A Justiça decretou a prisão preventiva de dois policiais militares acusados de matar um adolescente negro durante uma abordagem no bairro de Sítio dos Pintos, Zona Norte do Recife. A vítima foi Victor Kawan Souza da Silva, de 17 anos. Investigação apontou que os acusados teriam fraudado provas, inclusive simulado que o garoto estivesse armado.
A decretação da prisão atendeu a um pedido do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que denunciou à Justiça, no último dia 07 de outubro, os PMs José Monteiro Maciel de Lima e Clezya Patrícia de Souza Silva pelos crimes de homicídio doloso duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa da vítima) e homicídio tentado - este último referente ao amigo de Victor que não se feriu.
Victor Kawan foi morto em 11 de dezembro de 2021. Segundo testemunhas, ele e um amigo andavam de moto quando passaram a ser seguidos pela viatura policial. Houve uma perseguição e, pouco depois, Victor, que estava na garupa, foi baleado no peito. Ele morreu na UPA da Caxangá.
A Polícia Militar alegou que o tiro foi disparado porque, durante a tentativa de abordagem, os garotos teriam reagido. Victor estaria sem capacete. Além disso, na época, a corporação afirmou que um revólver calibre 38 com seis munições havia sido apreendido. Testemunhas negaram toda a versão da polícia.
A denúncia do MPPE foi aceita, na última sexta-feira (28), pelo juiz Jorge Luiz dos Santos Henriques, da 2ª Vara do Tribunal do Júri Capital, e os dois policiais militares se tornaram réus. A coluna Ronda JC teve acesso em primeira mão à íntegra da decisão.
"Estão nos autos não só a perícia do IML, como também os testemunhos, demonstrando a materialidade dos crimes, a par de indicativos de autoria, que, em princípio, recaem nas pessoas dos acusados, ao admitirem que efetuaram disparos de arma de fogo contra as vítimas", pontua o magistrado.
"Diferentemente da alegação dos acusados, sobre a quantidade de disparos efetuados (cada um teria deflagrado apenas dois tiros), consta nos depoimentos das testemunhas que foram efetuados cerca de dez (10) disparos, isto em via pública, com risco de atingir outras pessoas. A propósito, também distingue o caso dos autos a constatação de que a vítima fatal foi atingida nas costas. De igual modo, não há como ignorar o fato de as armas utilizadas pelos acusados não terem sido apreendidas, como de rigor", descreve o juiz.
Com base na denúncia do MPPE, a partir dos depoimentos das testemunhas, o magistrado ainda cita que "os acusados teriam simulado a existência de uma arma de fogo na cena do crime, como se estivesse em poder da vítima fatal. Além disso, consta que os acusados teriam removido indevidamente o corpo da vítima do local do crime, a pretexto de socorrê-la, conforme a denúncia, inviabilizando a realização de perícia em local de crime, que poderia trazer melhor elucidação dos fatos".
"Destaca-se a perícia do IML no sentido de que o projétil que atingiu a vítima fatal rompeu a aorta, assim provocando a morte rapidamente. As duas condutas antes especificadas podem configurar prática de crime de fraude processual, evidenciando a necessidade da prisão cautelar", completa o juiz.
Por causa da lei eleitoral, que só permite o cumprimento de mandados de prisão 48 horas após o dia de votação, os PMs só deverão ser presos a partir da próxima quarta-feira (02/11).
Procurada pela coluna Ronda JC, a assessoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) informou que a Delegacia de Polícia Judiciária Militar ainda não foi notificada sobre a determinação da prisão preventiva dos policiais militares.
Quando os mandados forem cumpridos, eles serão encaminhados ao Centro de Reeducação da Polícia Militar (Creed), em Abreu e Lima.
Na época em que Victor foi morto, os policiais foram afastados das ruas por determinação da Corregedoria Geral da SDS. Atualmente, eles respondem a um procedimento administrativo disciplinar, que pode resultar na expulsão deles da corporação.
A defesa dos policiais militares não foi encontrada para comentar o caso. O espaço segue aberto.