A criatividade sem fronteiras do artista recifense Samuel de Saboia

Com exposições no circuito mais estrelado, pernambucano é um dos principais expoentes de sua geração
Márcio Bastos
Publicado em 10/07/2020 às 18:18
Com traços originais e aventurando-se por diferentes linguagens, Samuel de Saboia conquista um espaço sui generis no circuito da arte Foto: DIVULGAÇÃO


O vaivém das viagens internacionais é uma constante nos últimos anos para Samuel de Saboia. Atualmente em São Paulo, o artista pernambucano de 22 anos já está arrumando as malas para voltar à Europa, após passar três meses em Zurique, na Suíça, onde abriu a exposição individual Um Pássaro Chamado Inocência, na Galeria Kogan Amaro. Considerado um dos grandes expoentes contemporâneos das artes visuais, ele desenvolve um complexo projeto artístico, com seus traços marcantes, que une referências múltiplas e transita por diferentes linguagens. 

A dedicação de Samuel ao seu fazer artístico começou ainda cedo, na pré-adolescência. Seu empenho em expressar-se através de suas criações resultou em uma produção original que não demorou para chamar a atenção do circuito da arte nacional e internacional, inicialmente através da internet. Aos 21 anos, o recifense já era destaque nos Estados Unidos, onde realizou uma aclamada exposição em Nova York, além de projetos paralelos, como, aliás, é natural para ele, que costuma trabalhar simultaneamente em várias frentes.

 
 
 
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Inocente. 40x60. Parte da minha nova exposição “A Bird Called Innocence”, Junho de 2020 na @galeriakoganamaro Löwenbräu-Kunst.

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"O tempo está a nossa favor quando a gente sabe utilizar; nunca vem demais nem de menos. No meu caso, estou sempre criando ou estudando para criar, sempre em trânsito. É corrido. Já tive que pintar uma bota para (a cantora) Erykah Badu no aeroporto, entre um voo e outro, por exemplo (risos). Me anima conseguir movimentar esses projetos tão bonitos agora", conta. 

Grande parte dessa força produtiva é fruto da convicção da verdade do seu trabalho e da importância de manter-se fiel à sua verdade, expressando sua subjetividade sem concessões. Ele atribui muito de sua ética de trabalho aos anos de formação no bairro do Totó, no Recife, e à observação dos esforços dos pais, que também o estimularam a exercitar um olhar atencioso ao outro.

 
 
 
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“Mesmas Orações / Diferente Deus” - Finalizando para minha próxima exibição dia 6 de Junho aqui em Zurich. ????

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"Com meu trabalho, estou comprovando que várias das limitações que nos são impostas não nos definem. Recife tem muitos artistas incríveis e não quero pegar para mim um lugar de representante de uma cena e de uma geração. O que eu sinto é que permito para esse imaginário de jovem artista que vem do Nordeste, do Recife, outras rotas. O meu trabalho, tudo que eu faço, é sobre construir essas rotas para permitir acessos aos corpos pretos, queer, indígenas, que vieram da quebrada e não tiveram acesso aos grandes mestres. Minha luta é por uma arte libertadora, que seja fator de mudança; é para as pessoas que sonham e que enxergam a arte como único meio possível", enfatiza. 

CORPO NO MUNDO

Quando a pandemia da covid-19 foi instaurada, Samuel de Saboia estava em Zurique preparando os trabalhos da exposição Um Pássaro Chamado Inocência, atualmente expostos na Galeria Kogan Amaro, em São Paulo. São criações que tocam em temas caros à produção do artista, como desejo, espiritualidade, temáticas sociais e interseccionalidade. Além das telas produzidas na Europa, a mostra também é composta por quadros produzidos no início do ano, durante uma rápida temporada no Recife.

 
 
 
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Lovers / How it Felt When We Met. 70x60 Aquelas sensações que nem a gente sabe explicar. ??????????

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"Pouco tempo depois de eu chegar em Zurique, fechou tudo por conta da pandemia. Essa sensação de estar em uma cidade estranha, enclausurado, acabou fazendo com que as obras criadas lá ficassem mais encapsuladas, em uma espécie de universo próprio. Pintar lá trouxe um processo de revisitar memórias, boas e ruins. No Recife, são outros estímulos: pai, mãe, vida, sexualidade. Recife, para mim, são estímulos internos e externos, não tem para onde correr", reflete.

