Etapas para defesa do condutor infrator e falta de infraestrutura são as causas de tanta demora. Fotos: Alexandre Belém/Acervo JC Imagem
No País, ela completou 11 anos em junho deste ano. Mas em Pernambuco a comemoração é pelos oito anos da Operação Lei Seca como política de Estado e sob a coordenação da Secretaria Estadual de Saúde (SES), completados neste domingo (1/12). Temida e respeitada pela grande maioria dos motoristas do Estado – principalmente na Região Metropolitana do Recife –, a Lei Seca tem contribuições incontestáveis não só para a redução de acidentes, mas principalmente para a gravidade deles. Também mudou hábitos, fazendo muita gente desistir de misturar álcool e direção. Beber e dirigir, graças à eficiência das operações, tornou-se algo recriminado abertamente pela sociedade. A eficiência que a Lei Seca demonstra nas ruas, entretanto, não se reflete na punição real dos motoristas que insistem em não respeitá-la. Atualmente, o condutor flagrado dirigindo alcoolizado em Pernambuco está esperando cinco anos para ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa. Você acredita?
A legislação é o nosso principal desafio. São duas etapas de defesa da autuação, cada uma com três fases. Primeiramente, o motorista se defende da infração em si. Depois, faz a defesa no processo de suspensão do direito de dirigir. E para cada uma delas são três fases. Estamos levando 2,5 anos para cada uma dessas etapas. Por isso cinco anos de prazo. Há alguns anos se discute o fim dessa segunda etapa no Congresso Nacional, mas até agora nada foi alterado”, Sérgio Lins, diretor de Fiscalização de Trânsito do Detran-PE
Há duas causas para essa realidade: a burocracia estimulada pela legislação de trânsito e a omissão do poder público (em todas as suas esferas) diante da falta de estrutura para a análise e julgamento das infrações. “A legislação é o nosso principal desafio. São duas etapas de defesa da autuação, cada uma com três fases. Primeiramente, o motorista se defende da infração em si. Depois, faz a defesa no processo de suspensão do direito de dirigir. E para cada uma delas são três fases. Estamos levando 2,5 anos para cada uma dessas etapas. Por isso cinco anos de prazo. Há alguns anos se discute o fim dessa segunda etapa no Congresso Nacional, mas até agora nada foi alterado”, lamenta Sérgio Lins, diretor de Fiscalização de Trânsito do Detran-PE.
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A angústia do diretor não é para menos. É fundamentada em números. Até o dia 30 de outubro o órgão tinha conseguido abrir 8.838 processos administrativos para suspensão do direito de dirigir pela infração de alcoolemia, de um total de 24.885. Enquanto isso, apenas 4.171 CNHs foram suspensas. A desproporção se repete retroativamente até o ano de 2016. Outro grande desafio é a falta de estrutura para análise das infrações e dos processos administrativos. A insuficiente quantidade de Jaris (Juntas Administrativas de Recursos de Infração) e de funcionários para a demanda de análises é impressionante. O Detran-PE tem apenas três Jaris, cada uma com três funcionários, que se reúnem uma vez por semana. Para se ter ideia da demanda de trabalho, as Jaris julgam uma média de 4.500 processos por ano. Entre 2016 e os seis primeiros meses de 2019, foram 76.432 processos administrativos para suspensão da CNH abertos no Estado. Desse total, 27.117 são de alcoolemia.
“Até porque a alcoolemia é apenas uma das infrações. E 90% dos motoristas autuados recorrem da infração, o que atrasa ainda mais o processo. Na minha opinião, o mais importante é a punição administrativa, que é a suspensão, por um ano, do direito de dirigir. A punição pecuniária – a multa – importa menos porque as pessoas sempre dão um jeito de pagar. Mesmo que para isso mobilizem toda a família, amigos. Ficar sem autorização para dirigir por um ano
Mas, apesar da lenta punição, o efeito educativo da Operação Lei Seca é fato. Os dados da operação mostram que as atuações por alcoolemia têm diminuído nesses oito anos. Em 2011, as multas por dirigir alcoolizado representavam 4,5% do total de condutores abordados nas blitzes. Em 2018, esse percentual caiu para 0,97%. “A gente percebe a conscientização da população, principalmente na capital. Quando as pessoas têm educação, elas têm mais consciência do perigo que beber e dirigir representa. Este ano, estamos interiorizando a operação. Temos atuado mais no interior do Estado”, afirma o atual coordenador da operação em Pernambuco, major Felipe Gondim.
