Nos quatro cantos de Olinda tem chegado poucas pessoas. E todo mundo que chegou vem de pertinho. Em tempos de pandemia, o título da conhecida música de Alceu Valença "Me segura que senão eu caio", composta por J. Michiles, vem representando bem o esforço das pousadas da cidade em se manter de pé, apoiadas cada vez mais nos "turistas" da Região Metropolitana do Recife. Neste difícil período em que a Covid-19 vem descendo ladeira e fazendo poeira o que vem atiçando o calor - ou aquecendo a economia - é mesmo o turismo local.
Um exemplo disso está próximo aos quatros cantos descrito na canção, alguns metros adiante na Rua Prudente de Moraes, na Pousada dos Quatro Cantos. O empreendimento montado há 38 anos no charmoso casarão do século XIX era uma espécie de disputado camarote para ver os blocos passarem pela rua nos dias de carnaval. Como a folia deste ano foi cancelada, o local teve que conviver com um estranho e incômodo vazio. Como se anunciasse uma agremiação triste e monótona que ninguém quer ir na sacada ver e todos esperam que ela passe logo. Todavia, por enquanto, ela insiste em permanecer. Infelizmente.
"Claro que no período dos outros carnavais a pousada sempre ficava cheia, mas a gente observava que no pós-folia esta ocupação ainda se mantinha um pouco, em torno de 38%. Este ano, com o cenário de pandemia, ela não chega nem a 10% agora em março", lamenta a gerente Sheila Lima. Além da quantidade, o perfil dos hóspedes também mudou. De acordo com ela, antes da pandemia, a procedência deles era 55% internacional, 40% nacional e apenas 5% local. Agora, o público local deu um pulo para 45%, enquanto o nacional se manteve em 45% e o internacional caiu para 10%. "Nossos hóspedes hoje são basicamente pessoas que moram no Recife que vem em busca da tranquilidade da parte histórica de Olinda. Eles querem descanso e segurança perto da casa deles", resumiu, enfatizando todos os protocolos sanitários adotados e que estão com tarifas promocionais.
Sheila dá mais detalhes deste novo público e observa que algumas profissões se repetem. “São muitos profissionais de saúde, como médicos, que estão estressados por trabalhar na linha de frente contra a Covid-19. Tem também professores que estão dando muitas aulas on-line e pessoas de outras áreas que dizem estar sufocadas por atuar em home office. Todos se sentem presos e trazem suas famílias para cá buscando a paz da cidade”, explicou a gerente que já está se acostumando com os 19 apartamentos da pousada sendo cada vez mais ocupados pelos vizinhos.
A vizinhança da capital também invadiu outra tradicional pousada de Olinda, a do Amparo. Em 25 anos de existência, os 16 quartos nunca foram tão solicitados pelos recifenses. “Antes da pandemia eles correspondiam a apenas 30% dos hóspedes. A maioria vinha de São Paulo e Minas Gerais, no recorte nacional, e da França, Inglaterra e Alemanha, no internacional. Agora, o recifense já é responsável por 70% das reservas”, disse o gerente Vítor Castelo Branco.
O principal público vem sendo o de casais. “São pessoas casadas ou que namoram e que, em meio ao estresse da pandemia, vem em busca de momentos românticos em um ambiente charmoso. Elas querem ter uma noite especial, mas por segurança não desejam ficar muito longe de casa, em caso de alguma emergência de saúde”, contou Vítor, lembrando de um caso do dia anterior. “Ontem mesmo, um casal que mora nas Graças veio aqui comemorar 10 anos de casados. Eles deixaram o filho pequeno com uma pessoa e ganharam o vale-night. Mas no início da noite, ficaram preocupados, voltaram para casa para colocá-lo para dormir e em seguida retornaram à pousada para jantar, degustar um vinho e dormir”, relatou o gerente.
O advogado Victor Balio, de 24 anos, esteve na pousada no início deste mês com a noiva para comemorar 8 anos de relacionamento. Morador de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, ele disse que nunca havia se hospedado antes no Sítio Histórico de Olinda. “Nossa primeira ideia era ir para Pipa, mas como tenho um pai idoso de grupo de risco achei melhor não me expor em uma praia badalada e ficar por perto em caso de urgência. Então a gente se perguntou: Por que não Olinda? Foi uma experiência massa. Nos sentimos bem seguros com todos os cuidados que vimos na pousada e acabamos gostando desse turismo mais 'bairrista' em Pernambuco mesmo”, afirmou o advogado.
Na mesma Rua do Amparo, poucos metros adiante fica a Pousada Villa Olinda que existe há 7 anos e conta com 6 apartamentos. Além da maior procura por pessoas da região metropolitana, o local registrou também uma demanda vinda do interior de Pernambuco. “Temos recebido muitas pessoas do Agreste, como Caruaru, Gravatá e Garanhuns. Também chegam pessoas de Estados próximos, como Paraíba e Alagoas”, disse a proprietária Rebeca Morais.
A proteção contra a Covid-19 no local, assim como nos outros visitados, é vista da entrada até os quartos. Todavia, Rebeca aproveitou pra denunciar um grande obstáculo: a falta de água na cidade. Inclusive, na última quinta-feira, quando o JC esteve no local, a pousada estava sendo abastecida por um carro pipa. “Na virada do ano passamos 30 dias sem abastecimento de água, hoje já estamos há 10 dias. Por isso tive que gastar com carro pipa. E olhe que estamos falando da Rua do Amparo, umas das mais conhecidas da cidade. Olinda é um lugar maravilhoso, mas como em plena pandemia, pode faltar um item tão básico no combate ao vírus?” questionou Rebeca.
Realmente, a canção de Alceu, citada no início da reportagem, vale não só para as pousadas, mas também todas as moradias de Olinda também neste contexto da necessária ajuda dos órgãos públicos. Me segura que senão eu caio.