Tem cor de terracota, cadeiras de espaguete e peças de barro a nova casa de George Gepp. O barista — já eleito o 4º melhor do Brasil — pousou, há cerca de um mês, desta vez num voo solo, na sua nova cafeteria, a So Lo. Com trocadilho, mesmo — afinal, ele preza por uma sensação de estar à vontade (que é quando a gente usa trocadilhos).
À vontade, inclusive, para colocar açúcar no café com leite. O doce, claro, não vai no copo americano, onde é servido, mas um açucareiro é entregue junto com a bebida. Há quem possa achar acintoso adoçar o café da cafeteria de um barista gabaritado, mas o compromisso de George é para além de delimitar o que pode e o que não pode.
O compromisso dele é com a origem da nossa relação com a bebida em casa — e por isso a cor terna com que pintou a cafeteria, o macio do espaguete, a decoração trazida de Tracunhaém... tudo tornando uma loja de galeria num lugar próximo a lares dos anos 1980, década em que nasceram o barista, eu e uma geração energizada por café.
Na So Lo — que está localizada no Poço da Panela, rua dos Arcos, 60, abrindo de terça a domingo, das 9h às 20h — há mais possibilidade de práticas acintosas (contém ironia, claro): para simplificar a vida dos baristas e a de quem quer um café bom e pronto, George Gepp usa uma máquina utilizada também pelas redes Starbucks e McDonalds. E para conservar o café, ele põe a bebida numa garrafa térmica. Não a que a gente usa em casa, obviamente, mas uma com vedação suficiente para o café entrar, ficar e sair sem risco de alta oxidação, mantendo a qualidade. Provado e aprovado.
A máquina não iguala nem difere os cafés da So Lo e da McDonalds. Devidamente ajustada, é uma ótima ferramenta. Agora, no fato de o barista usar grãos acompanhados por ele no seu ciclo completo — da produção na fazenda até a torra e estoque — há, sim, um diferencial.
"Você pode ter 20 métodos e não ter propriedade sobre nenhum, nem consistência no preparo. Eu sou completamente contra esse cenário. Hoje eu tenho basicamente um método de extração de coado, que é o Melitta N4, um aprimoramento do Melitta tradicional, que a gente tem em casa", conta George sobre a evolução do primeiro método de extração em papel do mundo, de origem alemã. "Eu tenho no espresso o mais clássico possível, e tenho a máquina — que é meu xodó — de café coado, com que eu consigo uma porção maior com um valor mais honesto. Consigo ter muita qualidade", fala sobre a máquina Bunn.
Ele leva a gente a se solidarizar com baristas no caos que se pode se tornar uma situação de cafeteria cheia com clientes pedindo diferentes métodos. "Eu prefiro ter uma diversidade maior de grãos num único processo de extração. Eu vou conseguir te entregar e você vai perceber diferença entre os grãos."
Bebida tirada, o cardápio também contém uma variedade de bons acompanhamentos. A comida é comfort — de toasts, doces e salgados, a sanduíches em pães de produção artesanal, bolos e tapiocas. Há também petiscos para compartilhar, saladas e PFs para o almoço.
É assinado pelo chef Daniel Barros e tudo nele sai o dia todo. Quer uma ajuda por onde começar? Vá no toast de requeijão de corte com geleia de acerola.
Café do grão à bebida
Ainda que seja um negócio, a So Lo Brewing é, sobretudo, um projeto pessoal. Ali estão a paixão e a crença de George Gepp no café. Nas duas sílabas com que batizou sua nova casa cabem tanto o momento particular em que vive — de reconexão consigo, depois de um burnout que o tirou do prumo — quanto aquilo que mais valoriza — de onde vem o café que vai na xícara.
É por isso que há alguns anos ele tem executado um trabalho de acompanhamento da produção de grãos, com melhoramento no pós-colheita, da Rudimentar Coffee, em Taquaritinga do Norte, Agreste de Pernambuco. O município junto com Triunfo, no Sertão, pela altitude e variação climática, são hoje os únicos produtores de café no Estado. Para se ter ideia, no ano passado, um lote de grãos da Rudimentar foi vendido ao Peru por R$ 6 mil, a saca, sendo a mais cara da história cafeeira pernambucana — a produtora, antes, comercializava a saca por R$ 350. O barista chegou a vender a xícara por R$ 25 num campeonato.
Esse trabalho junto à produtora ilustra como ele está mais interessado na qualidade do café do que na decisão de como tomar a bebida; sem tanta firula nem dever com quase preciosismos. Também se trata de outro braço de mercado da So Lo, que se articula como uma trader de café para exportação, com um banco de grãos tanto daqui quanto das demais regiões cafeicultoras do País. Além do serviço de torrefação sob demanda, processo em que George Gepp é mestre.
Simbolicamente, a So Lo embute a religação de George com a terra (ele cresceu na zona rural do Estado do Rio de Janeiro) e, ainda, o seu enraizamento aqui. "Eu sou apaixonado por Pernambuco, já são oito anos morando aqui. Eu me identifiquei e me fiz profissionalmente aqui. Muita coisa que eu consegui construir da minha imagem, do meu respeito com o público, da forma com que eu lido com o consumidor final, consegui aqui", diz ele, que chegou ao Nordeste por causa de um trabalho nas unidades e franquias da rede São Brás.
No movimento da vida, fez morada no Recife. No boom dos food parks, tornou-se conhecido ao circular com a Spresso Bike Café; e depois pelo Borsoi Café, onde atuou por cinco anos, em sociedade.