Os últimos anos foram intensos para Silva e provocaram uma mudança significativa em sua música e performance. Do músico introvertido, que, como lembra, praticamente só falava "boa noite" e "obrigado" nos shows, tamanha a timidez, ao showman que comandou um público de dez mil pessoas no seu bloco carnavalesco, uma segurança crescente permitiu que o capixaba se soltasse no palco e nas composições, lançando luz sobre experiências que ele antes mantinha reservadas. Esse processo de metamorfose se materializa de forma mais clara em Cinco, álbum que é lançado nas plataformas de streaming nesta quinta-feira (10), às 20h.
Para se ter uma dimensão da jornada musical que o artista passou, em seus primeiros três discos, as bases eletrônicas davam o tom das composições, enquanto neste novo trabalho, não há qualquer som produzido por computador.
"É um disco muito orgânico, que tem muito sopro, muito arranjo. Eu imaginei ele sendo tocado ao vivo. É um álbum todo analógico, orgânico. Quando eu comecei, não tinha feito nenhuma apresentação como Silva, só tinha criado música no quarto. Eu não tinha sido cantor", explica. "A partir do momento em que comecei a ir para o palco, mudou muito minha percepção."
Neste quinto disco de inéditas (ao todo já lançou dez, entre álbuns ao vivo e um com o repertório de Marisa Monte), Silva mantém as influências de ritmos brasileiros, adicionando também inspirações caribenhas, como o reggae e o ska, a exemplo da faixa No Seu Lençol, além do jazz e da verve pop que o acompanha desde o início da carreira.
O músico começou a trabalhar no álbum antes da pandemia — ele estava na Bahia, logo após a maratona de Carnaval quando os estados começaram a decretar o lockdown —, junto ao irmão Lucas Silva, seu colaborador frequente nas composições. Cinco carrega essa espécie de banzo pós-folia, uma espécie de fim da inebriação dos excessos, sejam eles quais forem, do desejo, do amor, da diversão. É intimista, mas longe de ser hermético, soando mais como reflexões que, de fato, nasceram perto do mar.
Ele volta a colaborar com Anitta, com quem tem o hit Fica Tudo Bem, do álbum Brasileiro (2018), na faixa Facinho. Com Criolo, divide os vocais da excelente Soprou, além de receber o ídolo João Donato em Quem Disse, que bebe na fonte da Bossa Nova. Essa diversidade nos convidados é própria da obra de Silva, que reúne suas várias influências, da formação clássica às referências da indústria cultural.
Se em termos instrumentais o trabalho se constrói na organicidade buscada pelo artista através do uso de metais, cordas e instrumentos de sopro, criando uma atmosfera que evoca uma certa leveza, nas letras Silva não se furta de abordar os dissabores da vida e do amor. A pandemia (e os sentimentos de solidão e estranheza causados por ela) aparece como tema em Jogo Estranho.
"A ideia do disco já vinha de antes e talvez trazer (de forma mais enfática) a questão da pandemia trouxesse mais angústia para as pessoas. Acho que o disco é esperançoso", pontua. "O álbum traz algumas coisas que eu não tinha cantado até então, como os desamores. Eu quis mostrar alguns lados meus que as pessoas que não me conhecem. Meus amigos sempre falam que o Lúcio (nome do cantor) é mais legal do que o Silva. Eu gosto de uma ironia, que é um elemento que não trazia tanto para as minhas músicas".
Esse lado mais assertivo é resultado também das experiências provenientes da presença online do cantor, cada vez mais intensa. Essa troca diárias com fãs e detratores criou nele uma liberdade maior para não se apegar tanto aos elogios e também não ligar tanto para as críticas. Essa postura mais afirmativa aparece em canções como Furada e Passou Passou, recados de emancipação para paixões fundamentadas em ilusões.
Com as incertezas do cenário social, ainda não há perspectiva de voltar aos palcos, mas Silva se diz ansioso, pois nunca passou tanto tempo sem se apresentar. "Reclamar, nesse momento, é difícil, diante da situação do País, mas estou com muita saudade de tocar", enfatiza.