A interiorização da Lei Seca já teve reflexos nas estatísticas de 2019. Nos seis primeiros meses de 2019, o percentual de autuações por alcoolemia já aumentou pata 1,25% dos condutores abordados. “Esse aumento era esperado porque sempre soubemos da lacuna deixada no interior, onde o desrespeito à legislação de trânsito é grande até pela ausência de regras, já que apenas 33 municípios integram o Sistema Nacional de Trânsito (SNT). Por isso estamos fazendo um trabalho com as gerências de saúde para planejar a atuação da Lei Seca”, acrescenta o major.
PASSEIO CICLÍSTICO Os oito anos da Operação Lei Seca em Pernambuco serão comemorados com uma ampla programação que terá início com uma pedalada neste domingo. O 1º Passeio Ciclístico Todos Pela Lei Seca acontecerá a partir das 8h e terá um percurso de 11 quilômetros, entre o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, no Derby, e o Marco Zero do Recife, onde serão realizadas ações educativas.
Foto: Guga Matos/Acervo JC Imagem
ENTREVISTA/MOTORISTA
A motorista citada na entrevista foi pega numa blitz de Lei Seca ainda em 2012, quando a operação começava no País. Até hoje não teve a CNH suspensa. Somente depois de cinco anos foi que recebeu o comunicado para entregar o documento e decidiu recorrer da determinação. Mas apesar da demora e do prejuízo de quase R$ 3 mil com a multa, tirou lições do que viveu e mudou completamente de hábitos. Já não dirige depois de beber.
Jornal do Commercio – Há quanto tempo você foi pega na blitz da Lei Seca e como tudo aconteceu?
Motorista – Tudo aconteceu em 2012. Eu voltava de uma pizzaria e fui parada em Olinda. Nesse dia, eu tinha tomado umas duas cervejas e fiquei na dúvida se deveria fazer o bafômetro ou não. Como a quantidade de álcool ingerida tinha sido pouca, resolvi arriscar. Na época, o permitido era até 0.14. O bafômetro acusou 0.17. Uma diferença muito pequena, mas que não evitou a multa.
JC – Você acha que o processo de abordagem foi correto? Ou seja, de fato você deveria ter sido autuada por alcoolemia?
Motorista – Na época em que fui multada, ainda havia o limite de tolerância. Foi pouquíssimo o que eu ultrapassei desse percentual, porque realmente tinha ingerido uma quantidade mínima de cerveja. Tanto que não me recusei a fazer o bafômetro. Achei que estaria dentro do permitido. Mas, infelizmente, o resultado apontou para uma dosagem a mais do que a legislação considerava aceitável.
JC – Quanto tempo você esperou para ter a CNH suspensa?
Motorista – Foram anos sem nenhum comunicado do Detran. Por isso, terminei não recorrendo. Quando finalmente chegou o comunicado da suspensão, há dois anos, corri para recorrer na última instância permitida. Estou agora aguardando essa resposta. Mas minha carteira ainda não foi suspensa.
JC – Por que você decidiu recorrer da autuação?
Motorista – Decidi recorrer porque realmente para a minha rotina será muito complicado ficar sem carro. Uso o automóvel diariamente para me deslocar para o trabalho, para atividades na cidade e em viagens de fim de semana. Então, será uma perda grande ficar um ano sem poder dirigir.
JC – Na sua opinião, a longa espera compromete a eficiência da Lei Seca?
Motorista – Acredito que sim. Embora beneficie o motorista, porque ele ganha mais prazo, compromete a eficácia da Lei Seca porque permite que a pessoa multada continue dirigindo. Na prática, o efeito punitivo termina sendo só no bolso. Vejo o meu caso mais como exceção do que regra. Não tenho dados oficiais, mas imagino que a maior parte das pessoas multadas por alcoolemia ingeriram uma quantidade grande de álcool, o que coloca em risco a vida de todos, não só o do motorista.
JC – Mas, independentemente da demora, ser pego na Lei Seca fez você mudar de hábitos ao volante? Quais as lições que você tira desse processo?
Motorista – Mudou completamente meus hábitos. Tanto que nem acho negativo o que aconteceu. Talvez, se não tivesse sido multada, logo no início das abordagens, eu vivesse situações mais complicadas no trânsito. Porque é um processo educativo. Por mais conhecimento da lei que o motorista tenha, ele sempre pode achar que a quantidade ingerida é mínima e não vai causar nenhum risco na direção. Mas é justamente esse “achismo” que contribui para provocar tantas mortes. Se a lei diz que o motorista não pode ingerir uma gota de álcool não tem que ter jeitinho. É não beber e pronto.