Você que me lê, se já provou de pirarucu, muito provavelmente foi quando em viagem pelo Norte do País, região que tem, entre seus sabores, o desse peixe. Originário da bacia amazônica, ele esteve sob risco de extinção devido à pesca predatória. Até que uma técnica o tem preservado e distribuído para consumo País afora — no Recife, inclusive.
Em pelo menos três restaurantes da capital pernambucana e região metropolitana você já experimenta pirarucu: no Pobre Juan, no RioMar Recife; na Oficina do Sabor, em Olinda; e no Tulasi Mercado Orgânico, em Boa Viagem.
Pirarucu Amazônico
Na rede Pobre Juan, que tem unidade no RioMar Recife, a chef Priscila Deus introduziu o peixe de textura macia e sabor leve após o grupo abrir um restaurante em Manaus. O prato da casa, Pirarucu Amazônico (R$ 104, individual), está no cardápio fico e é tipicamente brasileiro e em sintonia com a gastronomia da rede, conhecida pelos sabores que tira da brasa.
O lombo do pirarucu tem o defumado da grelha e é servido com o molho chimichurri, que é um clássico de lá. Vai sobre um molho de moqueca e purê de banana-da-terra, e é acompanhado por arroz de coco mais uma farofa (crocante) à base de manteiga de garrafa. Todo esse conjunto forma uma grande harmonia no paladar. É um prato daqueles que se pede novamente.
Pirarucu Encantado e Perfumado
O Oficina do Sabor, do chef César Santos, em Olinda, criou logo dois pratos para o menu permanente: o Pirarucu Encantando e o Pirarucu Perfumado (R$ 138 cada, para duas pessoas). O primeiro, mais ousado, é o lombo do peixe ao molho de maracujá, leite de coco, ao perfume de gengibre, acompanhado de arroz de castanha de caju e batata na manteiga.
E o segundo, mais próximo da montagem de um bacalhau, traz um suculento (e delicioso) filé do pescado temperado com limão no azeite de oliva e manteiga de garrafa, com alho laminado, cebola, pimenta de cheiro, alcaparras e tomate-cereja, servido com arroz de coco e purê de banana comprida.
Os pratos foram lançados em fevereiro e já conquistaram uma fatia de clientes que era adepta da pescada amarela.
"Eu já conhecia o peixe, mas não tão bem, como estou conhecendo agora. Conhecia ele defumado, seco, salgado, mas fresco como chegou... eu fiquei muito surpreendido", comenta César. "A resposta [dos clientes] veio de imediato", diz citando um homem de Belém que disse nunca ter comido um igual mesmo vivendo na capital paraense, onde o peixe também é comum.
"A gente tem que valorizar o produto do nosso País, e tem que ter responsabilidade econômica, social, ambiental. Há tudo isso por trás", ressalta o chef, enfatizando a procedência do alimento e a cadeia sustentável em que está inserido.
Croqueta de Pirarucu
O Tulasi Mercado Orgânico, em Boa Viagem, usa a ventrecha, parte da barriga, com mais gordura, para fazer uma Croqueta de Pirarucu (R$ 18,50, uma dupla).
Outra opção é o Tataki de Pirarucu (lombo de pirarucu empanado em crosta de sementes, selado na manteiga, servido com ponzu cítrico e molho de beterraba orgânica mais picles de maxixe e palha de macaxeira - R$ 44). As criações são do chef Lucas Muniz.
De onde vem o pirarucu?
A Gosto da Amazônia — um arranjo comercial que vende a carne e o couro do pirarucu pescado por 12 comunidades ribeirinhas e indígenas da Amazônia — é quem tem distribuído a iguaria no Recife e outras capitais brasileiras.
O pirarucu é um peixe fácil de ser pescado, e isso explica porque esteve ameaçado de extinção. Grande, ele mede e pesa, em média, 1,70 m e 70 kg, o que o torna um alvo de boa visibilidade. Além de que, a cada 20 minutos, ele emerge do rio para respirar — e é aí que é pego por arpão.
Há mais de 20 anos, o manejo selvagem tem salvado o pirarucu do fim da espécie. E só por esse protocolo a pesca dele é legal no Estado do Amazonas. O peixe é criado solto na natureza — portanto, sem alimentação artificial, como o de cativeiro — e só pode ser pescado durante os meses de setembro, outubro e novembro. Desde que adultos, com mais de 1,50 m e numa quantidade máxima de até 30% do cardume total do lugar.
O acompanhamento é feito por manejadores ribeirinhos e indígenas aprovados por um curso de formação de contadores de pirarucu. Eles vão nos lagos (naturais, que se formam no período de baixa da água na região amazônica) cerca de dois meses antes do período autorizado para pesca, para acompanhar o cardume.
O procedimento sustentável reverteu a situação do pirarucu — da extinção para o crescimento de cerca de 400% deles na última década. Fora a preservação da espécie, o manejo e o comércio tem possibilitado a essas populações uma renda.
O pirarucu — assim chamado pela combinação das palavras pirá, que é peixe em tupi, mais urucum, vermelho, devido à cor de sua cauda — é o maior peixe de escamas de água doce do mundo, podendo chegar a medir 2,5 m e pesar 300 kg.
Tratado sem espinha nem pele (que é chamada de couro e utilizada na fabricação de acessórios, como sapatos da grife carioca Osklen, ou exportado para virar botas no Texas), o pirarucu é um peixe de posta alta, carnudo, e que por isso tem o apelido de "bacalhau da Amazônia". Seu sabor, no entanto, é suave.
Só a Gosto da Amazônia acumulou na última safra — da pesca referente ao período setembro-novembro de 2021 — 150 toneladas da carne dele; esse número é o equivalente a 10% do comercializado por todas as empresas que trabalham com o manejo selvagem do pirarucu. Por ora, o peixe tem entrado pelos restaurantes, e só um mercado no Rio de Janeiro já o tem nas prateleiras.
Há um caminho até que chegue a mais mercados: tem a ver tanto com a produção e distribuição quanto com a necessidade de fazer o brasileiro ir além no peixe. Sérgio Abdon, que é responsável pelas áreas de promoção, marketing e eventos da Gosto da Amazônia, diz que uma pesquisa feita pela empresa revelou que o consumidor brasileiro tem um repertório limitado de peixes. Conhece no máximo cinco e é inseguro com relação a como preparar e saber se está bom ou ruim.
A Gosto da Amazônia é fruto da cooperação internacional entre os governos do Brasil e dos EUA, executada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Serviço Florestal dos EUA (USFS), com recursos da Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA (Usaid) e participação da Operação Amazônia Nativa (Opan), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), Memorial Chico Mendes (MCM), Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), Associação dos Comunitários que Trabalham com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ), Instituto Juruá, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio).