A facção Trem Bala, com forte atuação nas cidades do Litoral Sul de Pernambuco, teve 24 integrantes presos em operação da Polícia Civil nesta quarta-feira (28). As investigações apontaram que vítimas do grupo violento eram torturadas, mortas e enterradas em cemitérios clandestinos.
A Trem Bala atua principalmente na praia de Porto de Galinhas, cartão-postal de Pernambuco. A investigação apontou que o grupo, especializado no tráfico de drogas, comércio ilegal de armas de fogo, tortura e lavagem de dinheiro, também tem ligação com facções do Sudeste, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e, principalmente, o Comando Vermelho.
Para a polícia, o grupo é bem organizado, com estrutura hierárquica e divisão de tarefas entre os membros: há "olheiros", vendedores de drogas, gerentes do tráfico, homicidas, "laranjas" que emprestam contas bancárias para a lavagem de dinheiro, chefias e líderes da organização.
A facção tem forte atuação nos municípios de Ipojuca (onde Porto de Galinhas está localizado), Cabo de Santo Agostinho, Sirinhaém, Itamaracá, Escada, Jaboatão dos Guararapes, entre outros.
Ao longo das investigações, foram apreendidos cerca 200 cadernos, onde constavam parte da contabilidade do tráfico de drogas. A polícia acredita que, entre o ano de 2021 e início de 2022, a facção arrecadou quase R$ 10 milhões. Além disso, o grupo gastou, no mesmo período, quase R$ 300 mil na aquisição de armas de fogo e R$ 114 mil com munições coletes a prova de bala.
A Operação Manguezal Vermelho, como está sendo chamada, foi realizada nas cidades de Ipojuca, Igarassu, Abreu e Lima, Recife, Palmares e Limoeiro (todas em Pernambuco), além de Aracaju, em Sergipe.
O nome da operação faz referência à planta mangue vermelho, vegetação típica de mangues que, quando tem sua casca raspada, apresenta uma coloração avermelhada. É uma alusão à existência de cemitérios clandestinos nas áreas de mangue nos distritos de Porto de Galinhas e Nossa Senhora do Ó, também em Ipojuca.
"É uma investigação complexa, que a gente vem acompanhando desde 2018. Descobrimos que pessoas eram mortas e enterradas em mangues. Os alvos muitas vezes eram traficantes rivais, usuários de drogas em dívidas com a facção e pessoas que praticavam crimes patrimoniais na região", afirmou o delegado Ney Luiz Rodrigues, responsável pelo inquérito.
Pessoas apontadas como informantes da polícia também eram mortas após serem "julgadas e condenadas" por uma espécie de tribunal do crime.
"A gente não sabe dizer a quantidade de pessoas mortas porque as famílias, infelizmente, com medo de represálias, não procuram a polícia para denunciar os desaparecimentos. Tudo o que a gente consegue é de maneira informal", declarou o delegado.
Dos 24 mandados de prisão, 14 foram cumpridos em presídios do Estado. "É um dos principais problemas da segurança pública essa facilidade que os presos têm de continuar mantendo contato com o mundo externo e gerenciar essas facções criminosas."
Além das 24 prisões efetuadas, nove mandados de busca e apreensão foram cumpridos. Celulares, drogas e dinheiro estão entre as apreensões.
No último dia 16 de junho, o atual líder da Trem Bala foi preso. Pedro Paulo de Jesus Teixeira, conhecido como Carioca, estava morando na chamada Zona de Expansão de Aracaju, uma espécie de região metropolitana recém construída, onde estaria investindo em imóveis.
"A maior dificuldade nossa era produzir provas contra ele, porque ele não agia diretamente. Usava outras pessoas, principalmente adolescentes, para praticar os crimes. Mas, ao longo da investigação, conseguimos essas provas e ele foi preso", disse Ney Rodrigues.
Evanilson José da Silva, conhecido por "Bambam", o líder anterior ao Carioca, também já está preso.
Ambos, segundo a polícia, tem forte ligação com o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, que seria a principal fornecedora de drogas. A descoberta foi feita porque integrantes da Trem Bala usavam, nas redes sociais, usam expressões como "Tudo dois", que pertencem à simbologia alusiva à facção carioca.
Durante as investigações da Polícia Civil, nos últimos anos, constatou-se que o grupo Trem Bala também tem ligações com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que seria uma fornecedora de drogas.
Fotos de comprovantes bancários encontradas em celular periciado demonstram transações financeiras com indivíduos integrantes da facção paulista.
Para avançar ainda mais, o grupo já estaria financiando pessoas para serem candidatas a cargos políticos.
"Tem um funcionário da prefeitura (de Ipojuca) que era uma espécie de líder comunitário e que, segundo as investigações, iria se candidatar nas próximas eleições como vereador. Ele era envolvido com o tráfico de drogas e foi preso na última quinta-feira", afirmou o delegado.
O suspeito já se apresentava nas redes sociais como candidato a vereador.
A assessoria da Prefeitura de Ipojuca informou que o servidor investigado foi exonerado do cargo após a prisão.
A Trem Bala, inclusive, é apontada como uma das facções que compraram armas de fogo subtraídas da sede da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Recife. O esquema, que envolveu policiais civis, foi descoberto em 2021.
No total, 1.131 armas (entre metralhadoras, pistolas e revólveres) e milhares de munições foram desviadas e vendidas por valores médios entre R$ 6,3 mil a 6,5 mil. Já as submetralhadoras custavam R$ 22 mil no comércio ilegal. O processo segue em tramitação na Justiça, ainda sem condenações.
A investigação revelou que a comunidade de Salinas, em Porto de Galinhas, é comandada por integrantes da Trem Bala. O acesso de pessoas à localidade só é permitido com autorização dos criminosos, que portam armas de grosso calibre pelas ruas em plena luz do dia.
Eles se comunicam por meio de rádios e monitoram os lugares por meio de câmeras de segurança.
Até mesmo o acesso para realização de serviços públicos essenciais, como a coleta de lixo, reparos e instalação de iluminação pública e entrega de encomendas, só podem ser feitos com a permissão do chefe da boca de fumo.
As investigações também revelaram que os protestos de moradores da comunidade de Salinas após a morte da menina Heloysa Gabrielle, de 6 anos, em março de 2022, foram orquestrados por integrantes da Trem Bala.
Nos protestos, que resultaram em dias tensos no cartão-postal pernambucano, moradores pediam a retirada dos policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da região, sob a acusação de que seriam violentos.
"Esses traficantes falavam em atacar a delegacia e falavam até em atirar um helicóptero da polícia", contou o delegado Ney Luiz Rodrigues.