Uber e 99 Moto: MPT determina a identificação dos aplicativos nas quedas e colisões em Pernambuco

O objetivo é responsabilizar as plataformas pela ausência de condições de trabalho para os condutores e a consequente insegurança dos passageiros

Publicado em 30/10/2024 às 14:40 | Atualizado em 30/10/2024 às 14:46

As quedas e colisões de condutores e passageiros dos aplicativos de transporte de passageiros, como Uber e 99 Moto, e dos deliverys, como IFood, acenderam um alerta em mais uma instituição pública.

Depois do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e do Corpo de Bombeiros, é o Ministério Público do Trabalho (MPT), que entrou em cena para tentar reduzir o estrago e, principalmente, cobrar responsabilidade das plataformas e do poder público sobre a verdadeira epidemia vivenciada nas ruas, avenidas e até mesmo rodovias.

Pelo menos em Pernambuco, o MPT está exigindo que as vítimas das motocicletas sejam identificadas quando estiverem usando um aplicativo de transporte ou de entrega com motos. O objetivo do órgão é responsabilizar, sob a ótica das indenizações trabalhistas, as plataformas digitais pela ausência de condições de trabalho para os condutores e a consequente insegurança provocada aos passageiros.

Assim, quer que os serviços de saúde que prestam o primeiro atendimento às vítimas, ainda no local dos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT), coletem as informações identificando qual o app e se são condutores ou passageiros.

“Nós resolvemos usar os dados do estrago que esse tipo de serviço, com motos, está provocando na saúde. Estamos falando de pessoas que trabalham 14 horas por dia e que, quando se machucam, a ocorrência é registrada apenas como sinistro de trânsito e, não, de trabalho. Há uma subnotificação dos episódios”, explica a procuradora do Trabalho, Vanessa Patriota.

GABRIEL FERREIRA/JC IMAGEM
Em um único fim de semana, o SAMU atendeu a 163 ocorrências com vítimas das motos (passageiros e condutores) no Grande Recife - GABRIEL FERREIRA/JC IMAGEM

“Assim, queremos que o SAMU oriente os seus profissionais para que, na realização do atendimento, tente identificar se as vítimas trabalham com aplicativos. Às vezes, até o fato de ver uma bag, por exemplo, no local do sinistro, já é uma informação importante. Estamos discutindo com o SAMU e iremos pedir o mesmo aos Bombeiros”, afirma a procuradora.

Segundo Vanessa Patriota, o foco maior é, sem dúvida, o serviço prestado com motocicletas, mas os trabalhadores que usam carro serão alvo, já que também desempenham uma jornada excessiva.

“Nós vamos realizar um treinamento dos profissionais de saúde para esse tipo de registro. Esse treinamento será feito nos Centros de Referência de Saúde do Trabalhador (Cerest). Já existe uma Nota Técnica orientando esse procedimento no SUS. Queremos o mesmo no Estado”, pontua a procuradora.

Os Cerests são um serviço especializado no atendimento à saúde do trabalhador no SUS.

RESPONSABILIZAÇÃO É ASSUNTO POLÊMICO

A procuradora Vanessa Patriota explica que a responsabilização das plataformas digitais sobre as condições de trabalho de seus ‘parceiros’ é assunto polêmico e que se arrasta judicialmente.

Das oito turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), cinco reconhecem o vínculo e três não. A procuradora, inclusive, teve uma tese de doutorado sobre o trabalho plataformizado.

NÚMEROS DE QUEDAS E COLISÕES COM PASSAGEIROS E CONDUTORES DE APPS NÃO PARAM DE CRESCER

GUGA MATOS/JC IMAGEM
Passageiro e piloto de aplicativos de transporte com motos, como Uber e 99 Moto - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Os números do SAMU não param de crescer na Região Metropolitana do Recife e, principalmente, na capital pernambucana. Deixam evidente a relação direta dessa tragédia evitável sobre duas rodas com o crescimento dos serviços de aplicativo de transporte remunerado de passageiros com motos e os deliverys.

