Viajaremos mais para compensar o período de quarentena? Viajaremos menos por falta de dinheiro, medo de novas doenças ou trauma de não poder voltar para casa? Priorizaremos os destinos próximos? Ou vamos aproveitar para ir a lugares no exterior com os quais sempre sonhamos, antes que outras restrições nos impeçam? Cidades que sofriam com o over turismo, como Veneza, Roma, Barcelona e Amsterdã, receberão turistas com a mesma intensidade? Novos roteiros, menos conhecidos, despontarão? Vamos dar preferência à natureza e evitar os espaços urbanos mais populosos? Estaremos mais atentos ao impacto que causamos ao meio ambiente e às comunidades quando viajamos? A sustentabilidade entrará definitivamente na nossa pauta e nas nossas práticas?
Diante do tsunami da covid-19 sobre o turismo mundial, multiplicam-se os questionamentos e as incertezas. Difícil é prever como saíremos desta pandemia sem precedentes para a saúde e a economia globais. Seremos diferentes!, repetem muitos. Para melhor? Para pior? Em que aspecto? Em que dimensão? Ninguém se arrisca a precisar.
Certeza só a de que os rastros de prejuízo e imprevisibilidade serão maiores quanto mais demore o controle da contaminação pelo novo coronavírus. É preciso, portanto, respeitar o isolamento social, para que as curvas de infecção comecem a descender e se evite o colapso dos hospitais.
Será possível que isso ocorra a tempo do São João? Em Campina Grande, na Paraíba, e em Petrolina, no Sertão pernambucano, as festas foram adiadas. Já em Caruaru, no Agreste do Estado, a prefeitura ainda hesita em fazer o mesmo. Otimismo ou receio com a perda de R$ 165 milhões que a maior festa do interior movimenta? Em todo o Estado, R$ 433,6 milhões foram gerados no período em 2019.
Ainda que o isolamento social termine, teremos coragem em tão curto prazo de nos juntarmos novamente nas grandes aglomerações típicas dos festejos populares?
A Semana Santa, afinal, já está perdida. O espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém ficou para setembro. Será, sem dúvidas, uma Páscoa menos doce, e menos interativa. Em anos anteriores, transitaram por Pernambuco até 790 mil pessoas, entre excursionistas (os que fazem bate-e-volta) e turistas (aqueles que dormem pelo menos uma noite no destino), que fizeram a ocupação hoteleira média atingir 78,52% nos principais destinos turísticos do Estado, movimentando R$ 511,5 milhões (dados da Empetur).
Frustração também deve ser o sentimento em relação às férias de julho. Para o turismo interno, elas já estão comprometidas pelas mudanças no calendário escolar. No caso da atração de turistas internacionais, há poucas esperanças. Entre os principais emissores para Pernambuco, estão a Argentina, já combalida pela crise econômica desde antes da pandemia; Portugal, onde foi reforçado o estado de emergência, e outros países que se tornaram epicentro da contaminação, como Itália, Estados Unidos, Espanha e França.
O fato de o vírus atingir diferentes locais do planeta em ritmos distintos, aliás, será um dos grandes entraves para a recuperação do turismo e que pode torná-la mais lenta que o esperado. Quando uma área se revigorar, outra pode estar com conexões aéreas interrompidas e fronteiras fechadas, por exemplo, inviabilizando os deslocamentos e aguçando inseguranças. Basta olhar o que ocorre neste momento na China, que teme um novo ciclo de infecção.
E para pensar em viajar, será preciso ter as condições financeiras preservadas. A maioria terá o poder aquisitivo reduzido, que levará ao corte do “supérfluo”: turismo e entretenimento, em geral.
Segundo a Organização Mundial de Turismo (UNWTO, na sigla em inglês), o setor pode demorar de cinco a sete anos para recuperar as perdas de 2020, exponencialmente piores do que as registradas nas crises de 2003 (propagação da síndrome respiratória Sars) e 2007/2008 (bolha imobiliária do subprime) juntas.
>> Parte dos brasileiros espera viajar dentro e fora do País ainda este ano, apesar do coronavírus
>> Coronavírus nos ensina a repensar formas de estar no mundo
Se antes da pandemia havia uma projeção de crescimento do turismo global entre 3% e 4% em 2020, estima-se agora uma queda entre 20% e 30% nas viagens, com prejuízo de US$ 300 bilhões a US$ 450 bilhões em gastos dos turistas. A crise econômica de 2008 provocou uma queda de 4% das viagens internacionais em 2009. No auge da Sars, o recuo foi somente de 0,4%.
O desafio agora para as empresas do setor, 80% delas micro e pequenas no Brasil, é não só atravessar a pandemia, como permanecer no top of mind dos clientes no pós-covid-19. Para isso, só a comunicação salva. Manter a marca presente na vida das pessoas, via redes sociais, newsletter ou qualquer outra ferramenta digital, marcará a diferença. Desde que, é claro, os discursos e atitudes sejam genuínos, coerentes e transparentes. Mais do que nunca, estamos todos atentos à solidariedade de cada um a favor da segurança e da saúde de todos.
A própria UNWTO ressalta que a construção do futuro começa desde já. “Essa crise oferece uma oportunidade única de moldar o setor para garantir que não apenas cresça, mas também melhore, com inclusão, sustentabilidade e responsabilidade priorizadas”, destaca a organização em seu “call for action” (chamado à ação) publicado na última semana.
Seja qual for a situação opressora, na saúde, na economia ou na política, sempre há de resistir na boca da noite um gosto de sol.