Uber e 99 Moto: motoqueiro de aplicativo morre atropelado por carreta e expõe perigo do serviço de transporte com motos

A permissão para que condutores de Uber e 99 Moto trafeguem em rodovias, como as BRs 232 e 101, deixa ainda mais vulnerável quem usa motocicletas

Publicado em 12/11/2024 às 12:30 | Atualizado em 12/11/2024 às 12:56

Um motoqueiro de aplicativo de transporte de passageiros, como Uber e 99 Moto, morreu atropelado por uma carreta quando trafegava pela BR-232, na altura do bairro de Jardim São Paulo, na Zona Oeste do Recife, na manhã desta terça-feira (12/11). Antes do atropelamento, que aconteceu na alça de acesso à Ceasa, o condutor teria se envolvido numa colisão com uma motorista e caído na rodovia, sendo atropelado em seguida.

A vítima foi identificada como Gleydson Felipe de Azevedo, motorista de aplicativo que estava indo buscar uma passageira em frente à Ceasa, localizada às margens da BR-101.

A carreta passou exatamente sobre o abdômen do motoqueiro, que morreu na hora. O motorista do veículo pesado fugiu do local do sinistro de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) sem prestar socorro à vítima.

A colisão, seguida do atropelamento, aconteceu por volta das 8h. Segundo amigos e familiares afirmaram à TV Jornal, Gleydson Felipe de Azevedo pilotava motos há 18 anos e nunca tinha sofrido uma colisão. Nesta terça, saiu de casa, no Ibura, na Zona Sul da capital, para pegar uma passageira na Ceasa.

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o motoqueiro trafegava pela pista principal da rodovia e, no acesso à alça, houve a colisão com um automóvel, conduzido por uma motorista. Após colidir com o carro, o motociclista acabou caindo na rodovia e sendo atropelado pela carreta que vinha atrás.

A PRF informou que a motorista do carro não se feriu e que o teste de bafômetro não indicou a presença de álcool. Mas não foi informado qual dos dois condutores teria provocado a colisão no acesso à alça.

OUTRAS MORTES DE MOTOQUEIROS E PASSAGEIROS DO UBER E 99 MOTO NAS BRS

PRF
Motoqueiro de aplicativo de transporte, como Uber e 99 Moto, colide com carro, cai em rodovia e é atropelado por carreta na BR-232 - PRF

As últimas mortes violentas de passageiros e condutores de aplicativos de transporte com motos no Grande Recife aconteceram em BRs, principalmente a BR-232 e a BR-101. Pelo menos as que tiveram morte imediata, o que evidencia o perigo do tráfego de motocicletas em rodovias, ainda mais as federais, que têm um tráfego intenso de veículos pesados.

As mortes mais graves e que ganharam destaque na mídia aconteceram exatamente nessas duas BRs, que cortam a RMR. Um dos casos mais violentos aconteceu em junho, na BR-101, altura da Vila dos Milagres, bairro do Ibura.

Fernanda Gabriela Lira, de 30 anos, gerente de loja, estava na garupa de um motoqueiro da 99 Moto, quando foi literalmente ‘sugada’ por uma carreta, depois que o condutor, de forma imprudente, ficou entre o veículo e um caminhão.

O atropelamento da passageira chamou atenção pela violência e pela vulnerabilidade do uso de motocicletas para o transporte remunerado de passageiros, principalmente em rodovias, que costumam ter tráfego intenso e de veículos pesados.
Enquanto a passageira morreu na hora, o condutor conseguiu pular da moto e teve apenas ferimentos leves.

Um pouco antes, em abril, um passageiro que viajava de aplicativo por motos morreu depois de cair da motocicleta e ser atropelado por uma carreta que trafegava ao lado, também na BR-101, km 62, altura do bairro da Macaxeira, na Zona Norte do Recife.

Guga Matos/JC Imagem
Especialistas temem que a adoção das motofaixas estimule a velocidade e o uso de motos no Recife, que tem sofrido com a explosão das quedas e colisões de condutores e passageiros do serviço de Uber e 99 Moto - Guga Matos/JC Imagem

Segundo informações da PRF, o condutor da motocicleta trafegava na BR-101, sentido Paulista-Recife, ao lado de uma carreta, quando o motorista de um carro que seguia atrás da carreta tentou mudar de faixa. O motoqueiro se desequilibrou na condução da moto e tombou na rodovia.

O passageiro da moto foi atropelado pela carreta que trafegava ao lado e morreu na hora. O condutor da motocicleta teve apenas ferimentos leves e não precisou ser socorrido, também segundo a PRF.

Casos de passageiros feridos, mutilados e até mortos em viagens de aplicativo de transporte por motos, como Uber e 99 Moto, têm aumentado em todo o País, assim como em Pernambuco. Não faltam exemplos pelo Brasil.

ATIVIDADE DE UBER E 99 MOTO NÃO REGULAMENTADA

O primeiro serviço de aplicativos com motos foi lançado em Aracaju, capital de Sergipe, no fim de 2021. Porém, não há leis municipais específicas para este tipo de transporte em muitas cidades, principalmente capitais - onde a Uber e 99 Motos têm chegado com força.

As empresas se amparam em uma lei federal de 2018, que prevê regulamentação pelos municípios e permite transporte remunerado privado individual de passageiros por motoristas cadastrados em aplicativos.

Baseiam-se, também, em um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que diz: "a proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência".

