar um dos problemas que mais colaboram para a imagem de velho e ultrapassado que o setor adquiriu com os anos: a não modernização do pagamento das tarifas de ônibus. A OnBoard Mobility (ainda restrita ao sistema Android) cria uma carteira virtual (chamada Bilhete Digital) que digitaliza o cartão de transporte, permitindo o embarque através de QRCode. Tem o objetivo de permitir um planejamento mais assertivo sobre linhas e tarifas. Pode ser utilizado também como forma de pagamento para outros serviços integrados ao transporte público, como bicicletas, patinetes, táxis e aplicativos de corrida. Custo do software é de R$ 1 mil por veículo e pode ser adaptado aos sistemas de bilhetagem já em operação nas cidades. E, diferente de outros sistemas, não exige que o passageiro tenha conta em banco.
uBus está em teste em São Bernardo dos Campos. Foto: Divulgação/NTU
uBus também é ônibus pelo app
O uBus é um serviço que está em teste no Brasil, em São Bernardo dos Campos (SP), e que funciona de forma semelhante ao CityBus 2.0. O passageiro escolhe os pontos de origem e destino no app – que apresenta as rotas existentes (fixas) ou sugere uma. Escolhe o assento e efetua o pagamento. Em seguida recebe o número da placa do veículo e o nome do motorista. No uBus ainda há a possibilidade de o passageiro optar pelo serviço de fretamento e VIP.
Metrô do Rio pago de todo jeito: com cartão de crédito, celular, relógio ou pulseira
Todas as 41 estações do MetrôRio aceitam, desde abril, o pagamento de passagens por meio de celular, cartão de crédito, pulseira e relógio com a tecnologia NFC (Near Field Communication). A iniciativa, desenvolvida em parceria com a Visa, agiliza a vida do passageiro e dá versatilidade ao pagamento, atraindo um novo público para o sistema que possui dispositivos por aproximação. Com a nova forma de pagamento, o passageiro não precisa mais comprar ou recarregar um bilhete específico do metrô. Basta ir a um dos validadores sinalizados para o uso da nova tecnologia e aproximar o cartão de crédito pessoal ou o dispositivo móvel com a tecnologia NFC. A novidade permite economia de tempo para o cliente e maior agilidade no embarque. A cobrança da tarifa é debitada diretamente na fatura do banco do cliente, sem custo adicional ou taxas, ao final de cada dia de uso. O sistema, como esperado, tem feito sucesso. Números da VisaNet mostram que até julho houve um aumento de 58% nas transações por aproximação no MetrôRio.