Por unanimidade, os desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) decidiram anular a extinção de pena de um ex-policial militar condenado a 124 anos e seis meses de prisão. A sessão ordinária aconteceu, na manhã desta terça-feira (14), virtualmente.
Os desembargadores julgaram um recurso de agravo em execução penal apresentado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que apontou um erro de interpretação no cálculo feito pela 1ª Vara Regional das Execuções Penais no benefício do cômputo em dobro aos detentos do Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife. O caso foi revelado pelo Jornal do Commercio no mês passado.
O benefício, determinado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, conta em dobro o tempo que os condenados já cumpriram pena, descontando na condenação final.
O MPPE apontou, em recurso, que o cálculo realizado pela Justiça teve como base o artigo 75 do Código Penal Brasileiro, que diz que" o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 anos".
No entanto, segundo o MPPE, o cálculo do cômputo em dobro precisa considerar a pena total do preso, ou seja, os 124 anos e seis meses.
Capturado em fevereiro de 1999, o ex-tenente da PM Carlos Roberto da Silva Júnior foi condenado em três ações penais por homicídios e em outro processo pelo crime militar de desacato.
Em recurso, o MPPE apontou que ele somente atingiria o mínimo de 30 anos de prisão em 23 de fevereiro de 2029. Por isso, ele não deveria estar em liberdade ainda.
Os três desembargadores da 4ª Câmara Criminal concordaram. "Chego à conclusão que esse privilégio (cômputo em dobro), esse benefício processual, deve incidir sobre o total da pena imposta", afirmou Demócrito Ramos Reinaldo Filho, relator do processo, durante a sessão.
Com a nova decisão, o ex-policial militar precisará voltar à prisão. O advogado dele, Wagner do Monte, disse que irá recorrer do resultado "nos tribunais superiores".
CASOS SEMELHANTES SERÃO REAVALIADOS PELO TJPE
Nas próximas semanas, outros casos de presos de alta periculosidade que tiveram as penas extintas serão analisados pelo TJPE.
Um dos beneficiados foi Rosemberg Ramos da Silva, o Berg, considerado pela polícia como o maior sequestrador de Pernambuco. Ele foi preso em agosto de 1996, mas chegou a fugir do presídio em 2001, sendo recapturado dois anos depois no Maranhão.
Com 17 processos na Justiça, Berg foi condenado a 190 anos, um mês e dois dias de reclusão.
Ele participou de sequestros de grande repercussão no Estado - inclusive de um ex-reitor da Universidade de Pernambuco (UPE) em 2003. Na ocasião, o grupo criminoso teria pedido R$ 500 mil pelo resgate.
Na avaliação do MPPE, Berg deveria permanecer preso até 10 de janeiro de 2030. Por isso, foi solicitado ao TJPE que a decisão da 1ª Vara Regional das Execuções Penais seja cassada e que o cálculo da pena seja refeito.
PRESO COM MAIS DE 91 ANOS DE PRISÃO TAMBÉM TEVE PENA EXTINTA
Eronildo Vieira da Silva, condenado em oito processos criminais, também foi beneficiado com a extinção da pena.
Preso em 15 de janeiro de 1998, ele foi condenado a 91 anos, 6 meses e 18 dias em crimes como homicídio, roubos mediante grave violência, cárcere privado e associação criminosa.
"O apenado foi preso em 24/02/1998, somente atingiria os 30 anos de cumprimento de pena privativa de liberdade em 23/02/2028. (...)", disse o promotor Rinaldo Jorge da Silva, no pedido para que a decisão judicial seja cassada e que Eronildo volte para o presídio.
A situação dele seria reavaliada na sessão desta terça-feira, mas ficou para 5 de dezembro, porque o relator está em férias.
POR QUE A CORTE DETERMINOU A APLICAÇÃO DO CÔMPUTO EM DOBRO?
A aplicação do benefício do cômputo em dobro foi determinada em 2018 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que levou em consideração a superlotação e falta de condições básicas para sobrevivência dos presos do Complexo Prisional do Curado.
O benefício, no entanto, só começou a ser aplicado em setembro de 2022, após pressão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visitou as instalações dos presídios do Curado e comprovou a situação precária.
Além da aplicação do benefício, o CNJ determinou que 70% dos presos fossem retirados, em até oito meses, do Complexo do Curado. Mutirões foram realizados, mas não se chegou ao resultado no tempo determinado.
Em agosto do ano passado, 6.509 detentos estavam cumprindo penas ou aguardando julgamento nas unidades. Um ano depois, havia 2.463 (pouco mais de 37%).