Desde o início das infecções causadas pelo coronavírus, a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo acompanhou de perto as repercussões clínicas, os efeitos sociais e os esforços da comunidade científica para conter a covid-19. Ela conta toda essa trajetória no livro Um tempo para não esquecer: a visão da ciência no enfrentamento da pandemia do coronavírus e o futuro da saúde, que lança, na próxima quinta-feira (17), às 17h, na Livraria Jaqueira do Bairro do Recife. Na mesma data, no Palácio do Campo das Princesas, horas antes do lançamento, o governador Paulo Câmara receberá a médica, que foi redesignada membro do Expert Committee on the Selection and Use of Essential Medicines, da Organização Mundial da Saúde. Nesta entrevista, Margareth conversa comigo sobre o compromisso da ciência com o bem-estar coletivo e ressalta que a pandemia ainda correrá ao longo deste ano.
JC — Diante da ômicron, bastante transmissível, há uma expectativa de que, com a desaceleração dos casos, o mundo esteja no início do fim da pandemia. Como a senhora avalia essa possibilidade?
MARGARETH - A pandemia não está no fim. Com a cepa ômicron, esse questionamento (sobre o fim da pandemia), do ponto de vista científico, é baseado no princípio de que as viroses agudas de transmissão respiratória costumam ir terminando ao longo do tempo, sobretudo quando aparecem variantes virais de alta capacidade de transmissão e de menor morbidade, como é o caso da ômicron. No entanto, o aparecimento de novas variantes tem criado um fenômeno que nos preocupa, que é o chamado escape vacinal. Então, é preciso que esse controle epidemiológico sobre esse comportamento se mantenha de maneira muito eficaz, que todas as pessoas sejam vacinadas inclusive com a dose de reforço. Hoje, pelos dados oficiais, sabemos que 84% das pessoas internadas não estão vacinadas. Assim, é fundamental, no Brasil, que nos atinjamos uma taxa muito alta de pessoas com o esquema básico de vacinação completo com três doses pelo menos. Dessa maneira, na minha opinião, baseada nos princípios científicos, a pandemia ainda correrá ao longo do ano de 2022, mas já arrefecendo um pouco a capacidade de causar mortes e hospitalização, por força dos programas de vacinação e das coberturas alcançadas.
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JC — A senhora acredita que já alcançamos o pico da ômicron?
MARGARETH - Epidemiologicamente falando, muito provavelmente nós estamos perto de alcançar o pico epidêmico. Mas isso não significa que, a partir daí, rapidamente começarão a declinar os casos. O pico epidêmico alcança um platô, que pode se manter ainda muito alto. Isso é o que nós esperamos que ocorra durante este mês de fevereiro. Por isso, é fundamental que consigamos resgatar aquelas pessoas que não completaram o esquema de vacinação com três doses e, sobretudo, vacinar com alta cobertura nossos adolescentes e crianças. O que temos visto ainda, embora não tenha prosperado tanto, mas tem causado bastante problema no Brasil, é a retorica antivacina, que — ao meu juízo — é profundamente nociva à população brasileira; fez e faz muito mal às pessoas. Afinal, nós sabemos que a grande arma pra combater uma virose de transmissão aguda são as vacinas; sempre foram e muito provavelmente serão, mesmo em próximas epidemias.
JC — Muitos pais e responsáveis que optam por não vacinar as crianças alegam que a decisão vem do fato de que não se conhece o que pode acontecer, no futuro, com aquelas que tomam as doses contra covid-19. O que a senhora tem orientado diante desse tipo de discurso?
MARGARETH - A esses pais, é preciso perguntar se eles fazem essa alegação para as vacinas contra sarampo e difteria, por exemplo, e para as pentavalentes, que as crianças recebem aos 6 meses de idade. Nunca vimos os pais falando isso, de modo que é obviamente um discurso religioso, ideológico e, ao meu juízo, profundamente nocivo. Quando respondo essa pergunta (o que pode acontecer no futuro com a criança que toma a vacina contra covid?), questiono se a pessoa fez essa indagação quando deu a pentavalente, que são cinco vacinas ao mesmo tempo, num bebê de 6 meses. Não me parece que façam essa pergunta. As vacinas pediátricas para covid mostraram resposta aos dois quesitos fundamentais: primeiramente, a segurança, uma vez que o número estudado de crianças é imenso. Só em relação à vacina da Pfizer, foram avaliadas 6 mil crianças, e o número de efeitos colaterais, todos reversíveis, foi muito pequeno. Em seguida, vem a efetividade, que também foi muito alto. Nas crianças de 5 a 11 anos, a efetividade foi, inclusive, mais alta do que nos adolescentes.
JC — Como escolheu o título do seu livro (Um tempo para não esquecer)?
MARGARETH - Meu livro é um registro cronológico, ao longo do tempo, desde a primeira vez que me manifestei, em março de 2020, sobre a covid-19. Então, é uma cronologia que fica como uma contribuição para a nova geração que queira entender o que se passou até novembro de 2021. Sim, é um livro pre-ômicron. Então, vamos precisar de uma edição atualizada pós-ômicron. É uma cronologia com algumas inserções literárias. Não é um livro necessariamente técnico, mas conta a historia do que aconteceu conosco diante da covid-19. E esse tempo marca as nossas vidas, que são divididas entre antes e depois da pandemia da covid-19. Disso, não há dúvidas. É um tempo que vai marcar várias gerações diferentes. Por isso, é um tempo para não esquecer.