Antes mesmo de começar a operar no Recife e tendo apenas uma promessa de que isso acontecerá em breve, o Uber Moto, serviço de transporte individual remunerado de passageiros por aplicativo utilizando motocicletas, já começa a ganhar defensores na capital pernambucana. E, ao mesmo tempo, inicia a preparação do caminho para operar legalmente na cidade. A Câmara de Vereadores do Recife aprovou a realização de uma audiência pública para discutir o Uber Moto no dia 9 de junho, das 15h às 17h.
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A audiência foi proposta pelo vereador Marco Aurélio Filho (PRTB), que defende o serviço diante do desemprego da população devido à crise provocada pela pandemia de covid-19. A discussão na Câmara seria o primeiro passo para viabilizar o novo transporte no Recife. “O povo clama por oportunidade de emprego e num momento que uma empresa conceituada como a Uber, que já é autorizada por lei a trabalhar no Recife, por que não incluir esta modalidade de transporte por motocicletas? Já funciona em outros estados e é necessário que possamos buscar alternativas legais para que a CTTU inclua esta nova modalidade de serviço”, defendeu Marco Aurélio Filho.
Na verdade, a Uber Moto só funciona no Brasil na cidade de Aracaju (SE). A Prefeitura de Aracaju havia informado que a empresa operava sustentada por uma liminar - já que o serviço nunca foi regulamentado na capital sergipana -, mas a Uber negou. Informou que a atividade está prevista na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012) e que é distinta de categorias de transporte público individual em motocicletas, como o mototáxi. Alegou, ainda que a lei federal não faz distinção quanto ao tipo de veículo - podendo ser automóvel ou motocicleta.
Na semana passada a empresa anunciou que “em algumas semanas”, o serviço chegaria ao Recife, sem definir datas. O Uber Moto teria o valor das corridas menor do que o do UberX e, segundo promete a empresa, o padrão e a segurança do app seriam os mesmos do serviço realizado por carros.
Todas as viagens iriam incluir a checagem de antecedentes dos parceiros e dar aos usuários a possibilidade de compartilhar com seus contatos a placa, a identificação do condutor e sua localização no mapa, em tempo real. A ideia da Uber, inclusive, é aproveitar o quadro de motociclistas cadastrados no Uber Eats, além de abrir para novos parceiros.
Na defesa da sua proposta, o vereador Marco Aurélio Filho argumenta o mesmo que a Uber: que a legislação, tanto a nacional como a municipal, não especifica que o serviço de transporte remunerado individual de passageiros só pode ser prestado por automóveis. “Estamos querendo entender o modelo, a proposta. Sabemos que é um debate muito polêmico, inclusive que lembra o processo de retirada das antigas kombis-lotação. E a lei que regulamenta o transporte remunerado individual de passageiros por aplicativo não especifica nada sobre o transporte por moto. Então, se há essa lacuna, porque não aproveitar e implementar o serviço. Até porque a gente sabe que ele já é uma realidade nas comunidades da cidade”, diz.
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E vai além. Diz que a entrada da Uber Moto pode ser uma forma de qualificar o serviço. “Seria uma maneira de chegarmos junto dessa categoria, profissionalizá-la. A partir do momento que isso acontecer, teríamos organização, segurança, treinamento, exigência de documentos em dia, controle da velocidade. Há um interesse da empresa em qualificar essas pessoas. Por isso, acho que o debate é salutar e que precisamos encontrar alternativas para a população que está desempregada, que faz a famosa “viração”. Então, porque não debater essa questão legitimamente para a gente ver se consegue implementar essa nova modalidade no Recife, que eu acho ser justa”, reforça Marco Aurélio Filho.
O vereador é filho do deputado estadual Marco Aurélio, que em 2018 defendeu e, por muito pouco, não convenceu o então prefeito Geraldo Julio (PSB) a desligar a fiscalização eletrônica de velocidade nos horários de pico no Recife. Somente após uma grita da sociedade - principalmente da ala científica que lida com os impactos da segurança viária no Brasil -, a ideia foi deixada de lado.
OBSTÁCULOS
A entrada da Câmara de Vereadores do Recife é, de fato, o caminho mais seguro para que o Uber Moto possa vir a operar dentro da legalidade na capital. Se não for a partir de uma legislação específica, terá que ser na clandestinidade ou por força de alguma liminar judicial - como acontece em Sergipe.
