Justiça demora a julgar policiais acusados de homicídio e tortura em Pernambuco

PMs acusados pela morte de estudante em Itambé, na Mata Norte, em 2017, ainda não foram julgados pelo crime
Raphael Guerra
Publicado em 29/07/2022 às 7:00
ITAMBÉ Durante protesto, estudante foi baleado na perna e arrastado para viatura policial em março de 2017 Foto: REPRODUÇÃO


A punição para os policiais que cometem crimes em Pernambuco não é só lenta na esfera administrativa, cuja responsabilidade é da Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS). Na esfera criminal também há demora.

Um exemplo é o processo dos policiais militares acusados pela morte do estudante Edvaldo da Silva Alves, de 19 anos. O caso ocorreu há mais de cinco anos, mas ainda não há data para o júri popular.

A vítima participava de um protesto cobrando mais segurança para o município de Itambé, na Mata Norte, em 18 de março de 2017. Os policiais chegaram e, na tentativa de acabar com a mobilização, dispararam um tiro de bala de elastômero (borracha) na perna de Edvaldo.

Um vídeo gravado no local mostrou o momento em que o comandante da operação, capitão Ramon Tadeu Silva Cazé, apontou para a vítima e disse: "É esse aqui que vai levar o primeiro tiro?". Em seguida ordenou que o soldado Ivaldo Batista de Souza Júnior disparasse a arma.

Ferido, Edvaldo foi arrastado para a viatura policial. Ainda levou um tapa no rosto de Ramon. Vinte e cinco dias depois, morreu no hospital.

Os dois PMs acabaram virando réus por homicídio doloso (com intenção de matar). Ao capitão também foi atribuído o crime de tortura.

Outros dois militares foram denunciados por omissão de socorro, mas tiveram os processos suspensos após pagamento de dez salários mínimos e por cumprirem penas alternativas.

Em novembro de 2019, a Justiça decidiu que Ramon e Ivaldo iriam a júri popular. Mas a data segue indefinida.

A assessoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) alegou que as defesas dos réus entraram com recursos contra a pronúncia. Nessa quinta-feira (28), o processo foi encaminhado ao Recife para análise em 2ª instância.

"Em virtude da pandemia do covid-19, os processos físicos tiveram os prazos suspensos no período em que o Judiciário atuou exclusivamente de forma remota", alegou o TJPE em relação à demora no andamento do caso.

No âmbito administrativo, Ramon foi expulso da Polícia Militar em dezembro de 2017. Mas recorreu ao TJPE e chegou a retornar às atividades. Em maio deste ano, porém, o processo transitou em julgado e ele, de vez, perdeu a patente.

Já Ivaldo cumpriu a pena de 30 dias de prisão militar ainda em 2017 e segue na corporação.

"É preciso melhorar a formação do policial, pois hoje ela é prejudicial à segurança pública. Temos um passado mal resolvido com a violência. É preciso afastar a cultura bélica e pensar numa segurança cidadã", avaliou a vice-presidente da Comissão Especial de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Pernambuco (OAB-PE), a advogada Carina Acioly.

POLICIAIS DEMORAM A SER PUNIDOS PELA SDS

Somente em 2021, a Corregedoria da SDS instaurou dez procedimentos disciplinares para investigar as condutas de 29 policiais militares denunciados por tortura em Pernambuco. Mas, até hoje, todas as investigações seguem em andamento, sem previsão de conclusão.

O levantamento exclusivo foi obtido pela coluna Ronda JC por meio da Lei de Acesso à Informação.

Quatro procedimentos disciplinares, também por tortura, foram instaurados entre 1º de janeiro e 15 de julho de 2022 no Estado. Ao todo, há 19 policiais militares sob investigação. Nenhum caso foi encerrado ainda.

CIRIO GOMES/JC IMAGEM - PORTO DE GALINHAS Garoto de 13 anos contou ter sido agredido e roubado por policiais no dia 19 de julho

O episódio mais recente de violência policial ocorreu no último dia 19 de julho, e ainda não entrou nessas estatísticas. Um adolescente de 13 anos contou ter sido agredido, roubado e mantido por mais de quatro horas numa viatura policial em Porto de Galinhas, Litoral Sul de Pernambuco.

