A liberação de vistos de entrada para turistas vindos dos Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália, China e Índia foi alardeada no ano passado pelo governo federal como a panaceia que faria o Brasil multiplicar o número de visitantes internacionais. Na prática, o País teve um desempenho pífio na atração de estrangeiros. Isso antes mesmo da covid-19 se tornar um problema mundial. A constatação frustrante vem dos dados da Organização Mundial de Turismo (UNTWO, na sigla em inglês), que apresentou esta semana o desempenho do setor em 2019 e também no primeiro quadrimestre de 2020, já sob os efeitos da pandemia.
O Brasil recebeu no ano passado 6.353 turistas vindos do exterior, contra 6.621 em 2018, uma queda de 4,1%. Conseguiu ser pior que a performance dos últimos anos, marcada pela estabilidade.
Desta vez, não adianta culpar só as gestões anteriores ou a conjuntura externa. Enquanto o País patinava em terreno negativo, o mundo registrou, em média, aumento de 3,6% na entrada de visitantes internacionais. Se a comparação for com os vizinhos sul-americanos, a vergonha é maior. Argentina teve aumento de 6,6%, com 7,4 milhões de turistas, Colômbia, de 3,4%, e até o Paraguai, menor e menos diverso que os demais, cresceu 2,9%.
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O que justifica os resultados no Brasil se a própria UNTWO atesta que a isenção de vistos tende a aumentar em até 25% a entrada de visitantes beneficiados? É que a facilidade burocrática sozinha não supera uma imagem internacional negativa, como a que o País vem cultivando.
Ao longo de 2019, não faltaram notícias nos principais veículos de imprensa do planeta sobre a turbulência político-econômica vivida no Brasil, o desrespeito aos direitos humanos, a violência urbana e os desastres ambientais, como o derramamento de óleo no Nordeste e as queimadas na Amazônia. Fatores como esses são determinantes na escolha dos turistas. Ainda mais daqueles com maior poder aquisitivo e mais habituados a viajar, como os vindos das principais nações emissoras, que o País tanto cobiça. Afinal, quem quer ser surpreendido nas férias por protestos e violência de todos os lados na rua, piche na praia ou incêndio na floresta?
Soma-se à questão pragmática da segurança, a tendência mundial de valorização do turismo consciente, que leva em conta a preocupação com a sustentabilidade e o desenvolvimento social nos destinos.
Corta para 2020.
Quando se considera o impacto da covid-19, os números da UNWTO são os esperados para um período de paralisação quase total das atividades. Na 46ª posição entre os países que contabilizam maior receita com o turismo, o Brasil registrou queda de divisas de 31,8% entre janeiro e abril. Já os gastos dos brasileiros no exterior caíram 46,1% em comparação com o mesmo período de 2019.
No mundo, o quadrimestre foi marcado por retração de 44% de chegadas internacionais, com prejuízo estimado em US$ 195 bilhões. Em abril, o primeiro mês sob as medidas mais restritivas de isolamento social, a queda na movimentação foi de 97% .
Primeiros mercados a serem atingidos pela pandemia, Ásia e Pacífico registram os piores resultados entre janeiro e abril, com recuo de 51%. A Europa teve a segunda maior queda, de 44%, seguida pelo Oriente Médio (-40%), Américas (-36%) e África (-35%).
Para o fechamento do ano de 2020, a UNWTO, projeta reduções no número global de turistas internacionais de 58% a 78%, dependendo dos cenários apresentados pelos países. A entidade ainda prevê que somente entre dois e três anos o turismo mundial comece a voltar a patamares pré-pandemia. O ritmo dessa recuperação, no entanto, vai depender da seriedade no controle do surto, com a desaceleração da taxa de transmissão e o respeito às novas normas de segurança sanitária.
Tudo o que o Brasil não tem feito, a começar pelo presidente da República, que incita aglomerações e se recusa a usar máscara em ambientes públicos, ainda que a lei o determine.
Nunca é demais lembrar que o País atravessa a pior fase da pandemia sem um titular no Ministério da Saúde, além de ameaçar deixar a OMS. Nesta quinta-feira (25), completam-se 41 dias da saída de Nelson Teich. Nesse período, passamos a ocupar o segundo lugar no número de mortes (53.874), atrás apenas dos EUA (121,8 mil). Somente entre a terça (23) e a quarta (24), foram 1.103 novos óbitos e 40.995 novos casos, de um total de 1.192.474.
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Lá fora, quase 50 destinos se preparam para retomar o turismo. Na União Europeia, está em fase final a elaboração da lista de países que poderão cruzar as suas fronteiras na abertura aos estrangeiros fora do bloco, marcada para a próxima quarta-feira (1/7). Pelo andar (titubeante) da carruagem, dá para prever o nosso lugar na fila desse pão. É praticamente certo que o Brasil ficará de fora, como já foi excluído pela Grécia. Até o "irmão" Portugal declarou que vetará brasileiros se a Comissão Europeia assim determinar. EUA e Rússia provavelmente estarão conosco no clube do ostracismo. Já os visitantes da China, Uganda, Cuba e Vietnã devem ser aceitos, segundo publicação do jornal The New York Times (NYT).
Enquanto isso, o que anda fazendo Gilson Machado, o presidente da nova Embratur, agora Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo? Algumas lives nas redes sociais, supostamente com especialistas em turismo. Entre eles, o lutador de MMA Vítor Belfort, a quem concedeu o título de Embaixador do Turismo Brasileiro nos Estados Unidos, onde, aliás, brasileiros também estão impedidos de entrar. A não ser que tenham passaporte diplomático. Mas isso já é outro capítulo da mesma história.