A Lei 13.640, de 2018, e a decisão do Supremo não dizem respeito especificamente ao transporte por moto, mas de veículos automotores, de forma geral.

MPT QUER A IDENTIFICAÇÃO DOS APLICATIVOS NOS CASOS DE QUEDAS E COLISÕES

Depois do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e do Corpo de Bombeiros, foi o Ministério Público do Trabalho (MPT) que entrou em cena para tentar reduzir o estrago e, principalmente, cobrar responsabilidade das plataformas e do poder público sobre a verdadeira epidemia vivenciada nas ruas, avenidas e até mesmo rodovias.

Pelo menos em Pernambuco, o MPT está exigindo que as vítimas das motocicletas sejam identificadas quando estiverem usando um aplicativo de transporte ou de entrega com motos. O objetivo do órgão é responsabilizar, sob a ótica das indenizações trabalhistas, as plataformas digitais pela ausência de condições de trabalho para os condutores e a consequente insegurança provocada aos passageiros.

Assim, quer que os serviços de saúde que prestam o primeiro atendimento às vítimas, ainda no local dos sinistros de trânsito, coletem as informações identificando qual o app e se são condutores ou passageiros.

“Nós resolvemos usar os dados do estrago que esse tipo de serviço, com motos, está provocando na saúde. Estamos falando de pessoas que trabalham 14 horas por dia e que, quando se machucam, a ocorrência é registrada apenas como sinistro de trânsito e, não, de trabalho. Há uma subnotificação dos episódios”, explicou a procuradora do Trabalho, Vanessa Patriota.

“Assim, queremos que o SAMU oriente os seus profissionais para que, na realização do atendimento, tente identificar se as vítimas trabalham com aplicativos. Às vezes, até o fato de ver uma bag, por exemplo, no local do sinistro, já é uma informação importante. Estamos discutindo com o SAMU e iremos pedir o mesmo aos Bombeiros”, afirmou a procuradora.

Segundo Vanessa Patriota, o foco maior é, sem dúvida, o serviço prestado com motocicletas, mas os trabalhadores que usam carro serão alvo, já que
também desempenham uma jornada excessiva.

NÚMEROS DE QUEDAS E COLISÕES COM PASSAGEIROS E CONDUTORES DE APPS NÃO PARAM DE CRESCER

Gabriel Ferreira/JC Imagem
Quem já sofreu uma queda ou colisão como passageiro dos aplicativos de transporte com motos, como Uber e 99 Moto, não esquece jamais - Gabriel Ferreira/JC Imagem

Os números do SAMU não param de crescer na Região Metropolitana do Recife e, principalmente, na capital pernambucana. Deixam evidente a relação direta dessa tragédia evitável sobre duas rodas com o crescimento dos serviços de aplicativo de transporte remunerado de passageiros com motos e os deliverys.

Foram 2.464 casos a mais de atendimentos a ocupantes de motos - condutor e passageiro - nos 14 municípios da Região Metropolitana do Recife em 2023. A comparação é com o ano de 2022.

Somente no Recife, foram registrados 1.322 atendimentos a mais no mesmo período. Quando o recorte é comparado com o ano de 2021, os números são ainda mais impressionantes. A RMR registrou, em 2023, 3.048 casos a mais, enquanto a capital pernambucana teve quase dois mil casos a mais (1.879).

Vale destacar que as plataformas criaram o Uber e 99 Moto no fim de 2021 como solução à crise econômica e a perda de motoristas parceiros e passageiros devido à pandemia de covid-19. A primeira cidade foi Aracaju, capital de Sergipe. Em Pernambuco, o serviço de Uber e 99 Moto começou no início de 2022 - o que confirma a relação direta com o crescimento dos números no Grande Recife.

E a tragédia sobre duas motos segue em 2024. Números do SAMU computados nos três primeiros meses deste ano confirmam: já são 2.492 atendimentos de ocupantes de motos na RMR , dos quais 1.469 foram no Recife.

MAIS DE 25 MIL VÍTIMAS ATENDIDAS EM SINISTROS DE TRÂNSITO COM MOTOS NO GRANDE RECIFE

Entre 2021 e março de 2024, a Região Metropolitana do Recife teve nada menos do que 25.738 atendimentos de vítimas de motos pelo SAMU. Enquanto a capital teve 14.636.

O Recife é a cidade que lidera o ranking negativo do SAMU - e, mesmo assim, a Prefeitura do Recife segue sem reagir ao crescimento do serviço de Uber e 99 Moto, sob o cômodo argumento de que está impedida de fazer qualquer fiscalização por uma decisão judicial. Decisão de 2020 e que, vale destacar, citava apenas o transporte de passageiros por aplicativo com carros.

JABOATÃO DOS GUARARAPES E OLINDA COM ALTOS ÍNDICES

Depois da capital pernambucana, as cidades com os maiores índices de atendimentos a feridos em quedas e colisões com motos na Região Metropolitana são Jaboatão dos Guararapes e Olinda. Enquanto o Recife já acumula 14.636 casos entre 2021 e março de 2024, Jaboatão tem 2.749, e Olinda, 2.023.

Dos quase 26 mil casos registrados pelo SAMU na RMR desde 2021, 19.200 foram entre 2022 e 2024 - exatamente o período de entrada do Uber e 99 Moto no Grande Recife.

Quando o recorte é feito apenas sobre a capital pernambucana, o mesmo cenário preocupante se destaca. Dos 14.636 atendimentos, 11.059 foram registrados entre 2022 e 2024.

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