De favelada à "Voz do Milênio", Elza Soares se consolidou como uma das maiores artistas da história da música popular brasileira. Reverenciada em todo o planeta, a "mulher do fim do mundo" faleceu nesta quinta-feira (20), com uma voz que tocou mais de seis décadas do samba aos mais variados gêneros da nossa cultura. A morte, de causas naturais, aconteceu na sua casa, no Rio de Janeiro, às 15h45, segundo sua equipe de comunicação.
"É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais. Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação", disse o comunicado da equipe.
"A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim”, aponta a nota publicada nas redes sociais da cantora.
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Ativa até o fim da vida, Elza lançou discos icônicos nos últimos anos da carreira, como "A Mulher do Fim do Mundo" e "Planeta Fome", que garantiram prêmios e reconhecimentos internacionais. Dedicou à vida ao samba, mas também ao jazz, o rock e múltiplos gêneros que fazem parte da cultura afrobrasileira.
No último Carnaval do Recife, em 2020, fez questão de se posicionar contra o presidente Jair Bolsonaro perante os gritos do público. "Não adianta mandar o cara tomar aqui, tomar ali gente. O negócio é ir para a rua. É bobagem, a gente não tem que mandar nada, tem que ir para a rua, é na rua que a gente faz a reviravolta, nas ruas", afirmou a cantora.
Repercussão
Com a morte da artista, famosos publicaram homenagens nas redes sociais. Políticos, músicos e outros artistas deixaram claro, em suas mensagens, o poder e a importância de Elza para a cultura nacional.
"Descansou a voz do milênio, a mulher do fim do mundo, uma das maiores artistas da história da música brasileira. Privilégio de ter trabalhado ao seu lado por algumas vezes, sempre carismática, sincera e entregue a arte. Eterna Elza soares!", comentou o músico Evandro Fióti.
O professor de direito Silvio Almeida, autor do livro "Racismo Estrutural", enfatizou a memória ancestral da artista. "Viva Elza Soares! Nós que aqui permanecemos, vamos honrar a sua luta, sua memória e seu legado. Que nossos ancestrais a recebam em festa", publicou no Twitter.
História
Elza Gomes da Conceição nasceu na favela de Moça Bonita, hoje conhecida como Vila Vintém, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Aos 12 anos, foi obrigada a se casar com Alaúrdes Soares, homem dez anos mais velho. Com ele, deve três filhos - dois morreram de fome, pois o casal não tinha recursos para se manter. A viuvez foi tão precoce quanto a maternidade.
A fome, fruto da grande desigualdade social do país, nunca deixou o imaginário da artista. Ela apareceu pela primeira vez na mídia carioca em um teste da Rádio Tupi, no programa "Calouros em Desfile". Tentando intimidá-la, o apresentador Ary Barroso perguntou: "De que planeta você veio, minha filha?". Ela rebateu: "Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome."
Nesse dia, Elza cantou "Lama", de Paulo Marques e Aylce Chaves, e ganhou a nota máxima do programa. Apesar disso, o sucesso não chegou tão rápido. Isso só começa a ocorrer em 1959, com a canção "Se Acaso Você Chegasse" (Lupicínio Rodrigues).
Já famosa, a cantora conheceu o jogador Garrincha (1933-1983), que morreu há exatos 39 anos, em 20 de janeiro de 1983. Com a chegada da ditadura militar, ela era mal vista pelo regime por ter gravado um jingle para a campanha que levou João Goulart à vice-presidência. Em 1970, teve sua casa metralhada no Rio de Janeiro e se exilou na Itália com Garrincha. Os dois viviam uma relação conturbada: o jogador, que sofria de alcoolismo, batia em Elza.
A vida da sambista teve vários altos e baixos. Mas ela sempre se reergueu com trabalhos elogiados. O melhor exemplo disso é que, em 2015, ela voltou a ser cultuada por diferentes gerações com o lançamento de "A Mulher do Fim do Mundo", seu primeiro disco totalmente inédito em mais de seis décadas de carreira. Esse disco entrou na lista de dez melhores álbuns de 2016 pelo jornal "The New York Times". A faixa "Maria da Vila Matilde" se tornou um hino contra a violência doméstica.
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