Desde que a Secretaria de Saúde do Recife (Sesau) emitiu o alerta, na última semana, sobre um surto de "lesões cutâneas a esclarecer", muitas pessoas começaram a relatar sintomas que se assemelham a essa condição, com presença de manchas avermelhadas acompanhadas de pequenos caroços, coceira intensa, crostas e até sangramento. O problema segue ainda sem causa conhecida, mas os dermatologistas e demais médicos que acompanham os casos garantem que é possível aliviar esses sintomas, geralmente incômodos.
Veja o que o JC já publicou sobre o assunto:
- O mistério das lesões que causam coceira na pele: o que se sabe sobre o surto no Recife e em Camaragibe
- Surto de lesões de pele que causam coceira segue sob investigação no Recife e em Camaragibe
- Surto: no Recife, hospital particular notifica 6 casos de lesões de pele misteriosas
A recomendação é buscar uma unidade de saúde para receber o atendimento médico e tratar as irritações na pele. "O que podemos fazer, por enquanto, é controlar os sintomas. É importante evitar o uso inadequado de pomadas, assim como os banhos de ervas e plantas que dizem ter o potencial de eliminar as lesões. Antes de tudo, é preciso dizer que coçar o local só piora. A coceira tende a machucar a pele, arranhar, arder e abrir espaço para micro-organismos entrarem na pele", orienta a dermatologista Cláudia Ferraz, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia/Regional Pernambuco (SBD/PE).
No Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE), ela já atendeu pessoas que apresentam essas manifestações na pele. "Faz uns 15 dias que comecei a ver pacientes com esse quadro. São lesões que se apresentam de forma diferente de pessoa para pessoa. Não dá para fechar um diagnóstico apenas com a clínica (ou seja, a olho nu). É preciso concluir toda a investigação que tem sido feita para se chegar a uma conclusão." De acordo com Cláudia, os locais onde as lesões aparecem são diversos. "Elas se manifestam não apenas em áreas expostas, como pernas e braços, que são onde picadas de inseto mais ocorrem. Mas já vimos também em tronco, coxas e abdome. Por isso, não dá para pensar apenas em mosquitos."
Em Paulista, município do Grande Recife, o vendedor Ricardo Ferreira é uma das pessoas que relatam estar incomodadas com a coceira intensa. Na manhã desta terça-feira (23), ele foi à Prontoclínica Torres Galvão, no Centro da cidade, para receber atendimento médico. "Essa coceira começou há dois dias. Ontem piorou mais ainda. Não dormi; passei a noite me coçando. Tomei uns dez banhos com sabão amarelo para ver se passava, mas nada", contou Ricardo.
Há seis pessoas, em Paulista, que já foram notificadas com as lesões na pele. Em Camaragibe, Região Metropolitana, são 62 notificações, e o Recife contabiliza 117 casos, registrados em 16 bairros: 83,7% deles concentradas em Dois Irmãos e na Guabiraba. Os demais casos, na capital pernambucana, estão localizados na Várzea, Boa Viagem, Córrego do Jenipapo, Bomba do Hemetério, Encruzilhada, Torre, Graças, Morro da Conceição, Brejo da Guabiraba, Passarinho, Linha do Tiro, Boa Vista, Sítio dos Pintos e Imbiribeira.
Na visão da dermatologista Cláudia Ferraz, essas lesões, acompanhadas da coceira, aparentemente não são transmitidas pelo contato. "Acreditamos que não são contagiosas, pois vemos famílias em que uma pessoa apresenta o quadro e outras não. Outro detalhe é que essas lesões não têm uma morbidade (gravidade) importante. Mas, neste momento em que não sabemos a causa, questionamos se isso poderá ter alguma repercussão (na saúde) se for um quadro viral, como aconteceu com a zika", frisa Cláudia. A Sesau confirma que, até agora, não houve o registro de agravamento associado às lesões cutâneas e reforça a importância de as pessoas manterem as mãos higienizadas e não tomarem remédio por conta própria.
"Para aliviar os sintomas (lesões na pele e coceira), podemos prescrever medicamentos de acordo com cada caso. Recomendamos banho frio, hidratação da pele, reparador cutâneo e, se necessário, anti-histamínicos (antialérgicos), que pode aliviar a coceira. Para os quadros em que percebemos que os ferimentos na pele facilitaram a contaminação das feridas por bactérias, indicamos antibiótico. Mas é fundamental ressaltar que são medicações usadas por recomendação médica", sublinha Cláudia Ferraz.
