Difícil escolher uma palavra para marcar 2020 na cultura. Talvez resiliência. Essa capacidade de se adaptar a má sorte e a mudanças; de recobrar-se e começar de novo — ainda que em outro formato, de outro jeito. Assim vive o setor neste ano de pandemia. Um ano de tentativas, solidariedade, ressignificados e metamorfoses. Um ano em que artistas e produtores deram a esperança, a alegria e o conforto a quem foi obrigado a isolar-se. Ao mesmo tempo, tantas lágrimas. Por tantos artistas que nos deixaram. Muitos pela covid-19, doença que vem ceifando vidas no planeta. Aqui, vão alguns destaques desses longos dias.
Muitas mudanças — sem realizações — na gestão da Secretaria Especial da Cultura do governo Bolsonaro. O ano começou com polêmicas em torno do secretário Roberto Alvim, que fez uma “varredura” na pasta, demitindo nomes importantes. Acabou ele mesmo saindo por copiar frases de um discurso nazista e dizêlas em um pronunciamento oficial. Em seguida, assumiu a atriz Regina Duarte. Ficou apenas dois meses, depois de ter pedido demissão da Globo, onde atuou por mais de 50 anos.
Deixou a secretaria — depois de muita fritura — para assumir a Cinemateca Brasileira, o que não ocorreu. No seu lugar, Mário Frias, ex-galã de Malhação. A secretaria segue esvaziada, sem órgãos importantes, como a Fundação Cultural Palmares, a Funarte e a Ancine, todos vinculados à pasta de Turismo, comandada atualmente pelo pernambucano Gilson Machado.
O mercado da música dividiu-se entre antes e depois de março, quando foram suspensas festas, shows e eventos. O setor respondeu rápido com as lives. Teve para todos os gostos — de gospel a MPB e até festivais, como o One World: Together At Home, organizado por Lady Gaga em parceria com a OMS. No Brasil, o sertanejo Gusttavo Lima bateu recorde de Beyoncé e sua live-show tornouse a mais visualizada no YouTube. Atingiu 750 mil acessos simultâneos. O projeto Sesc Ao Vivo fez trabalho robusto: transmitiu 434 vezes — entre shows, espetáculos de teatro e dança. No mundo, a música mais escutada foi Blinding Lights, de The Weeknd, com mais de 1,6 bilhão de streams.
As principais feiras de arte — como a Bienal de São Paulo — foram suspensas ou adiadas. Outras reinventaram-se e migraram para o digital, como a SP Arte, que seria em abril e foi realizada em agosto. Galerias e museus do mundo abriram gratuitamente seus acervos para visitas virtuais. Os festivais também aderiram à virtualidade, como o Coquetel Molotov (foto). Programações híbridas — online e presencial — são um formato novo, que pode ficar.
Foi um ano agitado para o cinema. Em fevereiro, vibrações com a vitória histórica do sul-coreano Parasita no Oscar. Já em março, com a pandemia, as salas fecharam e toda a cadeia produtiva surtou ao saber da não realização do Festival de Cannes. Depois chegaram soluções: a Netflix obteve recorde de receita e viu novas plataformas concorrentes surgirem. Os cinemas drivein voltaram — ainda que pontualmente.
Festivais importantes foram para o virtual, como o de Gramado e de Brasília, recentemente, além do Cine PE. Neste meio tempo, a Cinemateca Brasileira entrou na maior crise da sua história com falta de verbas repassadas pelo Governo Federal. Em agosto, as salas voltaram. E com elas, uma nova estratégia pensada pelas distribuidoras e já experimentada nos EUA: lançar filmes, simultaneamente, no cinema e no streaming.
Para a literatura brasileira — e, especialmente, para nós pernambucanos — foi um ano especial com as celebrações dos 100 anos de nascimento de João Cabral de Melo Neto, dos 120 de Gilberto Freyre e também do centenário de Clarice Lispector; a ucraniana mais pernambucana que existe. Mas foi também um ano para olhar os nossos contemporâneos e festejar Cida Pedrosa. A poeta — nascida em Bodocó e radicada no Recife — conquistou dois Jabutis: Livro do Ano e de Poesia, com sua obra Solo para Vialejo, editada pela Companhia Editora de PE, a Cepe.
>> Pernambucana Cida Pedrosa é a grande vencedora do Prêmio Jabuti