Transporte público em crise: BRT foi um sonho de qualidade que não vingou
O BRT foi a aposta de algumas metrópoles brasileiras, entre elas o Rio de Janeiro, São Paulo e o Recife, onde o sistema enfrenta inúmeros problemas
Copiado de Curitiba, no Paraná, ele foi pensado para qualificar o transporte público por ônibus nas cidades que tentavam criar uma infraestrutura coletiva para a Copa do Mundo de 2014. Chegava a era do BRT (Bus Rapid Transit) no Brasil. Tendo como base três características que, sendo respeitadas, transformariam o sistema em ‘metrôs sobre pneus’: pagamento antecipado da tarifa, embarque em nível e corredores exclusivos de circulação.
O BRT foi a aposta de mobilidade urbana de algumas metrópoles brasileiras, entre elas o Rio de Janeiro, São Paulo e o Recife. O sistema, inclusive, virou a grande aposta do então governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) para o transporte público da Região Metropolitana do Recife, sob gestão do Estado. Assim como foi e está sendo uma das bandeiras do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que criou e agora ressuscitou o sistema na capital.
No Grande Recife, entretanto, o BRT não deu certo. Os dois corredores em operação - o Leste-Oeste, com 16 km ligando o Centro do Recife e Camaragibe, na área oeste da RMR, e o Norte-Sul, com 33 km fazendo a ligação do Centro com Igarassu, na área norte da RMR - seguem com problemas de infraestrutura e prioridade viária, dez anos depois do início da operação. E, acreditem, até hoje, ainda estão incompletos, com o governo de Pernambuco buscando recursos junto ao governo federal para concluí-los.
SISTEMA FOI ABANDONADO PELO ESTADO, SOB GESTÃO DO PSB, E TOTALMENTE VANDALIZADO
O que era para ser símbolo de qualidade, virou retrato do abandono. Aliás, o BRT quase chegou à morte no Grande Recife. Não é exagero afirmar isso. E pelo menos um dos corredores - o Norte-Sul - segue operando completamente descaracterizado do conceito BRT, com mais da metade das estações fechadas pela vandalização.
Em Pernambuco, a situação é muito grave. E já vinha de antes da crise sanitária. O BRT Via Livre, composto por dois corredores conectando o Centro do Recife às regiões Norte e Oeste da Região Metropolitana, ficou oneroso demais para o governo de Pernambuco.
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Por fazer parte dos dois únicos lotes do transporte público metropolitano que foram licitados ainda em 2014, o desequilíbrio econômico-financeiro precisa ser coberto pelo Estado. O sistema nunca alcançou a demanda projetada lá atrás - 300 mil passageiros por dia - e segue sofrendo com a falta de prioridade viária nos percursos, situação acompanhada por inertes gestões públicas. A covid-19, lógico, potencializou tudo isso.
O BRT pernambucano também foi completamente vandalizado. Por duas vezes. A primeira, ainda antes da pandemia, no fim de 2019, quando vândalos começaram a furtar a infraestrutura das estações - equipamentos, é importante destacar, pensados para ter uma sofisticação que não condiz com a realidade brasileira, sendo os únicos refrigerados do País.
Além de Pernambuco, somente Dubai, nos Emirados Árabes, têm estações de BRT com ar-condicionado. Mas até mesmo a refrigeração o sistema pernambucano perdeu. Depois do piso e tudo que pudesse ter alumínio, os vândalos roubaram a fiação e parte dos sistemas de ar-condicionado. Restou pouca coisa.
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A segunda vandalização foi ainda maior, já durante os primeiros meses da pandemia de covid-19, por volta de julho de 2020. No Norte-Sul, todas as estações foram “depenadas”. Não restou nenhuma. Assim como a primeira, a segunda vandalização teve como razão a decisão do governo estadual de retirar a segurança patrimonial que cuidava dos equipamentos à noite, durante a paralisação da operação.
Para economizar R$ 650 mil por mês, tirou os vigilantes e transferiu a responsabilidade para a Polícia Militar de Pernambuco, que não conseguiu dar conta da vigilância patrimonial diante das demandas da segurança pública urbana em geral. E, dessa vez, a degradação chegou também ao Corredor Leste-Oeste.
“Infelizmente, é evidente que estão querendo acabar com o BRT pernambucano, principalmente o Corredor Norte-Sul. As estações não funcionam, apenas entre o Shopping Tacaruna e o Centro do Recife e, mesmo assim, sem ar-condicionado e com problemas frequentes para a recarga de créditos. Os BRTs articulados já foram retirados e substituídos por veículos menores, que não atendem da mesma forma. Principalmente a refrigeração. O mesmo aconteceu com as linhas expressas, que atraiam muitos passageiros e, mesmo assim, foram suspensas. Quem usa o Norte-Sul sente na pele que ele voltou a ser um corredor comum de ônibus, sem a qualidade prometida do BRT”, critica o passageiro Pedro Paulo Santos do Nascimento, 28 anos, que reside em Paulista e usa o sistema diariamente.
NO RIO DE JANEIRO, BRT RESSUSCITOU DAS CINZAS
O Rio de Janeiro é um bom exemplo de que, quando a gestão pública quer, o transporte coletivo urbano pode ser bom. Pode renascer, literalmente, das cinzas, como aconteceu com o sistema de BRT carioca.
Depois de ver os três corredores em operação serem totalmente vandalizados, inclusive com a suspensão da operação, o sistema começou a dar certo de novo. A Prefeitura, sob a gestão do Eduardo Paes, assumiu a frota dos BRTs e reergueu o sistema.
O Rio viu o sistema afundar como nenhum outro, impactado não só pela crise sanitária da covid-19, mas ainda antes, pela falta de investimentos, ingerências de todo tipo, perda de demanda e, principalmente, pela violência. Teve 46 das 126 estações em operação na época fechadas.
Passou por uma intervenção pública, muitas e idas e vindas, e até viu a prisão de gestores e operadores, mas refez a modelagem dos contratos, assumiu a compra da frota de BRTs e concluiu o quarto corredor - o Transbrasil.
O modelo prevê que a Prefeitura do Rio de Janeiro pague um aluguel pela frota de veículos - no primeiro momento, BRTs - à futura concessionária, que é diferente da que assumiu a operação do sistema.
EM SOROCABA, BRT COM DNA PERNAMBUCANO TEM DADO CERTO
Outro exemplo de um sistema de BRT que deu certo está no interior de São Paulo: o BRT Sorocaba, a primeira Parceria Público Privada (PPP) de BRT do Brasil, na qual a concessionária responde pela construção e operação do corredor.
O BRT está em operação há quatro anos e consegue manter uma avaliação de satisfação do passageiro acima de 80% no quesito rapidez nas viagens. Desde a sua inauguração, em 2020, já transportou mais de 63 milhões de passageiros em 24 linhas.
A atual estrutura do sistema é formada por dois corredores exclusivos, sete corredores estruturais, 23 estações, três terminais próprios e mais de 128 pontos de parada, além de um Centro de Controle Operacional (CCO) que monitora e acompanha toda a operação.
Para quem não sabe, o BRT Sorocaba tem DNA pernambucano, tendo o Grupo MobiBrasil, que atua no transporte por ônibus na Região Metropolitana do Recife, como um dos operadores.