Denúncia formalizada pela família da vítima, na Corregedoria da SDS, detalhou que o garoto voltava para casa, após jogar videogame, quando foi abordado por três policiais militares.

"Começaram a jogar spray e me dar chutes. Botaram a faca no meu pescoço e furaram minha mão. Diziam para entregar os 'caras', senão iam me enterrar, que não tinham medo de matar criança, não", relatou a vítima, em entrevista à TV Jornal.

Após mais de quatro horas, o adolescente teria sido retirado da viatura e abandonado. Bastante machucado, foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Porto de Galinhas. Ao relatar o caso, a equipe médica chamou o Conselho Tutelar, que acionou a Corregedoria da SDS. O caso está sob investigação.

A advogada Carina Acioly vê com preocupação o lento andamento das investigações de policiais na SDS.

O trabalho da Corregedoria é fiscalizar os seus pares. Mas qual o problema, na minha visão? É o corporativismo. A impressão, nesses processos, é que há pouca punição. As investigações são lentas, muitas são engavetadas e acabam prescrevendo. Além disso, também há muitos casos subnotificados", afirmou.

TRABABALHORES PERDERAM VISÃO

Um episódio de violência policial que teve repercussão nacional ocorreu em 29 de maio de 2021. Policiais militares avançaram contra manifestantes que realizavam um ato pacífico com críticas ao governo Bolsonaro, na área central do Recife. Na ocasião, dois trabalhadores que não participaram da manifestação, foram atingidos nos olhos com tiros de elastômero (bala de borracha) disparados por policiais militares.

O arrumador de contêineres Jonas Correia de França, de 30 anos, ficou cego do olho direito. O terceiro sargento do Batalhão de Choque Reinaldo Belmiro Lins, acusado de disparar o tiro, foi indiciado e depois virou réu por lesão corporal grave, com o agravante de o crime ter sido cometido por um militar.

Já o adesivador Daniel Campelo da Silva, 51 anos, perdeu a visão do olho esquerdo. Após quase 11 meses, o policial do Batalhão de Choque que atirou foi identificado. Ele foi indiciado por lesão corporal gravíssima e por omissão de socorro. O nome dele não foi revelado pela Polícia Civil.

A SDS afirmou que os procedimentos instaurados na Corregedoria para investigar as condutas desses policiais militares seguem em andamento. Mas não deu prazo para conclusão.

"Diante de toda a cobertura que foi dada pela imprensa nesse caso, houve a abertura de processos para investigar os policiais. Mas a gente não vê uma investigação para apontar quem deu a ordem para que eles atirassem contra os manifestantes. Não se pune quem está no comando. É importante destacar que o policial militar nunca age sozinho. Está sempre legitimado", pontuou Carina Acioly.

O QUE DIZ A SDS

Em nota, a SDS destacou que "todas as denúncias direcionadas ao órgão correcional passam por verificação e são alvos de Investigações Preliminares (IPs), as quais objetivam analisar e buscar autoria e materialidade dos fatos denunciados".

"Quando há elementos suficientes, há a instauração de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) visando aprofundar a apuração das condutas dos policiais eventualmente envolvidos", disse a nota.

Sobre as estatísticas de denúncias de tortura envolvendo policiais militares, a SDS afirmou que "investigações estão em curso, com dedicação e celeridade, para esclarecer os fatos denunciados".

"As apurações administrativas disciplinares seguem os prazos estabelecidos em legislações e normativos específicos. Cada procedimento (a exemplo de sindicâncias, Conselhos de Disciplina, Conselhos de Justificação e outros) tem seu respectivo prazo, independentemente do tipo de infração denunciada", explicou a pasta.

A SDS disse ainda que a Corregedoria dispõe de 14 comissões permanentes de disciplinas (sendo 8 de caráter militar e 6 de caráter civil) responsáveis pelos procedimentos administrativos disciplinares(PADs).

 

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