Histórias de livreiros e livrarias (de rua) facilmente encantam a gente pelo tanto de paixão, gentileza e obstinação com que um negócio desse é feito e mantido. A história de Tarcísio Pereira e da sua Livro 7 é uma delas e está contada no perfil biográfico Tarcísio Pereira — Todos os Livros do Mundo, assinado pelo jornalista Homero Fonseca e editado pela Cepe, que o lança nesta quarta-feira (27), às 19h, no Paço do Frevo.
Falecido em janeiro de 2021 em decorrência da covid-19, Tarcísio Pereira, "mesmo sem ter sido um criador de conteúdo, teve a maior importância na vida cultural de Pernambuco", enfatiza Homero, no texto de divulgação do livro. A relevância que o livreiro alcançou na história da vida cultural — sobretudo, do Recife, mas também do Estado e até do País — teve como vetor a Livro 7 e o que nela ele realizou. "Há um imbricamento entre ele e a livraria, você não pode separar o CPF do CNPJ", disse o jornalista, em entrevista por telefone.
Fora o apreço intelectual às palavras e ideias, às narrativas e linguagens, e afora a dedicação física aos livros e às prateleiras, a Livro 7 se deita na memória coberta também por outros sentidos. Aberta há 52 anos — exatamente em 27 de julho de 1970 —, a livraria tornou-se um ponto em torno do qual circundou a juventude da geração de 1968; funcionou como um centro cultural aberto a outras linguagens, como música e teatro, e consolidou-se como a maior do País, de 1992 a 1996, o que está registrado no Guinness Book.
Ainda há que sublinhar a presença agregadora de Tarcísio Pereira. "Ele era um sujeito extremamente afável, amoroso, generoso", recorda o biógrafo. "As pessoas frequentavam a Livro 7 também por Tarcísio."
Homero Fonseca levou um ano na pesquisa e escrita do perfil biográfico Todos os Livros do Mundo. Ele próprio era amigo de Tarcísio Pereira — "embora não dos mais íntimos" — e frequentou a Livro 7, primeiro como estudante, depois como jornalista.
"Você só vai compreender a existência e o percurso da livraria se entender como funcionou aquela geração muito específica, que é a de 1968", pontuou o jornalista. "Foi uma geração muito intensa no sentido de apagar o que tinha para trás e construir o que vinha pela frente", continuou, ilustrando aquele momento: o País sob ditatura e uma juventude estudantil politizada e progressista.
Tarcísio e a Livro 7, respectivamente, um empreendedor e um espaço de conhecimento e libertação das ideias, feito ímã, atraíram essa juventude. Criou-se, então, um movimento, que impulsionou o crescimento do negócio.
Sempre situada à Rua Sete de Setembro, na Boa Vista, Centro do Recife, a livraria que ocupava uma pequena loja de galeria passou para um casarão, e depois para um galpão. A diversidade de obras levou à convivência de gente de esquerda e direita.
Miguel Arraes, Gilberto Freyre, dom Helder Câmara, Hermilo Borba Filho foram clientes da Livro 7. O escritor norte-americano Sidney Sheldon também passou por ela, no fim dos anos 80, quando autografou quase mil livros diante de uma fila gigantesca.
O que faz Tarcísio Pereira — e, a reboque, a Livro 7, fechada em 2000, portanto há mais de 20 anos — permanecer vibrante na memória é justamente entender que o que ele realizou foi mais do que montar uma livraria e vender livros. "As pessoas iam e nem sempre compravam livro. Iam para encontrar pessoas, trocar ideias, saber das novidades. Muita gente se conheceu, namorou, casou", contou Homero Fonseca.
Nos depoimentos que ouviu, lembranças e sentimentos sortidos. Mas todos chegam numa intersecção: "Toda relação com a Livro 7 era uma experiência cognitiva e afetiva".
Embora pareça todo romântico, iniciando com a origem do livreiro, nascido em Natal, numa casa de predominância feminina, para entender a exceção de homem que foi, o livro toca em tristezas. Quando, por exemplo, aborda o processo de falência — e aqui, particularmente, tanto o roubo de livros, algumas vezes publicamente romantizado por quem furtou, quanto a última mudança da livraria, que ocupava um galpão em L e foi reduzida à ponta do L, até o despejo judicial.
O acontecimento mais triste, a morte de Tarcísio por causa da covid-19, quando a vacinação no Brasil estava sob disputa, encerrou materialmente a história de um livreiro e uma livraria. Essa história, agora, está impregnada numa atmosfera — de quem a viveu, mas não somente. Homero ouviu uma jovem, que nunca foi à Livro 7, dizer que sente saudade.