A mesma Polícia Rodoviária Federal (PRF) que parou o motoqueiro Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, às margens da BR-101, no interior de Sergipe, por não estar utilizando o capacete - e o teria matado ao trancá-lo na mala da viatura após jogar gás lacrimogêneo no interior do veículo -, é a que fechou os olhos a alguns dos muitos episódios de desrespeito à legislação de trânsito pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.
Isso precisa ser dito e lembrado.
A violência contra Genivaldo de Jesus foi gravada por populares - que poderiam ter demonstrado mais revolta diante das cenas, o que também é verdade - e, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Sergipe, ele morreu após sofrer insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia mecânica.
Para além da violência absurda e que demonstra um nível impressionante de despreparo daqueles policiais rodoviários federais brasileiros na abordagem ao cidadão, é impossível não comparar os critérios da instituição nos dois casos. São dois pesos e duas medidas.
Para o cidadão comum - e se for negro ou pobre ainda mais -, a força da lei, a cobrança ao pé da letra do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Ao presidente da República a benevolência e o afago. A normalização de qualquer ato irregular no trânsito, que no Brasil é uma máquina de fazer mortes, vale ressaltar. Mais de 32 mil mortos e pelo menos 300 mil sequelados anualmente.
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É claro que o não uso de equipamento de segurança como um capacete é razão para abordagem da fiscalização de trânsito. Não questionamos esse aspecto. Até porque é considerada infração gravíssima (multa de R$ 293,47 e sete pontos na CNH), além de resultar na perda “imediata” da CNH (ou seja, independentemente da pontuação, ela gera a suspensão do direito de dirigir).
E que, o que é mais importante, o não uso do capacete condena o motociclista à morte ou a sequelas gravíssimas no caso de um sinistro de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se diz. Entenda a razão).
Mas alimenta um gosto de injustiça ao ver uma instituição como a PRF fazer o que fez com um homem sem capacete e fechar os olhos às imprudências do chefe maior do País - que deveria ser o primeiro a dar os melhores exemplos posssíveis.
O mau exemplo de Bolsonaro no trânsito. De novo e de novo
Para quem não lembra, Bolsonaro já sapateou sobre o CTB pelo menos três vezes e, na mais grave delas - quando conduziu uma motocicleta de alta cilindrada sem capacete e transportando um passageiro também desprotegido - estava nas “barbas” dos PRFs.
RELEMBRE
Em maio de 2021, com o Brasil ainda chorando seus mortos por covid-19, o presidente Jair Bolsonaro pilotou uma motocicleta sem capacete e ainda levou na garupa passageiros famosos, também sem os equipamentos de segurança - o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Ferreira, e o empresário Luciano Hang.
Era a inauguração da Ponte do Abunã, sobre o Rio Madeira, na BR-364, em Rondônia (RO), que ainda não tinha sido liberada ao tráfego de veículos. Era uma cerimônia. Por isso, o presidente, mesmo que não fosse o presidente, não poderia ser multado.
Mas, caso a via estivesse aberta e Bolsonaro não fosse o presidente da República, teria cometido duas infrações ao mesmo tempo: conduzir motocicleta sem capacete e transportar passageiro sem o equipamento de segurança. Somaria 14 pontos na CNH de uma só vez. E se fosse notificado por cada um dos passageiros transportados, esse número ultrapassaria os 20 pontos na CNH.
Dois meses depois, o presidente aprontou de novo, também sob o olhar dos fiscalizadores do trânsito. Dessa vez foi durante uma motociata no Rio de Janeiro. Conduziu uma motocicleta com o capacete errado, indicado para uso da prática de skate. Bolsonaro deveria estar com um equipamento apropriado para a moto.
Um capacete modular - que protege efetivamente a cabeça, inclusive a zona frontal –, com viseira, utilizada sempre fechada durante a condução do veículo. E, caso fosse usar um capacete para a prática de motocross, que não tem viseira integrada, deveria obrigatoriamente estar com óculos de proteção.
Mas, como presidente da República, passou ileso em todas as situações, mesmo cercado da fiscalização de trânsito em todos os seus níveis.
Já Genivaldo de Jesus não conseguiu escapar e morreu asfixiado numa “viatura-câmara-de-gás” por não estar conduzindo uma motocicleta sem capacete.
No boletim, os policiais admitiram que usaram espargidor de pimenta e gás lacrimogêneo quando Santos já estava no porta-malas, uma vez que, de acordo com a equipe da PRF, a vítima teria resistido a permanecer no compartimento. Os dois foram afastados das funções de rua, a única punição por enquanto.