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São muitos obstáculos para o serviço ser oficializado na capital. Isso porque o transporte remunerado individual privado de passageiros é vetado às motocicletas na capital pernambucana. Mesmo sendo por aplicativo. A regulamentação que validou o transporte por app é restrita a automóveis. Ou seja, quem aderir à nova modalidade estará praticando o transporte clandestino de passageiros e poderá ser multado em quase R$ 4 mil, além de ter a motocicleta apreendida.
É a mesma punição para qualquer tipo de veículo que faz o transporte remunerado de passageiros - tanto coletivo como individual - sem autorização do município do Recife. É uma multa criada ainda na época do combate ao transporte clandestino feito por Kombis de lotação. E caso a Uber não respeite a legislação e insista na operação, como aconteceu no mundo e quando chegou ao Brasil, em 2015, viveremos outra guerra como a travada naqueles anos, até a regulamentação acontecer.
“A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) ressalta que a legislação que regulamenta o transporte por aplicativo prevê apenas veículos de passeio. Quaisquer outros meios de transporte por aplicativo, portanto, são proibidos. E como não existe no âmbito municipal uma legislação que regulamente o mototáxi, a orientação da legislação é seguir apenas com o uso de veículos de passeio", afirmou a CTTU por nota.
Estamos querendo entender o modelo, a proposta. Sabemos que é um debate muito polêmico, inclusive que lembra o processo de retirada das antigas kombis-lotação. E a lei que regulamenta o transporte remunerado individual de passageiros por aplicativo não especifica nada sobre o transporte por moto. Então, se há essa lacuna, porque não aproveitar e implementar o serviço. Até porque a gente sabe que ele já é uma realidade nas comunidades da cidade”,Marco Aurélio Filho, vereador do Recife
Ou seja, para que a Uber Moto opere na capital será necessário criar uma legislação específica para isso ou promover uma alteração da Lei Municipal 18.528/2018, que regulamentou o transporte remunerado individual privado de passageiros intermediados por plataformas digitais no município do Recife. Um projeto de lei terá que ser aprovado na Câmara Municipal do Recife e sancionado pelo prefeito João Campos (PSB). Já nas cidades onde o mototáxi é validado - caso a Uber queira entrar -, a briga será semelhante à travada entre motoristas de aplicativo e os taxistas. Lembram?
O PERIGO DAS MOTOS
Na capital pernambucana, o desafio da Uber será convencer as autoridades que gerem o trânsito e o transporte de passageiros de que a motocicleta é equipamento seguro para transportar passageiros e, ainda, cobrar uma tarifa por isso. Cidades do interior de Pernambuco e até algumas da Região Metropolitana do Recife regulamentaram o transporte de passageiros por motos, mas a capital nunca liberou por temer os riscos. Por isso, será uma tarefa árdua para a Uber.
O histórico das motos na segurança viária é perverso. É assustador no País, ainda mais no Nordeste. As motocicletas seguem sendo o recorte mais cruel e custoso da violência no trânsito. As mortes de ocupantes de motocicletas saltaram de 13,5% em 2000 para 41,7% em 2019. Isso em todo País. Elas respondem por 40% das ocupações de leitos nas unidades de saúde pública destinadas às vítimas do trânsito - em média 60% dos hospitais. A vítima da motocicleta geralmente sofre politraumatismos e, por isso, fica mais tempo internada. Podem ser meses e meses. E geralmente são. Enquanto as colisões de trânsito duplicaram no Brasil entre 1996 e 2017, as que envolveram motos aumentaram 16 vezes. Os dados são do estudo Impactos Socioeconômicos dos Acidentes de Transporte no Brasil, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), da ONU. E os feridos, muitos deles mutilados, custam caro para o País. Muito caro. Foram gastos R$ 1,5 trilhão em onze anos, o que representa uma despesa anual de R$ 132 bilhões.
No Nordeste, a situação é ainda mais grave. Enquanto as colisões de trânsito duplicaram no Brasil entre 1996 e 2017, as que envolveram motos aumentaram 16 vezes. Na região Nordeste, o envolvimento das motos foi 24 vezes maior e, em Pernambuco, aumentou 33 vezes, fazendo o Estado gastar, anualmente, R$ 6,1 bilhões com as vítimas da mobilidade.