O vaivém das viagens internacionais é uma constante nos últimos anos para Samuel de Saboia. Atualmente em São Paulo, o artista pernambucano de 22 anos já está arrumando as malas para voltar à Europa, após passar três meses em Zurique, na Suíça, onde abriu a exposição individual Um Pássaro Chamado Inocência, na Galeria Kogan Amaro. Considerado um dos grandes expoentes contemporâneos das artes visuais, ele desenvolve um complexo projeto artístico, com seus traços marcantes, que une referências múltiplas e transita por diferentes linguagens.
A dedicação de Samuel ao seu fazer artístico começou ainda cedo, na pré-adolescência. Seu empenho em expressar-se através de suas criações resultou em uma produção original que não demorou para chamar a atenção do circuito da arte nacional e internacional, inicialmente através da internet. Aos 21 anos, o recifense já era destaque nos Estados Unidos, onde realizou uma aclamada exposição em Nova York, além de projetos paralelos, como, aliás, é natural para ele, que costuma trabalhar simultaneamente em várias frentes.
"O tempo está a nossa favor quando a gente sabe utilizar; nunca vem demais nem de menos. No meu caso, estou sempre criando ou estudando para criar, sempre em trânsito. É corrido. Já tive que pintar uma bota para (a cantora) Erykah Badu no aeroporto, entre um voo e outro, por exemplo (risos). Me anima conseguir movimentar esses projetos tão bonitos agora", conta.
Grande parte dessa força produtiva é fruto da convicção da verdade do seu trabalho e da importância de manter-se fiel à sua verdade, expressando sua subjetividade sem concessões. Ele atribui muito de sua ética de trabalho aos anos de formação no bairro do Totó, no Recife, e à observação dos esforços dos pais, que também o estimularam a exercitar um olhar atencioso ao outro.
"Com meu trabalho, estou comprovando que várias das limitações que nos são impostas não nos definem. Recife tem muitos artistas incríveis e não quero pegar para mim um lugar de representante de uma cena e de uma geração. O que eu sinto é que permito para esse imaginário de jovem artista que vem do Nordeste, do Recife, outras rotas. O meu trabalho, tudo que eu faço, é sobre construir essas rotas para permitir acessos aos corpos pretos, queer, indígenas, que vieram da quebrada e não tiveram acesso aos grandes mestres. Minha luta é por uma arte libertadora, que seja fator de mudança; é para as pessoas que sonham e que enxergam a arte como único meio possível", enfatiza.
Quando a pandemia da covid-19 foi instaurada, Samuel de Saboia estava em Zurique preparando os trabalhos da exposição Um Pássaro Chamado Inocência, atualmente expostos na Galeria Kogan Amaro, em São Paulo. São criações que tocam em temas caros à produção do artista, como desejo, espiritualidade, temáticas sociais e interseccionalidade. Além das telas produzidas na Europa, a mostra também é composta por quadros produzidos no início do ano, durante uma rápida temporada no Recife.
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"Pouco tempo depois de eu chegar em Zurique, fechou tudo por conta da pandemia. Essa sensação de estar em uma cidade estranha, enclausurado, acabou fazendo com que as obras criadas lá ficassem mais encapsuladas, em uma espécie de universo próprio. Pintar lá trouxe um processo de revisitar memórias, boas e ruins. No Recife, são outros estímulos: pai, mãe, vida, sexualidade. Recife, para mim, são estímulos internos e externos, não tem para onde correr", reflete.
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Essa relação com sua cidade natal permeia sua obra direta ou indiretamente. Samuel aponta o Recife como um norte, uma referência tanto de onde veio, como também de um lugar para onde sempre voltará. Ele afirma que a capital pernambucana lhe deu um ritmo, uma referência de espaço urbano, de desejo; um local que vibra com criatividade, talento e contradições.
"O Recife representa uma carga de cultura muito grande para mim. Vivi 17 anos na cidade e, ainda que muita gente veja isso como pouco tempo, para mim é a maior parte da minha existência. Sou atravessado por várias referências, as festas, o lugar onde morei, a igreja, o Marco Zero. São muitos núcleos de desenvolvimento pessoal", aponta.
Prestes a embarcar para Londres, onde pretende aproveitar o verão europeu e estudar o mercado local, ele deve, em agosto, encerrar sua exposição em Zurique com uma performance. Destaque em publicações internacionais, como The New York Times, i-D, Flaunt, Vice, entre outras, o artista diz querer em breve comprar uma casa para ter endereço fixo, mas que por enquanto tem aproveitado essa correria que o trânsito constante proporciona.
Samuel conta que está envolvido em diversos projetos. Recentemente, assinou uma pintura da cantora Teresa Cristina para a capa de julho da Vogue Brasil. Suas ações se expandem também para outras linguagens com projetos, ainda sigilosos, com moda, teatro e música.
"Artes visuais, dramaturgia, videoclipes, moda: para mim não tem muito isso de separar, eu gosto da mistura. Sempre viajo com um teclado e tenho produzido algumas coisas, que ainda prefiro manter para mim, mas costumo compartilhar com uns amigos, como Baco (Exu do Blues), Liniker, Xênia (França), Ana Garcia, que me incentivam bastante", conta."Vamos ver no que vai dar. Meu futuro quem está criando é Deus e, dentro do que posso fazer, eu."