Entre as possíveis causas levantadas para explicar o aparecimento das lesões na pele com coceira, está a escabiose, popularmente conhecida como sarna. "Há a hipótese de as manifestações na pele serem decorrentes da ação direta de ácaros. Nesse contato, entra a escabiose", diz o médico infectologista Demétrius Montenegro, chefe do setor de doenças infectocontagiosas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc). Sobre a possibilidade de se tratar de arboviroses, ele comenta que as lesões têm se apresentado de forma diferente do exantema que tende a aparecer nos casos de zika, por exemplo. "Nesses casos de agora, estamos vendo pequenos caroços na pele, que causam coceira, levam a ferimentos, podendo até sangrar, e formam uma crosta."
Além disso, Demétrius fala sobre diferenças na duração dos sintomas. "Há pacientes que ficam bem rapidamente, mas há outros em que o quadro demora mais de dez dias, mesmo quando seguem o tratamento para alívio das manifestações (lesões e coceira)", diz. Para o infectologista, pelo fato de os casos terem começado em localidades próximas a áreas de mata, existe a possibilidade de o surto ser causado por um desequilíbrio ambiental, o que levaria algum inseto a causar as lesões na pele com coceira.
Investigação
A Secretaria de Saúde do Recife informa que mantém contato com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), com o Instituto Aggeu Magalhães (unidade da Fiocruz em Pernambuco), com um médico epidemiologista e com um médico infectologista, com o objetivo de obter conclusões sobre os casos. As investigações, que seguem em curso, estão sendo feitas por meio de exames laboratoriais e de ações nessas localidades, como a captura de mosquitos e de ácaros. Nesta semana, serão realizados exames de raspado de pele em pessoas que apresentaram os sintomas.
A maior parte dos pacientes reporta o surgimento de lesões na pele, geralmente no tronco e nos braços, acompanhadas de prurido (coceira). Para os profissionais de saúde, a orientação é de que os casos suspeitos sejam notificados em até 24 horas, conforme alerta epidemiológico enviado para as redes pública e privada de saúde na última quinta-feira (18).
Lesões não seguem um padrão
O médico infectologista Demétrius Montenegro explica que o mais intrigante é que os casos notificados não apresentam um padrão. "A variabilidade das lesões é grande. Por isso, identificar a causa não é simples. Mais de 80% das pessoas acometidas apresentam apenas as lesões de pele e a coceira. Uma pequena parcela também relata febre. Isso pode levar a uma superposição de diagnóstico, o que dificulta a investigação. É um trabalho de juntar peças de um quebra-cabeça", diz Demétrius.
Por que o número de casos dessas lesões e coceira só aumenta?
O aumento do número de notificações, segundo a Secretaria de Saúde do Recife (Sesau), é esperado, uma vez que, com o alerta epidemiológico emitido na última semana, é natural que as redes de saúde pública e particular fiquem mais atentas a pacientes com sinais sugestivos dessa condição.
Como está sendo feita a investigação?
Na última sexta-feira (19), representantes da Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde do Recife, da Secretaria Estadual de Saúde e do Instituto Aggeu Magalhães, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, além de um médico infectologista e de um médico epidemiologista, estiveram reunidos para discutir os casos. "Ainda é necessário aguardar resultados de alguns exames laboratoriais dos casos e da análise de ácaros e mosquitos capturados para que seja possível apontar conclusões. Nesta semana, uma nova reunião entre os especialistas deve ser realizada", informa a Sesau.
A causa das lesões que causam coceira ainda é desconhecida. Mas quais são as hipóteses?
A Secretaria de Saúde do Recife (Sesau) destaca que, até agora, não houve o registro de agravamento associado à aparição das lesões cutâneas nos pacientes e que segue atuando em diversas linhas de investigação. "Uma delas é desenvolvida por meio da captura de mosquitos, por equipes da Vigilância Ambiental, em alguns domicílios situados nas localidades onde houve notificações de casos, trabalho que também terá continuidade nos próximos dias. Serão realizados, ainda nesta semana, exames de raspado de pele em alguns pacientes notificados", diz a Sesau.