Nome que despontou na cena autoral pernambucana na década passada, Isadora Melo quebra um hiato de seis anos com o EP "Todo Ar", que chegou nas plataformas digitais nesta sexta-feira (21). A artista dá continuidade ao seu lirismo em canções acústicas, criadas com voz, baixo de Walter Areia (ex-Mundo Livre S/A) e bandolim de Rafael Marques. Com cinco faixas, o projeto chega ao público como uma forma de movimentar os lançamentos de Isadora enquanto o seu segundo álbum de estúdio, sucessor de "Vestuário", aguarda um momento mais profícuo para as artes.
A faixa-título foi uma composição conjunta com Juliano Holanda, importante compositor, produtor e articulador cultural do Recife, e Martins, que também ascendeu na música nos últimos anos. Na faixa "Corpo de uma Flor", Isadora ainda conta com coro de Marcelo Rangel e Rafael Marques. Ou seja, é mais um produto ligado à cena musical do coletivo Reverbo, iniciativa de Holanda e Mary Lemos para conectar artistas da metrópole e do interior com interesses estéticos em comum - compromisso com a poética, instrumentações orgânicas e sotaque pernambucano.
Apesar da voz doce e de composições que inspiram uma contemplação do cotidiano, o projeto acaba refletindo também o árduo momento que vivemos. Após viajar com a última turnê do Cordel do Fogo Encantado, "Viagem ao Coração do Sol", Isadora Melo estava prestes a lançar seu segundo disco, gravado com Henrique Albino, Lucas dos Prazeres e Rafael, até que chegou a pandemia. O EP "Todo Ar" é mais fruto do período.
"Eu precisava fluir de alguma maneira, então fiz esse compilado de composições que foram criadas exatamente no momento do isolamento", explica Isadora, em entrevista ao JC. "Resolvi, então, registrar essas músicas em um EP. São faixas que falam de alguma forma sobre a nossa crise, principalmente em 'Sábio Senhor'. Estamos vivendo num momento em que ficou claro que o dinheiro compra tudo e que não sabemos conviver com o resto do mundo. Existe crise climática, crise política, estamos sempre na beira de um colapso."
Isadora ressalta que o EP também tenta converter essa crise em uma "linha de esperança", num momento em que a sociedade tenta entender qual o caminho que seguiremos. "Precisamos observar as coisas, o tempo. Hoje em dia tudo é muito escasso. É difícil tomar um tempo para a contemplação, e eu evoco muito isso."
Nessa proposta, estão "Azeite, Limão e Sal", sobre contemplação de relações e o afetivo ligado à comida, e "Como o Sol da Manhã", uma tentativa de explicar as coisas do mundo para o filho Sereno. Já "Corpo de uma Flor" começou a ser feita há quase quatro anos, em mais uma parceria com Martins.
Um outro fator que influenciou a própria dinâmica de criação da artista foi a experiência em "Dorinha, Meu Amor", parceria com João Falcão que uniu música e dramaturgia num estilo de teatro de revista. "Desde então eu sabia que meus próximos trabalhos teriam um outro teor, no sentido de cantar minhas músicas. Eu entrei em um processo de entender como era importante o meu texto e 'ver o mundo' através das minhas canções. Nesse momento alguma coisa passou por mim, essa necessidade de ouvir a música como intérprete."
Próximo álbum
Para lançar seu segundo disco de inéditas, Isadora espera um momento mais seguro para viajar. “Para quem trabalha com canções, esse foi um momento muito difícil. São dois anos sem fazer show. Houve uma política de integração, articulação de artistas, pois vivemos também um boicote a essa categoria, a exemplo do sucateamento da Lei Rouanet e dos equipamentos que promovem a circulação e fomento da cultura. Existe um projeto de silenciamento. É muito importante ter essa retomada, mas ainda me sinto inseguro. Estamos todos aguardando esse momento”, finaliza.
Clipe
Junto com o EP, foi lançado no YouTube o clipe da faixa “Todo Ar”. O vídeo foi dirigido por Luara Olívia, fotógrafa e filmmaker recifense que já trabalhou com Sofia Freire, Barro, Flaira Ferro, Samico e Larissa Lisboa. Com Isadora, o conceito para ilustrar a canção foi colocá-la numa posição de contrastes entre prazer e dor. O videoclipe mostra a cantora destruindo numa mesa de café da manhã, posta sob a luz do sol.