Adolescentes entre 12 e 18 anos, apreendidos por suspeita de atos infracionais, estão vivendo em situação desumana no Centro de Internação Provisória (Cenip) do bairro do Bongi, no Recife, unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase). A constatação foi feita durante vistoria de representantes do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Defensoria Pública Estadual e do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop). O caso está sendo investigado desde a última quinta-feira (20).
Segundo relatório produzido pelo Gajop, entidade ligada aos direitos humanos, uma infestação de ratos foi encontrada na unidade logo na chegada do grupo que participou da vistoria. "O local encontrava-se com lixos espalhados por todos os lados, bastante acúmulo de água pelos corredores e entrando nos alojamentos, provocando umidade e muito mofo", disse o texto. Além disso, "vários internos estavam sem colchão e lençol, tendo que dormir literalmente no chão. Após diálogo com os adolescentes, foi verificado que os mesmos não estão tendo acesso à atendimento médico ou a qualquer tipo de medicação".
No Cenip, segundo dados atualizados nesta segunda-feira (24) pela Funase, há 72 adolescentes. Apesar dos inúmeros problemas apontados, não há superlotação na unidade.
O MPPE informou, por nota, que a 6ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital vai protocolar o relatório da inspeção no Juízo da Capital, onde já há uma ação civil pública, para que obrigue a Funase a fazer as melhorias necessárias.
"Extrajudicialmente, a 6ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital está programando junto com o Gajop e a Defensoria Pública, uma reunião com o secretário de Políticas Sociais e com o próprio Governo do Estado, em virtude de a situação ser muito grave e antiga, mas que piorou muito e não se pode admitir as condições atuais", completou a nota.
OUTRO LADO
Em nota à coluna, a assessoria da Funase negou a falta de medicamentos e de profissionais de saúde para atendimento aos adolescentes. "O ambulatório da unidade dispõe de uma médica, uma dentista, duas enfermeiras e 14 técnicos de enfermagem distribuídos por plantões. Todos seguem realizando atendimentos normalmente. Já a retirada de remédios ocorre no distrito sanitário que atende a região sempre que há necessidade."
Sobre a falta de iluminação e de higiene, a assessoria disse que "a troca das lâmpadas é feita rotineiramente, assim como a higienização dos espaços. O local dispõe de rede elétrica em estado normal. A Funase ressalta ainda que desratizações ocorrem de forma mensal, conforme contrato em vigor com uma prestadora de serviço, tendo a mais recente sido realizada em 17 de maio. Entretanto, a existência de dois imóveis abandonados ao lado do Cenip Recife tem dificultado esse trabalho de controle de infestações". A Vigilância Sanitária foi acionada.
Sobre o fornecimento de colchões, a Funase alegou que "concluiu uma licitação para comprar mais exemplares. O material deve ser entregue ainda nesta semana".
CABO DE SANTO AGOSTINHO
Em março, a coluna Ronda JC publicou denúncias de maus-tratos aos adolescentes que respondem por atos infracionais na unidade da Funase do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. Na época, o MPPE solicitou à Justiça o afastamento da então diretora, Tatiane Morais, que, segundo denúncia, seria conivente com as agressões na instituição. A assessoria da unidade negou as acusações.
De acordo com as informações apuradas pelo Gajop, a direção mantinha, em cada alojamento, “representantes” responsáveis pela liderança desses locais. Os próprios socioeducandos fazem esse papel. “São conhecidos por todos os adolescentes da unidade como sendo ‘o doido’ e o seu substituto ‘segunda voz’. (Eles) recebem toda cobertura institucional para definir regras próprias, punições, sanções e distribuição de tarefas, legitimando uma outra organização paralela de funcionamento, dentro da unidade. (...) E mais grave, a Diretora comunica antecipadamente quando da ocorrência de Revistas pela Polícia Militar dentro da unidade, possibilitando aos “doidos” se organizarem e definirem o que será encontrado ou não”, informa trecho do relatório, que está sendo apurado pelo MPPE.
O relatório denunciou ainda agressões sofridas pelos socioeducandos. “Em uma dessas situações, ocorrida em Dezembro/2020, um dos socioeducandos foi agredido tão violentamente, que ao ser emergenciado no Hospital Dom Helder, foi identificado lesão no baço, sendo inevitável a cirurgia para retirada do órgão. Ao ser socorrido o adolescente foi ameaçado a não contar o ocorrido, com medo de retaliação o adolescente informou que havia caído durante uma partida de futebol”, diz outro trecho.
Além do MPPE, o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura recebeu o relatório para análise.