Zika congênita e microcefalia na era do coronavírus

Publicado em 09/08/2020 às 6:00
Foto: Edmar Melo/JC Imagem Data: 10-12-2015 Assunto: CIDADES - Atualização dos registros de suspeitas de microcefalia em todo o estado, foram identificados 804 casos até o momento, segundo a secretaria de Saúde do Estado. No setor de infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, mães continuam levando seus bebes com suspeita de microcefalia para realização de exames. Palavras Chaves: Microcefalia - doança - Infectoilogia - Secretaria de saúde - Pernambuco - Recife - Epidemia ## Foto: EDMAR MELO/ACERVO JC IMAGEM


Fazia tempo que os números da síndrome congênita da zika, que tem como malformação mais conhecida a microcefalia, não eram divulgados pela Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES). Com os esforços e os olhos voltados para o enfrentamento à covid-19, a sensação é de que os desdobramentos e as consequências da epidemia de arboviroses de 2015 e 2016 andam caindo no esquecimento. Os resultados (detalhamos mais adiante neste texto), então, de um estudo do neuropediatra Lucas Alves, trouxe a mim uma inquietação, e questionei a SES sobre os dados de zika e da síndrome congênita relativos a 2020 e a anos anteriores. A secretaria, então, disponibilizou o primeiro informe do ano (sim, em agosto). O que os boletins epidemiológicos nos trazem é que, ao longo deste ano todo, não houve confirmação de casos da síndrome congênita do zika/microcefalia. Mas foram notificadas 75 crianças, sendo 15 com diagnóstico descartado, uma com inconclusivo (pais não foram encontrados ou as famílias decidiram não dar continuidade ao diagnóstico, segundo a SES) e 59 permanecem em investigação - ou seja, são casos suspeitos e estão em acompanhamento para que se possa determinar a causa dos sinais sugestivos da síndrome congênita do zika. Inquieta mesmo compreender a ausência de confirmações este ano e as três de 2019, como sinalizamos abaixo na linha do tempo. O vírus foi embora? Não, ainda circula, se levarmos em consideração que há 1.265 notificações para zika este anos, com 998 descartes e 8 casos confirmados. Além disso, uma gestante teve diagnóstico laboratorial este ano para zika. Então, o vírus perdeu força em Pernambuco? Pode ser uma hipótese.

E é aí onde destacamos os resultados da pesquisa de Lucas Alves, que acompanha centenas das crianças afetadas pelo zika no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). "Fizemos a sorologia para zika (exame que verifica a resposta imunológica do corpo em relação ao vírus; são testes feitos para sabermos se já estamos, em algum grau, imunizados) em 132 mulheres que estavam grávidas no fim de 2015 e início de 2016, no pico da epidemia. E imaginamos que essa população era a que mais se cuidava para evitar as doenças decorrentes do mosquito Aedes aegypti (especialmente zika, que causa microcefalia). Só que, em 61% desse grupo, o exame de sorologia IgG veio positivo", anuncia Lucas, acrescentando que os resultados já foram aprovados, na última semana, para publicação na revista científica holandesa Heliyon. A pesquisa de Lucas é fruto de parte do seu doutorado no Imip. "Uma das conclusões é que o número de casos de microcefalia no Estado diminuiu ou praticamente não tem mais por causa disto: a maioria das pessoas foi infectada. Os casos deixaram de aparecer por essa imunidade de rebanho. Não houve medida efetiva do governo para combater o mosquito", acredita o neuropediatra. Infelizmente as consequências socioeconômicas e emocionais que isso trouxe foram gigantescas: pelo menos, em Pernambuco, 470 receberam o diagnóstico da zika congênita/microcefalia para as suas crianças. Lutaram pelos seus direitos, enfrentaram falta de assistência adequada e de medicações para os pequenos, ficaram desempregados, desenvolveram transtornos psicológicos e psiquiátricos entre tantos outros desdobramentos que nós, do JC, acompanhamos deste 24 de novembro de 2015, quando publicamos com exclusividade a primeira reportagem sobre os recém-nascidos com microcefalia. Assim, com esse achado do estudo sobre a imunidade de rebanho, perguntamos: "É isso que queremos para a covid-19?". Não, jamais. Seria absurdo e antiético um desejo desses. Não queremos que uma parcela grande da população seja infectada para desenvolver defesa contra o novo coronavírus, que leva a casos graves e a óbitos. Não é essa a política de saúde pública com a qual sonhamos. Precisamos de ações de prevenção continuada do poder público, principalmente entre os mais vulneráveis, e que cada um de nós façamos a nossa parte. Que continuemos a preservar o isolamento, o distanciamento social, a higiene e o uso de máscaras.

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