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Essa relação com sua cidade natal permeia sua obra direta ou indiretamente. Samuel aponta o Recife como um norte, uma referência tanto de onde veio, como também de um lugar para onde sempre voltará. Ele afirma que a capital pernambucana lhe deu um ritmo, uma referência de espaço urbano, de desejo; um local que vibra com criatividade, talento e contradições. 

"O Recife representa uma carga de cultura muito grande para mim. Vivi 17 anos na cidade e, ainda que muita gente veja isso como pouco tempo, para mim é a maior parte da minha existência. Sou atravessado por várias referências, as festas, o lugar onde morei, a igreja, o Marco Zero. São muitos núcleos de desenvolvimento pessoal", aponta.

Prestes a embarcar para Londres, onde pretende aproveitar o verão europeu e estudar o mercado local, ele deve, em agosto, encerrar sua exposição em Zurique com uma performance. Destaque em publicações internacionais, como The New York Times, i-D, Flaunt, Vice, entre outras, o artista diz querer em breve comprar uma casa para ter endereço fixo, mas que por enquanto tem aproveitado essa correria que o trânsito constante proporciona.

Samuel conta que está envolvido em diversos projetos. Recentemente, assinou uma pintura da cantora Teresa Cristina para a capa de julho da Vogue Brasil. Suas ações se expandem também para outras linguagens com projetos, ainda sigilosos, com moda, teatro e música.

 
 
 
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Lembro da primeira vez que li uma Vogue, comprei uma edição já há alguns anos atrasada, foram dois reais do lanche que gastei em um sebo na frente da estação de metrô, a ideia de juntar 18 reais pra comprar uma na banca sequer passava na minha cabeça. Levei pra casa e folheei, recortei, colei algumas páginas na parede do quarto, segui de cabo a rabo mas não me vi, depois de alguns meses e algumas edições também atrasadas continuei sem me ver, existia uma informação e um mundo desconhecido ali, minha mãe não portava Chanel, meu pai não tinha o mais novo Patek, a lista dos melhores destinos para as férias não me fazia muito sentido, a viagem mais longa que eu fazia era o ônibus lotado de manhã cedo pra escola e depois um ainda mais cheio pra a faculdade. Ainda assim algo me confortava, histórias de artistas, da elite brasileira e internacional, a imagética da opulência e dos filhos de alguém que não sabiam se queriam ser designers ou seguir os passos de suas famílias elucidavam uma realidade da qual eu estava muito distante, era 2011 eu tinha 13 anos, esses últimos 9 anos tantas coisas mudaram e ainda que não apenas devido ao amor mas também a necessidade de adaptação aos novos sistemas mercantilistas estamos nas conversas, nos rodapés, vez ou outra numa nota, ou algumas páginas, olha lá estou na capa...narrativas, histórias, sonhos e tantas revoluções diárias que fazem com que cada vitória tenha um sabor um tanto menos amargo. Hoje estou na capa, já fiz algumas internacionais, mas em dez anos de carreira essa é a minha primeira nacional, daqui, de casa, do Brasil. Com muito amor e orgulho apresento a vocês a nova @voguebrasil um retrato que fiz da querida e potente @teresacristinaoficial a convite da equipe da Vogue. @camirusso @pedrosales_1 @juliakoala @danielafalcao1 muito obrigado pelo convite, pela disposição a criar algo novo, a abrir os olhos para uma identidade sempre presente mas por tanto tempo subsidiada, é lindo ver corpos como o meu não ocupando mas fazendo parte, de forma orgânica e sincera esses outros espaços. A Deus, meu mais sincero obrigado, estou aqui graças a Ti e a Erisvaldo Lourenço França Filho e Mirian Dos Santos Saboia França, +1x obg! ??

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"Artes visuais, dramaturgia, videoclipes, moda: para mim não tem muito isso de separar, eu gosto da mistura. Sempre viajo com um teclado e tenho produzido algumas coisas, que ainda prefiro manter para mim, mas costumo compartilhar com uns amigos, como Baco (Exu do Blues), Liniker, Xênia (França), Ana Garcia, que me incentivam bastante", conta."Vamos ver no que vai dar. Meu futuro quem está criando é Deus e, dentro do que posso fazer, eu."

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