Foram 2.464 casos a mais de atendimentos a ocupantes de motos - condutor e passageiro - nos 14 municípios da Região Metropolitana do Recife em 2023. A comparação é com o ano de 2022.

Somente no Recife, foram registrados 1.322 atendimentos a mais no mesmo período. Quando o recorte é comparado com o ano de 2021, os números são ainda mais impressionantes. A RMR registrou, em 2023, 3.048 casos a mais, enquanto a capital pernambucana teve quase dois mil casos a mais (1.879).

Vale destacar que as plataformas criaram o Uber e 99 Moto no fim de 2021 como solução à crise econômica e a perda de motoristas parceiros e passageiros devido à pandemia de covid-19. A primeira cidade foi Aracaju, capital de Sergipe. Em Pernambuco, o serviço de Uber e 99 Moto começou no início de 2022 - o que confirma a relação direta com o crescimento dos números no Grande Recife.

E a tragédia sobre duas motos segue em 2024. Números do SAMU computados nos três primeiros meses deste ano confirmam: já são 2.492 atendimentos de ocupantes de motos na RMR , dos quais 1.469 foram no Recife.

MAIS DE 25 MIL VÍTIMAS ATENDIDAS EM SINISTROS DE TRÂNSITO COM MOTOS NO GRANDE RECIFE

Guga Matos/JC Imagem
Passageiro e piloto de aplicativos de transporte com motos, como Uber e 99 Moto - Guga Matos/JC Imagem

Entre 2021 e março de 2024, a Região Metropolitana do Recife teve nada menos do que 25.738 atendimentos de vítimas de motos pelo SAMU. Enquanto a capital teve 14.636.

O Recife é a cidade que lidera o ranking negativo do SAMU - e, mesmo assim, a Prefeitura do Recife segue sem reagir ao crescimento do serviço de Uber e 99 Moto, sob o cômodo argumento de que está impedida de fazer qualquer fiscalização por uma decisão judicial. Decisão de 2020 e que, vale destacar, citava apenas o transporte de passageiros por aplicativo com carros.

JABOATÃO DOS GUARARAPES E OLINDA COM ALTOS ÍNDICES

Depois da capital pernambucana, as cidades com os maiores índices de atendimentos a feridos em quedas e colisões com motos na Região Metropolitana são Jaboatão dos Guararapes e Olinda. Enquanto o Recife já acumula 14.636 casos entre 2021 e março de 2024, Jaboatão tem 2.749, e Olinda, 2.023.

Dos quase 26 mil casos registrados pelo SAMU na RMR desde 2021, 19.200 foram entre 2022 e 2024 - exatamente o período de entrada do Uber e 99 Moto no Grande Recife.
Quando o recorte é feito apenas sobre a capital pernambucana, o mesmo cenário preocupante se destaca. Dos 14.636 atendimentos, 11.059 foram registrados entre 2022 e 2024.

CONFIRA OS NÚMEROS DO SAMU

Ano - RMR - Recife
2021 - 6.538 - 3.577
2022 - 7.122 - 4.134
2023 - 9.586 - 5.456
2024 - 2.492 - 1.469

Total: 25.738 - 14.636

(*) Em 2024, os dados são referentes até o mês de março.

Recorte da RMR:
De 2021 para 2023 = 3.048
De 2022 para 2023 = 2.464

3 primeiros meses de 2021 = 1.613
3 primeiros meses de 2022 = 1.499
3 primeiros meses de 2023 = 2.098

Recorte do Recife:
De 2021 para 2023 = 1.879
De 2022 para 2023 = 1.322

3 primeiros meses de 2021 = 835
3 primeiros meses de 2022 = 850
3 primeiros meses de 2023 = 1.160

Cidades com mais atendimentos de vítimas das motos na RMR:

Cidade - 2021 - 2022 - 2023 - 2024

Recife - 3.577 - 4.134 - 5.456 - 1.469 (*)
Total: 14.636

Jaboatão dos Guararapes - 793 - 680 - 1.003 - 273 (*)
Total: 2.749

Olinda - 562 - 492 - 778 - 191 (*)
Total: 2.023

(*) Em 2024, os dados são referentes até o mês de março.

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